quinta-feira, 20 de junho de 2013

Crônicas Desclassificadas: 93) Tentando entender o fenômeno MPL

Sim, são só os 20 centavos! Pelo menos foi isso o que entendi após finalmente me encher de paciência e encarar a praticamente hora e meia de duração (vi no youtube) da entrevista que dois membros do MPL (Movimento Passe Livre), Nina Capello e Lucas Monteiro de Oliveira, concederam ao Roda Viva, da TV Cultura. Ok, tenho que dar a mão à palmatória: ambos são muito bem articulados e fizeram a lição de casa direitinho, ou seja, sabem do que estão falando. Afinal, batem na mesma tecla há oito anos com essa história da tarifa zero, tinham mais é que saber mesmo. Até aí, tudo bem. Comentaram que em várias cidades dos EUA e algumas outras da Europa (me parece que há algumas no Brasil também) a condução é gratuita. Portanto, segundo seus argumentos, se lá pode ser, por que aqui não? 
Concordo, com ressalvas, mas concordo. Assim como concordo também que, se não conseguimos zerar de uma vez, reverter esse aumento de 20 centavos, por ora, está de bom tamanho. Ok, até aqui empatamos. Agora vamos aos pontos, digamos, frágeis da argumentação. Em primeiro lugar, o MPL não possui líderes, são cerca de 40 membros que organizam o movimento (orientam o carnaval, inauguram o monumento no Planalto Central...). É até bonito, soa socialista (alcunha que eles rejeitam), mas tal falta de liderança acaba sendo um tanto utópica, dificulta negociações. Não dá pra um governante receber 40 fulanos falando ao mesmo tempo, monocórdicos, num mantra de "tarifa zero", "tarifa zero", "tarifa zero".

... E outra, fica bem mais fácil sair pela tangente. "Não fui eu que falei isso, foi fulano". E fica naquela de "fala você", "não, fala você", "não, você primeiro", que em linguagem futebolística seria o "deixa que eu deixo". Um exemplo claro disso foi quando o apresentador do Roda Viva, Mario Sergio Conti, quase no final do programa, na tentativa de gerar certa descontração, quis saber um pouco mais sobre os entrevistados, que saíram pela tangente, dizendo que estavam lá "enquanto" militantes de um movimento social e que não gostariam de personalizar. Oras, nesse momento uma ficha caiu. Movimentos são formados por pessoas de carne e osso que, por algum motivo, se encontraram naquela causa. Agir como robozinhos, como legião, sufocando o indivíduo, não é lá muito simpático pra quem vê.

Agora falando sério ("eu queria não cantar a cantiga bonita que se acredita que o mal espanta..."), chegou o momento de eles assumirem certas responsabilidades. Mobilizaram o país, pararam várias capitais (e algumas cidades do interior), mexeram com os brios de milhares de brasileiros insatisfeitos; é chegado o momento de deixarem de ser jovens com um ideal pra se tornarem adultos com uma responsabilidade. E uma dessas responsabilidades vem à tona justamente pela falta de um líder. Essas manifestações múltiplas pelo país viraram o samba do crioulo doido. Cada um que saiu às ruas o fez por um motivo diferente. Não houve unidade de pensamento. Um foi contra a Dilma, outro contra o Alckmin, outro contra a Copa, outro contra a corrupção, outro contra a democracia, outro contra a guitarra elétrica (ops!), enfim, contra tudo, ou muito pelo contrário... 

Acho muito bonito ver que os brasileiros têm sangue nas veias e não perderam a capacidade de se indignar, mas certos manifestantes foram às ruas como quem erra de endereço, como se seu time estivesse jogando no Morumbi e eles tivessem ido ao Pacaembu. E tal despreparo de liderança abriu margem pra que neonazistas, desocupados e trombadinhas em geral aproveitassem pra promover o caos. Quinta passada, por exemplo, da varanda de casa vi encapuçados subindo a rua gritando palavras de ordem enquanto alguns deles usavam seus skates pra destruir retrovisores de veículos que iam em direção contrária. Mais tarde, na fila de um mercado, vi um jovem mostrar a outro o que tinha furtado durante a manifestação. Tudo isso vai cair na conta de quem?

Contudo, o ponto que mais me assusta é a despolitização do movimento. Todos nós temos nossas ideologias. Claro que os políticos vivem nos frustrando, mas temos que reconhecer que vivemos um momento de extrema liberdade. Cada um pode falar o que quiser e agir como lhe dê na telha. Temos a liberdade até de parar o país. Isso é sinal de uma vitória incontestável, ainda mais se pensarmos que 30 e poucos anos atrás pessoas morriam por menos. Sob esse aspecto, ver um movimento sem líder e sem ideologia (com apenas uma ideia fixa) ter o poder de mover multidões desordenadamente... confesso que me assusta. Um cidadão não tem a obrigação de ter partido, é livre pra dizer que político é tudo fdp, mas um movimento... Ainda no Roda Viva, quando perguntaram aos dois em quem haviam votado pra presidente... novo silêncio.

Coincidentemente, estou lendo o ótimo romance Los Siete Locos, do argentino Roberto Arlt, que foi escrito entre 1928 e 1929 e trata de uma organização de direita que arma um plano pra tomar o país. Um de seus membros, um major, numa das reuniões que promoviam, deu um depoimento que achei muito atual e que vem bem a calhar como epílogo deste texto: "[...] O que convém, e não se assustem com o que lhes vou dizer, é dar à sociedade um aspecto completamente comunista. Digo isso porque aqui não existe o comunismo, e não podemos chamar de comunistas esse bloco de carpinteiros que proferem disparates sobre sociologia. [...] Toda sociedade secreta é um câncer na coletividade, suas funções misteriosas desequilibram o sistema. 

