quarta-feira, 2 de julho de 2014

Crônicas Desclassificadas: 134) Amigos ou puxa-sacos?

A literatura, não direi de autoajuda, mas assertiva (palavra que está na moda), ensina-nos que, pra atingirmos nossos objetivos, devemos ser arrojados. Ela só não explica como perceber o limite entre o arrojo e a estupidez. Às vezes, uma abordagem mais ousada dá certo; outras vezes, resulta em dar com os burros n'água. Em contrapartida, vez em quando acertamos ao pensar duas vezes, contar até dez antes de tomar a iniciativa; já em outras ocasiões, perdemos o bonde, ficamos a ver navios. Este é um dilema pro qual ainda não encontrei resposta nem nesta nem em outras literaturas. Talvez porque ela (a resposta) varie de pessoa pra pessoa ou talvez porque mude de tempos em tempos... O que me deixa encafifado é que comigo, na maioria das vezes, ambos casos são exemplos de equívocos. Quando me apresso, como cru; quando espero, como frio.

Aí que, quando me ponho a divagar sobre tão aparentemente insondáveis questões, só consigo concluir que às vezes o problema não é a oportunidade, mas a pessoa. Explico: o senso comum diz que ninguém dá nada de graça. Ou seja, quando recebemos algo de alguém, está implícito que esse alguém espera algo de nós em troca. Claro, não necessariamente pra hoje. Há aqueles que, pacientes, investem no futuro. Se bem que a maioria se antecipa, e muitos te dão hoje em troca de algo pra ontem (ou cujos juros serão estratosféricos). Mas voltemos. Quando disse que às vezes não é a oportunidade, mas a pessoa, quis dizer que, se você, na concepção da pessoa-alvo, não possui nada de que ela possa vir a se aproveitar, desista. Ela não irá fazer nada por você, quer você seja arrojado, quer seja paciente.

E volto ainda ao caso da oportunidade e da pessoa. Nesse caso, quando você não é a pessoa certa, na impossibilidade de se tornar outra pessoa, melhor trocar a pessoa-alvo, investir em alguma outra pra quem você tenha moeda de troca. Ou que, na pior das hipóteses, creia que você tem. Claro que quão mais baixo estejamos nessa problemática hierarquia menos teremos a oferecer e, assim, menos pessoas-alvo encontraremos. Nesse caso, a maior parte das pessoas que encontrarmos fatalmente não irá se encaixar no que consideramos alvo. É por isso que, quando queremos – como direi? – dar o pulo do gato, não podemos contar com os amigos. Não que eles não nos ajudem, ao contrário, os amigos estão aí pra isso. O problema é que, nessa hierarquia, grande parte deles está no mesmo barco em que nós estamos, não no avião de onde nos acenam.

Não sei se estou conseguindo me fazer entender. Você pode estar me achando confuso, mas, se pensar um pouquinho, verá que já passou por situação semelhante uma ou duas vezes na vida. Pense aí. Não é verdade? Essa é a problemática sem solucionática da hierarquia social. A pessoa não vale pelo que ela é, nem mesmo por seu potencial, mas pelo que ela tem. E, quando ela tem muito, o potencial é o que menos importa, porque ela irá devolver com juros e correção monetária o que o outro deu "de graça". Ao que constatamos que, se nessa cadeia hierárquica, quão mais baixo estivermos, mais amigos teremos, também é verdade que, quão mais alto estivermos, mais puxa-sacos teremos. Sim, porque quem está lá em cima passa a não identificar mais com clareza quem é amigo e quem é bajulador.

Parágrafos acima, citei o senso comum ao dizer que ninguém dá nada de graça. Senso comum à parte, há, sim, aqueles que dão de graça, mas encontrar essas pessoas não é tarefa das mais fáceis. Em primeiro lugar, porque são minoria entre as minorias. Em segundo lugar, porque são seres em vias de extinção. Puxe pela memória e veja se consegue encher os dedos de uma mão com tais seres iluminados. Conseguiu? Nem eu. E por quê? Porque tais pessoas pertencem a outro ciclo de relações, devem estar escondidos em mosteiros, talvez em missões na África ou nalguma tribo indígena, quem sabe em cabanas nos montes ou ainda em comunidades autossustentáveis. Dificilmente encontraremos algum desses fulanos perdido no meio da sociedade consumista. Até porque dar de graça também cansa. Se bem que dar cobrando também deve cansar...

