quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 148) Seca em Sampa


Nem na caatinga, nem no cerrado, nem nos pampas. O babado é que a novidade veio dar em Sampa: São Paulo anda seco. De beco em beco, de boca em boca. Nem uma gota. A seca é oca, mas o boboca não nota. Nem uma lágrima cai. Nem dos olhos do Pai, que não se comove com minha rima. Nem chove, nem cai de cima. São Paulo virou sertão. Que nem o coração do paulistano, que virou saarense, de tão desumano. Pense! Ô seca da gota serena! Nada vale a pena, quando a alma é pequena. Menor que ela, só o nível de água das represas, onde a água não mais vive presa. Cantareira? Canta poeira. E só. Pó, sem eira nem beira. Sobra o rio Tietê, que ri de mim e de você. Água de beber, camará? Água de nadar? Que nada! Água penada. 

E São Pedro? Virou pedra. Aqui nessa terra nada medra. Só o medo. Miolo mole em pedra dura? O sol na moleira fura. Cantareira canta à beira do abismo. E eu cismo. Não falaram que não tinha racionamento? Hem, lazarento? Palavra de governador não tem valor. Primeiro de abril (taqueopariu!). Governa a dor alheia. De barriga cheia. Picolé de chuchu, ah, vá tomar... banho! Não, melhor ganho teria tomando vergonha na cara... suja. Ou melhor, fuja do Saara. Enquanto a Sabesp não despe a última gota de dignidade. Num cuspe. Já vai tarde. E lá fora o sol arde, sem dó nem ré. Só sol. Sacumé, segure a criança quem não souber dançar a dança... da chuva. Sede, um raro prazer. Alckmin e você, tudo a ver! A mão e a luva. O sol e o açude. Espirrou? Saúde!

Terra da Garoa? Fez merda, Deus não abençoa. E agora, como o coxinha vai lavar o carro? Como o porteiro vai lavar a calçada? Dê um escarro. Ou uma urinada. Cantareira? "Minha terra tem Palmeiras"... E não chove nem uma lágrima. Nem na página do jornal. Tudo vai mal, mas o índice de aprovação vai bem. Bem-feito. Sinal de que tá todo mundo satisfeito. O sujo de mãos dadas com o mal-lavado. Quem sabe chove no dia de Finados. Afinal, a esperança é a última que morre. Sobra o porre – o líquido da pinga na neocaatinga. Xinga não, meu! Perdeu, playboy! Perdeu, herói! Vamos todos (pra Niterói?) esperar pelas águas de março. Enquanto isso, o céu tá esparso, as nuvens, dispersas. O resto é conversa. Mande comprar água no mercado persa.

Quem mandou não fazer cisterna? O nadador pulou na piscina e quebrou a perna. O Ceará é acá. E, na avenida Paulista, enquanto o malabarista guarda o suor no bolso, eu não ouço nem um manifestante. Só os carros (positivos e operantes) bebendo gasolina e cuspindo fogo. E atrás um alckmista num logo. Vale tudo nessa esquina e nesse jogo. Quem acha que nunca vai acabar não poupa. E as minas com pouca roupa passeiam na seca com sua deselegância sapeca. Em terra de sol a pino quem tem guarda-chuva é cretino. Chove, chuva! Só que sem molhar. Casamento de viúva, mande encomendar. Tá com saudades das enchentes, gente? Oxente! Seca no Estado dos outros é refresco, né, bicho réi fresco? Nada como um dia atrás do outro que chovia. Enquanto um crente assovia Deixa Chover. Inocente...

Sem hipocrisia, Sampa tem o que merecia. Não é seco o coração? Então? Enchente é que era contradição! Quem nada na areia não morre afogado. Nem adianta cara feia. Ê, vida de gado! Quem não tem colírio creia em sua própria miragem. E quem não tem delírio? E quem não tem coragem? Já avisaram: se não chover – veja você –, vai faltar água pra cerveja. Ora veja! Faltando água, sobra mágoa. E nem adianta aguardente, no meio desse sol quente tinindo... Que lindo! A gente não quer só TV, a gente quer beber e quer fazer amor. Falô? A gente não quer só música ruim, a gente quer água pra regar o jardim... E dessa vez nem é metáfora! Va lá fora e comprove, tire a prova dos nove. Como é que fica nesse não chove e não molha? Questão de escolha...

E tá tão seco, que o suor, no meio do caminho entre a testa e o chão, de fininho, vira vapor. Ô situação! Tá secando até o sangue. Efeito bumerangue: o que vai volta. E a bruxa tá solta! E o governador, com escolta... A culpa não é do nordestino, que é ignorante? Ô esse menino, não tinha acordado o gigante? Acordou, viu e não gostou, voltou pro esplêndido berço. Enquanto a beata reza o terço, o poeta bebe um verso, e parece que contra nós conspira até o universo. Sem água, até os poemas de Mário de Andrade ficam meio João Cabral. Grande novidade... É pedra, é pau! É o fim do caminho. É um seco sozinho em plena capital: Sampa, 40 grau'! E a garoa foi pra Lisboa. E a inundação foi pro Japão. Pelo menos agora você pode entupir os bueiros. E sem remorso. Só não ligue o chuveiro: é osso!

Vai faltar água pra madame lavar o cabelo. Vai faltar água pra tomar banho, né, belo? Vai faltar água pro arroz. E depois? Pro feijão? Oh, God! Como é que pode? Come pão. Mata a sede com coca-cola. E o filho? Não foi pra escola. Tá fechada por falta d'água. Égua, pai d'égua! A seca aqui deságua? Passe a régua. Mande importar do Rio da Prata. Enquanto isso, vá incendiando uma mata, entrando noutra mamata, como a do metrô ("meu iaiá, meu ioiô"). Ou vá chorar debaixo do cobertor, que é lugar quente. Quente? Oxente! Arre égua! Ave, água! Tá faltando até água benta. Mas a gente se contenta. Quem sabe agora o nordestino se revolta... e volta pra casa, vaza. E, quem ficar, apague a luz (Jesus!), abra o gás e... ah, mas pague a conta d'água antes de dizer "nunca mais". E vá morrer no Brás!

Mas você pode gastar seus "reaus" indo pra Manaus. Ou pra Montevidéu, olhar pro céu e se afogar no rio-mar. Ou ainda, ó paí, pode ir pro Havaí... Na falta de sombra e água fresca, melhor enfrentar uma onda gigantesca. Ou pode ir pra Miami, dar vexame em outra língua. É melhor que morrer à míngua. Pode andar de gôndola em Veneza. Vale tudo pra esquecer nossa represa. Não é incrível? Basta subir o nível! Pra enfrentar uma boa estiagem... só viagem! É ruim ter dinheiro e não poder usar a banheira, né? Salve, salve, Cantareira! Salve, salve, São Tomé! Todo mundo no controle remoto, tomando no volume morto... de quem vota. E na torneira? Nem uma gota. Hay que endurecer, ainda que doa. Sampa, terra da garoa. Só que não. E salve os da situação! O Palácio dos Bandeirantes – bem antes – já tinha virado sertão...

Xi, encalhou o TitanicBut no panic!

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