"Pois bem, nós, os chefes dessas células, lhes daremos um caráter completamente bolchevique. Esse aspecto atrairá numerosos descontentes, e, consequentemente, multiplicaremos as células. Criaremos assim um fictício corpo revolucionário. Cultivaremos em especial os atentados terroristas. Um atentado que tem razoável êxito desperta todas as consciências obscuras e ferozes da sociedade. [...] Sabem o que teremos conseguido com isso? Algo admirável e simples: criar no país a inquietude revolucionária, [...] que eu defino como um desassossego coletivo que não se atreve a manifestar seus desejos. Todos se sentirão alterados, [...] os jornais fomentarão a tormenta e a polícia ajudará prendendo inocentes. 

"[...] As injustiças policialescas acalorarão os ânimos, [...] e não faltará um exaltado que descarregue seu revólver no peito de um tira. As organizações operárias se rebelarão e promoverão greves, e as palavras revolução e bolchevismo infiltrarão em todas as partes o espanto e a esperança. Nesse momento, quando numerosas bombas tiverem explodido cidade afora, os manifestos forem lidos e a inquietude revolucionária estiver madura, então interviremos nós, os militares..."*. E por aí vai. De arrepiar, não? O tempo passa, mudam as peças, mas o placar continua favorável aos de sempre. E, quando uma turma de desavisados, meio que sem saber como, tenta virar o jogo, eles vêm e mudam as regras.

***

*Trecho traduzido por este escriba.

***

Encontrei este vídeo que pode ser bem educativo às novas gerações de protestantes:

6 comentários:

  1. Leo, pqp, é isso mesmo, cara! Também ando assustada com esse movimento contra não sei mais o quê. Alguém tem que ser responsabilizado. As pessoas têm que assumir seus atos ou ir à imprensa para dizer que estão fora. Que, por ora, conseguiram o que queriam. É isso o que penso.

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    1. Mag, sou a favor de manifestações que tenham algum intuito, mas parar por parar me parece atitude infantil. Ninguém quer negociar. Assim fica difícil, e quem sofre são os trabalhadores, que, todo dia, ao voltar pra casa, sabem que vão se deparar com novo caos. Querem reclamar, articulem-se e conversem de homem pra homem, pois enquanto for de homem pra menino, não vamos chegar a lugar nenhum. Ou eles acham que dizendo "abaixo a corrupção" amanhã de manhã vão botar todos os corruptos na cadeia? Ah, sonhar...

      Beijo,
      Léo.

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  2. Não teve nada com a sua "demora" Léo em responder e sim com o meu próprio texto. Achei que uma frase que escrevi poderia ser mal interpretada, como se eu apoiasse a dissolução das instituições democráticas. Mas na realidade o que sinto é que os políticos que estão aí, não representam, salvo raras exceções, as ideologias por trás das siglas partidárias. Os partidos dançam no poder e a nossa situação não muda. O MPL, se não estou enganado, existe há 8 anos e tem seus líderes sim, mas, obviamente, ele não representa toda aquela população que tem ido às ruas. As manifestações começaram pelo aumento das passagens, intensificaram-se pela resposta brutal da polícia paulistana e a partir daí a indignação que estávamos todos sentindo, tomou conta das ruas. Está sendo um movimento espontâneo, apartidário e por isso, sem liderança. No texto que apaguei escrevi as palavras desconstrução e anarquia, por isso fiquei melindrado. Como bem colocou um professor de história, em sua entrevista, na globo news, não adianta somente irmos às ruas, temos que criar uma estratégia para negociar uma pauta de reivindicações para ser trabalhada já. Para isso precisamos de organização e liderança para as negociações. Uma sociedade cônscia que funciona sem um governo ainda é uma utopia bem distante.

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    1. Concordo plenamente, Cláudio. Inclusive escrevi novo textoa respeito, tentando ligar as pontas entre os textos anteriores. Este (O Preço da Ignorância):

      http://oxdopoema.blogspot.com.br/2013/06/cronicas-desclassificadas-93-o-preco-da.html

      Abração,
      Léo.

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  3. ah...amigos!! me recuerda mucho al movimiento que se dió en Argentina hace algunos años(2001).La consigna era: "que se vayan todos", contra la corrupción reinante.Tenemos mucha historia de resistencia y manifestaciones populares y muchos desaparecidos que lamentar .En ese momento algo parecía haber cambiado, había asambleas barriales, se formó el club del trueque, la sociedad se movilizó y encontró maneras de atravesar la crisis...pero todo se fue diluyendo hasta un nuevo resurgimiento de la política , digamos "tradicional", con participación de los jóvenes, ahora mas organizados,en los partidos tradicionales, un resurgimiento del movimiento obrero con muchas fábricas recuperadas por sus trabajadores (y dando ganancia)..en fin....
    A veces me parece que todo es cíclico, que no aprendemos mas y que seguimos hablando sin acordarnos de cosas fundamentales, como que todos los gobiernos(democráticos!) están transando con las corporaciones y destruyendo el planeta, creando cambios climáticos sin que se les mueva un pelo!
    Cuando algo cambiará verdaderamente? seguramente cuando seamos capaces también de cambiar desde lo individual hacia lo grupal (como es arriba , es abajo...)
    Quizá hoy tenga un día no muy optimista...
    disculpen!
    abrazos porteños!!!


    Salve Roberto Arlt!!!

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    1. Así es, Marce! Como en el libro "Il Gatopardo", del italiano Tomasi di Lampedusa, las cosas a veces tienen que cambiar para que todo se quede como está. Pero en relación a Argentina, Brasil está siempre en retraso, verdad? Jejeje! Espero que no importemos también la actual crisis de ustedes...

      Besos,
      Léo.

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