terça-feira, 25 de junho de 2013

Crônicas Desclassificadas: 95) De médicos estrangeiros, imigração japonesa e mão de obra barata

Um dos cursos superiores mais procurados no Brasil é o de Medicina. Consequentemente é um dos que possuem mais candidatos por vaga. E por quê? Porque os brasileiros adoram essa profissão? Não! Porque é uma cujos profissionais são mais bem remunerados. Contraditoriamente, li há alguns dias que há várias regiões do país onde há carência de médicos. Confesso que a notícia me surpreendeu. E me surpreendeu mais saber que, por causa disso, o governo brasileiro começa a se mobilizar pra contratar médicos estrangeiros, sobretudo de Cuba, Portugal e Espanha. Nesses dois últimos há um grande número de bons profissionais na área que se encontram desempregados, devido à crise europeia. Já no caso de Cuba, é notório o reconhecimento da qualidade da medicina nesse país, e, como o sistema de governo ali não remunera bem tais profissionais, a um sinal do governo brasileiro haveria um batalhão deles disposto a trabalhar onde quer que fosse.
 
Pois bem, vamos por partes. Se há uma procura grande por parte de candidatos a estudante de Medicina, significaria que, em tese, temos números mais que suficientes pra suprir a demanda. Certo? Não? E por que não? Analisemos: quais são as áreas onde faltam profissionais? As periferias das grandes cidades e as regiões mais pobres do Nordeste. Não é preciso ser muito inteligente pra chegar à conclusão de que, se há essa carência e há um bom número de profissionais formados ou em vias de se formar... Adivinharam! É porque esses profissionais não querem trabalhar nessas localidades. E por que não quereriam eles? E por que os estrangeiros acima citados aceitariam? Tchã tchã tchã tchã! Aí é que está o X não do poema, mas da questão.
 
Voltemos um tiquinho no tempo. Há pouco mais de cem anos chegou ao Brasil a primeira leva de imigrantes japoneses. Claro, eles não foram os únicos. Por aqui aportaram também italianos, alemães e muitos outros. Quero, contudo, centrar nos japoneses porque são um povo com o qual, por motivos óbvios, tenho mais contato. Prossigamos, pois. Naquela época o Japão não era a potência que é hoje. Havia fome, miséria e... excesso de habitantes. Já o Brasil, com essa extensão continental que possui, e tendo havia pouco libertado os escravos, carecia de mão de obra na lavoura, área em que os japoneses se destacavam. Assim, houve um acordo entre Brasil e Japão que beneficiava ambos. O Brasil supria, em parte, sua carência, já o Japão, país pequeno, como sabemos, despachava seu material humano excedente.
 
Tudo lindo, tudo maravilhoso, todos seriam felizes pra sempre não fosse um detalhe que não fora revelado àquele grande contingente de japoneses: estes vieram pro Brasil com a ilusão de fazer fortuna e voltar a seu país com uma situação financeira que lhes propiciasse viver mais dignamente (qualquer semelhança com o êxodo dos nordestinos rumo às grandes cidades do Sudeste não é mera coincidência). Só que o Japão não tinha intenção de recebê-los de volta. Tanto que, quando instalados nas fazendas onde viriam a trabalhar, estes souberam que teriam de gastar muitos anos de trabalho só pra pagar a passagem. Sem falar que, por não se adaptarem ao clima, muitos deles vieram a falecer. Os que sobreviveram, ao perceber que a volta era uma ilusão, se mobilizaram pra juntar economias e acabaram comprando fazendas comunitariamente e sendo os primeiros proprietários coletivos de terras.
 
Com o tempo, acabaram prosperando, e ainda hoje há muitas fazendas no Brasil cujos donos são japoneses (muitos deles nunca sequer aprenderam a falar português). Por outro lado, o Japão também veio a prosperar. Principalmente após o fim da Segunda Guerra, quando, dessa vez contra a vontade deles, o país veio a perder outra grande parcela de cidadãos. Mas então entrou em ação a fibra japonesa, e o país foi não só reconstruído, como melhorado. E hoje o Japão carece de mão de obra na construção civil, nas indústrias e em trabalhos braçais em geral. De forma que, ironicamente, recebe levas e mais levas de brasileiros (grande parte formada por descendentes de japoneses) pra executar serviços que eles não querem fazer. E por quê? Porque a maioria dos japoneses estudou, se formou e não pensa em varrer chão, limpar latrina ou mexer massa de concreto.
 
Aqui voltamos ao começo. Não sei se conseguiram acompanhar meu raciocínio. Dei o exemplo do Japão, pois se trata de um país que, de uma forma ou de outra, resolveu sua questão com o excesso de população e, assim, conseguiu educar os que ficaram e dar-lhes boas colocações profissionais. No caso do Brasil não há a necessidade de mandar seus filhos pro exterior. Há espaço pra todos, o que falta é repensar a educação, diria mesmo aumentar o investimento nela, de forma inteligente. Daí os gastos iniciais retornariam em pouco tempo, pois não precisaríamos importar mão de obra especializada. Acho uma estupidez sem tamanho esse desperdício de talentos. Sabemos que os brasileiros são criativos, temos em cada esquina exemplos disso. muitos são empreendedores e se viram, mesmo carecendo de formação (alguns usando seus talentos no mercado da contravenção).
 
Claro que não é um problema nascido na gestão atual. Pelo contrário, tem pouco mais de 500 anos. Contudo, já está na hora de os governantes pararem de pensar no que podem fazer em quatro anos e começarem a plantar sementes que darão frutos em dez, vinte anos. Caso contrário veremos cada vez mais chegarem profissionais qualificados pra trabalhar em áreas necessitadas enquanto exportamos a preço de banana brasileiros subaproveitados pra limparem as latrinas do Primeiro Mundo. Mais do que triste, é uma vergonha! Ah, mas, antes de terminar, faltou esclarecer um detalhe importante que ficou no ar no segundo parágrafo: geralmente quem se forma médico são jovens procedentes das classes média e alta, que estudaram nas melhores escolas e, portanto, não querem gastar seu tão caro conhecimento cuidando de "gentalha". Essa situação só irá mudar no dia em que o Brasil começar a formar médicos procedentes desses cafundós, pois eles não terão nojinho de arregaçar as mangas e tratar dos seus.
 
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2 comentários:

  1. Léo Nogueira, é clara e convincente sua linha de raciocínio onde, em se tratando de saúde, remediar poderia/pode ser a solução... Quanto à educação, deve ser seriamente tratada com a devida prevenção, caso contrário, estaremos comprometendo ainda mais a qualidade profissional em todos os segmentos (inclusive na medicina) e simplesmente aumentando a população de lavadores de latrinas e limpadores de chão. Parabéns! Lalo Guanaes.

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