terça-feira, 16 de julho de 2013

Crônicas Desclassificadas: 98) Minha pátria são minhas línguas

Sempre gostei de viajar, só que de um modo um tanto distinto do de turistas comuns. Não vou dizer que não me agrade visitar pontos turísticos, mas, se a viagem se resumisse a isso, confesso que preferia ficar em casa. Afinal, muitas vezes temos que acordar cedo, passar horas dentro de um ônibus, nos cansamos caminhando e visitando um sem-fim de igrejas e museus, pra no fim só tirar uma dúzia de fotos que, na volta, mostramos aos parentes e amigos, e não absorvemos absolutamente nada da essência do lugar visitado. Vou dar um exemplo, mas num parágrafo novo, pra não sobrecarregar este.
Certa vez estávamos eu, esposa e sogra em Machu Picchu, em meio a uma pequena multidão que acompanhava o guia que nos ia destrinchando as peculiaridades do local durante o trajeto, quando de repente ouvi um grito em português, algo como "para tudo!". Em pouco tempo percebi se tratar de uma brasileira (carioca, pelo sotaque) que, como não entendesse nada do que dizia o guia (em espanhol), rodava a baiana e, entre um palavrão e outro, sem ligar pro marido, que, constrangido, pedia pra ela se acalmar, exigia que lhe informassem onde era a saída, que ela continuaria o percurso só. Detalhe: havia outro guia, em inglês, mas a madame, pelo visto, não dominava nem o português...

Mas eu contava que viajo por outros motivos. Gosto de me misturar aos passantes em ruas movimentadas, ouvir o som de suas vozes, seus sotaques, de preferência em lugares onde a presença de turistas seja mínima, comer em restaurantes populares, pra saber o que comem as pessoas que ali vivem, conversar com elas, pedir dicas sobre escritores e compositores locais, enfim, respirar o ar da região, sentir-me envolto em sua atmosfera, como se eu fosse apenas mais um dos habitantes daquela cidade. Quando piso num país pela primeira vez, sinto-me em estado de graça, como uma criança num parque de diversões. E me sinto um camarada afortunado por poder ter tais experiências.

Acho deprimente ver turistas que, tendo a oportunidade de experimentar uma nova culinária e tomar conhecimento de outra cultura, preferem procurar os Mc Donald's e shopping centers de sempre. Imagino que esse tipo de gente viaja pra buscar o já conhecido, sem ultrapassar a zona de conforto. Ora, se era pra isso, fulano não economizaria tempo e dinheiro fazendo esse passeiozinho em sua própria cidade? Pra mim, pelo contrário, viajar é interagir, é ser uma personagem com falas e não simplesmente um figurante, é ser um agente de interlocução, é menos assistir a um filme que estar dentro dele, atuando. Por ser assim acabo escolhendo sempre países cuja língua eu domino, ainda que mal e porcamente.

E nessas horas me arrependo de minha teimosia em não ter aprendido inglês. Claro que não é a mesma coisa usar uma língua-tampão em vez da língua local, mas é melhor usá-la que ficar mudo, como ocorreu comigo em Paris, a cidade das luzes, dos livros, dos cafés, onde entrei mudo e de onde saí calado. Foi deprimente entrar na Fnac parisiense e me deparar um aquele mundão de livros escritos numa língua alienígena (pra mim, claro) e não poder sequer fazer uma simples pergunta a quem quer que fosse. Daí que acabei desolado, trazendo na mala um punhado de frustrações. Não fosse a esposa, nem teria conseguido escolher um prato num restaurante. Agora me lembrei da carioca em Machu Picchu... mordi a língua (pelo menos não dei piti)!

Mas nem só de más recordações vive o viajante. Quando jovem estudei italiano por um ano e meio, daí que certa vez, quase duas décadas depois, tive a alegria de passar duas semanas na Itália. Covarde que sou, simplesmente travei nos dois primeiros dias. Bastava abrir a boca e soltar um "Signore, scusi" e o restante da frase caía no chão e escapava pelo bueiro. De repente, no terceiro dia, do nada, lá estava eu falando pelos cotovelos. Tudo errado, claro, mas me comunicando! Lembro que um dia fui pedir uma informação a um velhinho e perguntei: "Signore, abíti qui?", ao que ele me corrigiu: "Abíti, no! Ábiti". Faltou pouco pra eu o abraçar, comovido...

