quinta-feira, 18 de julho de 2013

Trinca de Copas: 20) Clarisse Grova, Élio Camalle+Rafael Iasi+Ricardo Soares+Sonekka+Zé Edu Camargo e Gabriel de Almeida Prado

1) A UM PALMO DO NARIZ

Tratemos de música um pouco, né? Pra começar resolvi resgatar uma canção que nasceu de um forma muito doida. O que Chico Buarque tentou em sua casa certa vez, e não conseguiu, consegui eu. Mas, caramba, como o tempo passa! Eram os idos de 2007! Naquela noite a caiubada em peso estava no (hoje finado) Crowne Plaza; se não me engano havia rolado um show coletivo do Caiubi (se eu estiver enganado, alguém me corrija). Após o show, alguns de nós resolvemos terminar a noite no Rancho Nordestino, boteco chiquérrimo e tradicional do bairro do Bixiga. O Clube do Bolinha era formado por mim mais Rafael Iasi, Ricardo Soares, Tito Pinheiro e Zé Edu Camargo. Após algumas brejas, desafiei a galera a compor uma letra ali, na hora. Vencida certa relutância inicial, os manos se animaram e, um faz um verso aqui, outro acolá, chegamos a um resultado no mínimo razoável.

Ah, faltou dizer que Tito Pinheiro, o imparceirável!, saiu pela tangente e preferiu não participar da composição. Funcionou ali apenas como um consultor. Saímos do bar trêbados, e eu com a letra no bolso. No dia seguinte Élio Camalle me visitou, mostrei-lha, ele pegou o violão e em minutos estava pronta a primeira parte. Só que depois, por preguiça ou falta de inspiração, não conseguiu terminá-la. Convenci-o a, pelo menos, gravar a parte que havia feito. Com uma letra e meia canção, pensei imediatamente em Sonekka, que é uma máquina de compor, e mandei-lhe o frankenstein. Ele deu uns pitacos no intuito de melhorar a letra e alguns dias depois me enviou a gravação final, que vocês ouvirão abaixo. Ah, citei o Chico porque certa vez ele recebeu uma meia dúzia de feras em sua casa com o propósito de que compusessem uma canção coletivamente. Todo mundo bebeu e ninguém fez nada. Pelo menos nesse aspecto minha geração é mais ponta firme, como vocês notarão:

A UM PALMO DO NARIZ
Sonekka Élio Camalle Zé Edu CamargoRafael Iasi Ricardo Soares Léo Nogueira

Se você está comigo
Grajaú é Nova York
Meu terreiro é a Vai Vai
E o centro de Xangai
Fica ao lado do Oiapoque

Se você está comigo
Berinjela é caviar
Frango assado é faisão
E aquele arroz com feijão
É o mais fino manjar

Se você está comigo
Tudo fica mais bonito
Mesmo rua sem saída
Vira a estrada mais florida
A caminho do infinito

Se você está comigo, o mundo fica plano
E não tem engano, eu não me perco mais
Se você está comigo, geografia é redundância
Porque todas as distâncias são iguais

Se você está comigo
Jabaquara é Paris
Butantã é Barcelona
E o Rio Amazonas
Corre a um palmo do nariz

Se você está comigo
Várzea vira Morumbi
Qualquer zé é Maradona
Até Gretchen é Madonna
Cracolândia é Caiubi

Se você está comigo
Peito aberto é escudo
Qualquer beco é uma estrada
Não preciso de mais nada
Porque eu já tenho tudo

Se você está comigo, o mundo fica plano
E não tem engano, eu não me perco mais
Se você está comigo, geografia é redundância
Porque todas as distâncias são iguais



***


2) MARAVILHAS NO PAÍS DE ALICE

Gabriel e Alice
Meu primeiro sonho de moleque foi ser jogador de futebol. Perdi o tempo da bola e o mundo perdeu a chance de conhecer um ponta-esquerda destro bastante razoável. Tempos depois sonhei em ser escritor. Como era muito bom de redação, uma professora de português me apresentou um escritor aparentado dela, e este, com uma pinta de alcoólatra depressivo, me desestimulou. Eu devia ter 12 pra 13 anos. A partir daquele dia parei de escrever os contos que já inventava. Ou seja, a boa intenção de minha professora pode ser considerada uma daquelas que existem aos montes no inferno. Só fui me curar do trauma quase duas décadas depois! Em seguida tive outro sonho, este mais palpável: ser pai.

Sempre gostei de crianças, e costumava chorar quando ouvia O Filho que Eu Quero Ter, maravilhosa parceria de Toquinho e Vinicius de Moraes. Este, aliás (vejam vocês), dizia que não gostava de criança e só passava a dar atenção a elas quando já haviam atingido a idade de ter um mínimo de capacidade de raciocínio. No entanto, ele foi capaz de compor versos antológicos, de fazerem chorar até o mais frio dos hipócritas (escondido, claro). Pois bem, deixando o sentimentalismo de lado, e, pra não entrar muito nas particularidades de cada um (esse "cada um" no caso sou eu), basta dizer que... Aqui roubo os versos de Manuel Bandeira: "Gosto muito de crianças:/ Não tive um filho de meu/ Um filho!... Não foi de jeito.../ Mas trago dentro do peito/ Meu filho que não nasceu."

