sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 150) Perguntinhas básicas ao eleitor ou O filho da empregada

Caro eleitor, tudo bem aí? Na tranquilidade? Já excluiu muito amigo do facebook hoje ou ainda não? Já postou alguma notícia falsa a favor de seu candidato ou contra o outro? Ainda não? Então, proponho um joguinho mais interessante. Claro, é mais solitário, mas você pode postar todas as respostas depois no face, só pra dar a face, e compartilhar com os amigos. É assim, só como exercício, pra oxigenar o cérebro e tal: te faço umas perguntinhas básicas sobre convívio social. Peço que responda com honestidade... mas fique sossegado; não precisa responder pra mim. Basta responder pra você mesmo. Portanto, não vá mentir; pois, se mentir pros outros já é feio, mentir pra si próprio é imperdoável. Vamulá? São questionamentos simples, nada que você não possa responder. Talvez não queira, mas aí o negócio fica entre você e você mesmo.


Você tem empregada doméstica? Acha que tá pagando muito pra ela? Ela é nordestina? Ela estudou? Sim? Até que série? Ela tem filhos? Sim? Quantos? Os filhos dela estudam? Não sabe? Tem coragem de perguntar pra ela? Você acha que os filhos dela deviam estudar? Sim? Que bom. Ponto pra você! Mas... e se algum deles estudasse na mesma escola em que seu filho estuda? Seria legal? E mais: se os dois, o filho da empregada e o seu, estudassem na mesma classe? Você gostaria? E, por exemplo, se ficassem amigos, estudassem juntos, o filho da empregada viesse estudar com seu filho em seu apê, depois eles saíssem pra jogar bola, à noite bebessem juntos, dessem uma esticadinha e fossem pruma balada pegar umas minas e tal... O que você acha? Você gostaria, ficaria incomodado ou tanto faz?

Agora, vamos deixar o joguinho mais interessante. E se essa sua empregada doméstica for também negra? Volte à casa 1 e responda novamente a todas as perguntas do parágrafo anterior. Com sinceridade! Aproveite que não há ninguém olhando. Agora, vamos continuar desse ponto: você está caminhando a pé com sua filha. Está quase chegando a seu prédio. Já é noite, a rua está deserta. De repente, um rapaz negro te aborda. Você grita, corre, entrega logo tudo o que tem e pede pelo amor de Deus que ele ao menos deixe sua filha ir embora, ou você simplesmente pergunta o que ele quer? Já pensou nessa situação? E se, de repente, ele fosse apenas o filho da empregada (aquele que estuda junto com seu filho) e estivesse vindo dormir em seu apartamento hoje? Tudo bem? Você pediria pra sua filha trancar a porta do quarto?

Legal o jogo, não? Agora, mudemos de ares. Suponhamos que você está num restaurante caro, jantando com sua esposa e um casal de amigos, daí, de repente, essa mesma empregada doméstica chega. Veja, ela está aniversariando. Nada mais justo que seus filhos e seu marido saiam pra comemorar, não? E, claro, um dos filhos dela fez faculdade, conseguiu um bom emprego, então resolveu dar esse presente pra mãe e, por extensão, pro resto da família. Só que o garçom os levou até a mesa ao lado da sua. O que você faria? Cumprimentaria a empregada ou a ignoraria? Dar-lhe-ia os parabéns e apertaria a mão de cada um de seus familiares? Apresentaria seus amigos a eles? Convidaria todo mundo pra sentar junto e comemorar essa tão especial data? Ou pediria ao garçom pra trocar de mesa?

Aumentando o grau de dificuldade: você sai em viagem de negócios, entra no avião, senta-se. De repente, vê entrar a malfadada empregada doméstica. Claro, você não sabe dos assuntos de casa, então te explico: empregadas domésticas também têm direito a férias. Daí que ela, que está de férias (sua mulher não te contou?), justo hoje resolveu ir visitar a parentada que mora lá num desses Estados lá de cima, tipo Pernambuco, Alagoas... sei lá, um desses aí. E não é que ela e o marido se sentam a seu lado? E, claro, com os filhos nos assentos da frente. Não é uma cena maravilhosa? Calma, respire! Você vai descer no Rio, eles continuam. Vai passar rapidinho, você vai ver. Menos mal, o marido dela se sentou a seu lado. E aí? Vai falar de futebol? Você é são-paulino; ele, corintiano. Dá assunto ou não dá? Sugestão: que tal falar de política?

Tá gostando? Eu tô. Só que a parada é a seguinte: a cada etapa, o grau de dificuldade vai aumentando, que é pra você testar seus limites. A situação agora é outra: lembra aquela noite em que você trombou com o rapaz negro? Aquele filho da empregada que ia dormir em seu apartamento... lembrou? Não queria te dizer, mas... lembra que você pediu pra sua filha trancar a porta do quarto? Então... ela não trancou. Daí, você sabe, a curiosidade às vezes fala mais alto que o bom senso. O rapaz era jeitoso, não era? Convenhamos, não seja hipócrita! O rapaz era bonito. Ou você não acha negro bonito? Não? Nem o Will Smith? Quê? Não vale porque ele é ator e norte-americano? É, só que esse aí, o amigo de seu filho, é brasileiro, filho da empregada, e se chama Maicon! A questão agora é que sua filha tá grávida. A pergunta que não quer calar é: ela casa ou aborta?

Peguei pesado, né? Você é católico e tal, paga o dízimo, contribui com instituições que cuidam de menores carentes... Enfim, você é um cara bacana, que trabalhou pra caramba pra conquistar tudo o que tem; não merecia isso. Inclusive, paga certinho a empregada, nem chiou (muito) quando precisou aumentar o salário dela... Então, façamos assim: apaguemos o parágrafo anterior, beleza? Vai que você tem um piripaque, e eu não quero ser responsabilizado. A situação agora é outra: naquela fatídica noite, sua filha, sim, trancou a porta. O problema foi que o Júnior (seu filho) passou a noite experimentando umas paradinhas aí com o Maicon... e gostou. Agora ele tá viciado, vai mal na escola, não quer mais nada com a vida. Deu até pra praticar uns furtos. E agora? Não, pô, o Júnior disse que a culpa não foi do Maicon, que nem queria. Seu filho que insistiu. E aí, você acredita?

Acredita ou não acredita? A culpa é do Júnior? Ou você vai chamar a polícia pra prender o "traficante" Maicon? Mas, tudo bem, esqueçamos também esse parágrafo. Vamos pegar mais leve. Suponhamos que é domingo, a família está unida pra comer a tradicional macarronada, vieram até o nonno e a nonna, sua filha trouxe um namorado de sobrenome cheio de consoantes que tá fazendo pós na USP... O dia promete! Vocês pediram até pra empregada fazer o almoço. Hora extra, claro. De repente, o porteiro avisa que chegou visita. É o Maicon. Nem a mãe dele sabia! Foi o Júnior que convidou. Fazer o quê? Amigo de escola, né? E eis que, de repente, não mais que de repente, não é que seu filho te pega de espaguete na boca e, à queima-roupa, tasca que ele e o Maicon estão namorando? Xi, a empregada desmaiou! E aí, meu velho? Seu coração aguenta?

Pra finalizar nosso joguinho: não, você não ganha ou perde pontos de acordo com a resposta. A brincadeira serve só pra testar sua atitude ante cada situação, o que te ajuda a, na dúvida, escolher seu candidato. Afinal, não sejamos ingênuos: seu comportamento ante cada pergunta é o reflexo de seu voto.



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