Portanto, visto que encontrar quem dê alguma ajuda desinteressadamente está mais no âmbito da sorte do que no da insistência, só vejo uma saída. A propósito, lembrei-me de um fato que cabe como uma luva pra ilustrar a palavra que ia dizer. Há alguns anos, um compositor amigo meu, fã de um medalhão da emepebê, conseguiu chegar até esse fulano, com uma fitinha na mão (era época das fitinhas ainda), e, ao abordá-lo, foi razoavelmente maltratado pelo ídolo, que lhe disse, um tanto hostil, que não o poderia ajudar, visto que era compositor também etc. Em seguida, virou as costas e, quando se afastava, ao perceber que meu amigo, soluçando, estava em vias de ter uma crise de choro, voltou, abraçou-o, esperou que ele se acalmasse, e lhe disse: "Não há fórmula nem atalho pro sucesso. O caminho é um só: trabalho." Daí se virou novamente e foi embora.

Não vou nem dizer o nome desse artista de Santo Amaro da Purificação porque sei que vocês adivinharão de quem se trata. Tampouco vou revelar o nome de meu amigo, conhecido como... brincadeirinha! Não, os nomes não interessam, pois, com variações, tal caso já deve ter acontecido com um monte de gente. Afinal, "gente é pra brilhar, não pra morrer de fome". Eu mesmo já procurei atalhos entrando em contato, por e-mail, com pessoas a quem eu conhecia de vista e de nome, mas que, não sendo minhas amigas, reservaram-se o direito de deixar que o silêncio falasse por elas. Nessas horas sinto falta das cartas. Quanto mais difícil é a comunicação, mais lhe damos atenção. Hoje em dia, tão fácil que é, responder um e-mail? Pra quê? 

Claro, não devemos desistir de nossos objetivos porque fulano nos ignorou. Quando o atalho está bloqueado, sempre nos resta o caminho mais longo. Nesse sentido, acabamos percebendo que todos os fracassos que acumulamos são válidos, servem de experiência pro futuro. E não sou eu quem está dizendo, quem disse isso foi Einstein (não exatamente com essas palavras), ao explicar como chegou à teoria da relatividade. E podemos tirar algo também das experiências alheias, como a de meu amigo, que citei acima. Afinal, o que ele ouviu serve pra todos. Sem trabalho não se chega lá. A não ser que você tenha muitos puxa-sacos. Só há um problema aí: o puxa-saco é volúvel. Já o amigo de verdade é que nem a ondulação artificial de certos cabelos: permanente. Por essas e outras, melhor contar com amigos no mesmo barco que com puxa-sacos em aviões.

***


2 comentários:

  1. Bom texto, querido.

    A tal "gerar valor" é de fato uma arte vital no music business ou qq business.
    Como o "fazer negócio" é no final das contas apenas uma troca, precisamos avaliar qual é nosso valor nessa troca e trabalhar - como disse Caetano - para aumentá-lo a cada dia.
    Seja nos tornando exímios instrumentistas, cantores, compositores e arranjadores. Seja pelo nosso networking e a habilidade de ajudá-los e também saber pedir ajuda. Seja pela habilidade de inovar e produzir discos, shows e clipes.
    Mas o que cada vez percebo mais é que no fim do dia a maior moeda é a confiança de que podemos entregar quaisquer itens acima na data combinada, com valor correto e de forma inovadora.

    Bora trabalhar... :)

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    1. Caro Roney:

      Argumentos lúcidos, como sempre. Claro, o trabalho e a especialização devem vir antes do tal pedido de ajuda. Contudo, os resultados variam de trabalho pra trabalho e de condições pra condições. E há também os mais teimosos e aqueles que desistem ante a primeira derrota. Sem contar o fator sorte. Duas pessoas fazendo exatamente a mesma coisa do mesmo jeito fatalmente acabam não chegando ao mesmo resultado...

      Mas aceito o convite: bora trabalhar!

      Abração,
      Léo.

      PS. Que conste dos autos que quem citou nominalmente Caê foi você! rsrs

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