E eis que, no dia 4 de junho do ano corrente (dia que já me é importante por ser data aniversária de meu irmão adotivo Élio Camalle), veio ao mundo a pequena Alice, filha dos amigos Leandro e Daniela, esta, irmã de meu parceiro Gabriel de Almeida Prado. Um ou dois dias depois, Kana estava fora vendo o sol nascer primeiro, assim que eu, vendo a lua morrer por último, acompanhado de um amigo argentino em estado líquido, com aquela languidez própria dos etílicos, me animei a compor um soneto em homenagem a essa moça de nome tão cheio de simbolismos. Enviei o conjunto dos versos a Gabriel, que mais que depressa o cobriu de melodia. Foi em casa me mostrar, e a boa notícia era que a melodia estava ficando linda; a má era que a estrutura do soneto acabou não cabendo nela, assim que não me fiz de rogado, mandei o soneto pra Oz e tratei do País das Maravilhas. Terminamos a canção aos prantos (cada um por uma razão diferente). Agora posso dizer que estou quites com Toquinho e Vinicius. E mais: os filhos que trago dentro do peito estão crescendo tanto que já não cabem mais dentro dele. Que maravilha!

MARAVILHAS NO PAÍS DE ALICE
Gabriel de Almeida Prado - Léo Nogueira

Mas e se você fosse por ali, Alice
Atrás do toque desse tique-taque
Ali! Se você fosse por ali, Alice,
Atrás. Se toque nesse tique-taque
Num buraco calhasse de cair
Pra ir atrás de seu coelho de fraque

Mas se você tratasse de crescer, Alice
E, de repente, não coubesse em si
E ali, se se tratasse de crescer, Alice,
O de repente é não caber em si
Perdida na floresta do viver
Sem chaves, mas com mil portas... que abrisse

E ali, se você vir por entre a fresta
Tem gatos, lebres, loucos nessa festa
Crescer é mais difícil que ser filha
Porém, você é mais que o seu tamanho
E embora o que eu disser pareça estranho:
O mundo é mau, mas é uma maravilha...
Alice

***

3) REVOLUÇÃO TROPICAL

Tinha pensado em não tratar de política nesta postagem, mas me lembrei desta canção e acho que ela pode vir a ser um bom contraponto em relação aos últimos acontecimentos que temos vivido. No mais, não chega a ser política, ela trata mais do aspecto social. Pois bem, em 2008 Kana estava gravando seu terceiro CD, Imigrante, pela Koala Records, de Vasco Debritto, e este achou que a letra que eu tinha feito pra um samba dela que entrara no repertório não tinha a ver com o espírito do disco e me pediu que fizesse outra. Obediente (afinal, não é todo dia que alguém nos banca um CD), fiz outra letra pro tal samba, e esta ficou órfã de melodia. Como na época Clarisse ainda atendia a meus chamados (aqui se ouve o tal kkk), enviei-lhe a letra, e ela em pouco tempo ma devolveu na belíssima canção que vocês ouvirão abaixo.

Esta canção está sendo gravada agora por Tamara Saraiva, então, achei interessante que ela (além de vocês, claro) soubesse como surgiu o tema. Foi assim: eu não vi, mas um amigo me contou que estavam num programa que João Gordo apresentava na época Lobão e Tom Zé (olha que atualidade: um revelando sua face reacionária em seu novo livro, e o outro sendo apedrejado por gravar um comercial pra Coca-Cola). No meio da entrevista, Tom Zé solta uma pérola: disse ele que esse papo de rebeldia de roqueiro brasileiro não tá com nada, é uma postura americanizada e que não tem a ver com nossa realidade tropical. Segundo ele, a verdadeira rebeldia brasileira teria que se "manifestar" pela gentileza com firmeza de caráter, pois nosso clima não combina com violência. Disse ainda que tem fé que essa revolução se dará, mais cedo ou mais tarde. Fiquei com tal ideia na cabeça e saiu essa letra, que se reveste de atualidade devido aos acontecimentos extraordinários. Ei-la:


REVOLUÇÃO TROPICAL
Clarisse Grova – Léo Nogueira

A revolução do bem
Que se fará nessa nação
Não será com bala de canhão
Nem pedra e pau

A revolução já vem
Trará rebeldes mais gentis
Gargalhando a um palmo do nariz
Do mal

Uma revolução em paz
Só quem sabe faz

Tropical revolução
Usando "com licença" e "por favor"
Mas antes de invadir o exterior
Vai libertar o coração

A revolução virá
Soltando fogos pelo ar,
Jovens pelas praças vão se amar
Sem ter pudor

A revolução é cá
E os covardes fugirão
Da insubordinada legião
Do amor

Uma revolução em paz
Só quem sabe faz


***

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