Agora meu maior desafio foi seguramente a primeira viagem ao Japão. Em poucas viagens chorei tanto na vida. O vento batia em meu rosto, eu chorava. Os carros passavam em sentido contrário (lá a esquerda é a direita, e vice-versa), eu chorava. Comia um prato pela primeira vez, meus olhos se enchiam de lágrimas. Sem falar que foi lá que vi neve pela primeira vez. O Japão, em nosso imaginário, é um país cheio de encantos e mistérios, além de ser completamente distinto do nosso. Por essas e outras, ainda mais pra mim, que gosto bastante do cinema e da literatura orientais, a mágica de estar ali era tamanha. Só me deparei com um probleminha "insignificante": a língua!

Por não falar inglês, sabem o que fiz? Me pus a estudar diariamente os três alfabetos japoneses, a saber: hiragana, katakana e kanji. Os dois primeiros são até fáceis, mas o terceiro... Este, só mesmo alguém morando ali durante anos pode aprender. E olhe lá! Pois bem, com um bom dicionário à mão, e tendo a sogra como professora (ela engrenava uma quinta e não queria nem saber se eu entendia ou não!), em três meses ali já conseguia manter conversações básicas. E hoje, anos depois, embora não fale bem (por falta de uso da língua), tenho, dizem, uma pronúncia bastante boa. Mas há uma história que queria contar pra finalizar: nessa viagem, como disse antes,  vi neve pela primeira vez. Era madrugada. Corri pra rua, abri a boca, estirei a língua pra fora pra saber seu sabor, e comecei mesmo a escrever o abc japonês no chão branco, rindo e chorando. Minha sogra, preocupada, perguntou a minha esposa se eu estava bem. Não, não estava.

Estava ótimo!

***

4 comentários:

  1. lindo!!! me dan ganas de viajar...
    y es verdad que entramos en otra frecuencia,. mas presente, con los sentidos mas alertas...
    amo viajar y que decir de cuando cruzo la frontera y empiezo a ver los carteles en portugués...ahí ya ne pongo de buen humor!!

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    1. Hola, Marce!

      A mí me pasa lo mismo viendo los carteles en español! Jajaja!

      Besos,
      Léo.

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  2. Hola apreciado Léo !!!!!!
    hace mucho que no venía por acá.. lo siento ... pero bueno .. aquí estoy ....

    me encantó tu texto !!!!!!!!!
    es lo q siempre he pensado de los viajes.... es para vivir la cultura, conocer las personas !!!! .... no para repetir lo q hacen otros (turistas), y mucho menos para conocer lo q ya se sabe.... sino para entrar en contacto con lo desconocido .. la cultura en sí, las costumbres... los dialectos, los dichos.... esos detalles tan preciados y para nada insignificantes que construyen una sociedad, una manera particular de vivir.....
    y así lo intenté cuando fui allá !!! y me encantó ...

    sabes.... académicamente, hay un sociólogo que habla del tema... él, Marc Augé, francés, escribió un libro que se llama "El viaje imposible".... lo leí cuando estaba en la universidad y me fascinó... fue lo que me abrió los ojos al verdadero sentido de los viajes.....

    el problema del idioma .. sip, es cierto .. pero sabes, hablando un idioma extranjero se conoce también las particularidades de la cultura... me pasó con los primeros idiomas que aprendí, y todavía me pasa con los nuevos... y en el momento en que se pone en práctica, wowwwwww .... es llegar a un estado quasi de éxtasis !!!!... es completar ese deseo tan anhelado.... !!!

    muchas gracias por tu texto....
    a gente se fala !.... (hahaha no lo olvidé esta vez)
    saludosssssss

    javier

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    1. Hola, Javi! Qué bueno encontrarte por acá de nuevo. Coincidimos en el pensamiento, incluso en lo del éxtasis que el encuentro con un nuevo idioma nos propicia, además del viaje, por supuesto.

      Y qué bien que te llegó el CD. Que lo disfrutes!

      Seguimos en contacto!

      Saludos,
      Léo.

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