quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Crônicas Desclassificadas: 155) Tempos de secas e molhados

Johnny de Franco/
Estadão Conteúdo
Vivemos em São Paulo famigerados templos, digo, tempos. A seca e as enchentes quase que diariamente saem no tapa pra ver quem é que leva o troféu de vilão do mês. Nessa guerra santa, diga-se, a seca já sai em vantagem, pois tem ganho de lavada (ops!) nos últimos 12 (ou serão 13?) meses. Chega a ser tragicômico ver o bravo trabalhador paulistano voltar pra casa, após um árduo (e árido) dia de produção de suor e, depois de cerca de uma hora e pico em trânsito (embora imóvel) na condição de sardinha enlatada, sair pra rua em direção ao aconchego do lar e tomar aquela chuvarada que, embora lhe encharque o esqueleto, consegue apenas deixá-lo com essa paradoxal sensação de um ser com sede, apesar de molhado. Dá até pra parafrasear o nome daquela antiga banda e dizer que hoje vivemos os tempos de "secas e molhados".

A problemática anda tão sem solucionática, que até os apagões já começaram a iluminar às avessas nossa sujimundidade. Agora, além de sujos e malpagos, ainda perigamos ficar tateando às cegas no celular, último reduto wifiístico (claro, a depender da boa vontade da inoperadora) em tempos blecautosos. Toda cautela é porca! Afinal, já foi do tempo em que esse papo de luz de velas era considerado romântico. Hoje, longe do facebook não há vida ininteligente. Todos nós já estamos pra lá de acostumados a sua salomônica sapiência, a esse mar de citações (in)críveis, a esse criativo paliativo na falta de um bom (?) livro de autoajuda, esse BBB portátil que nos acompanha e nos promove em todos os lugares aonde (não) vamos e até onde a onda alcance. 

Um exemplo de caos: ontem, os ares-condicionados de meu trabalho resolveram entrar em greve, pra acabar de phoder. Um técnico esteve em nossa sala pra tentar detectar o problema e saná-lo. Detectou-o; já sanar ficou pra depois. O que sucedeu, segundo as palavras de nosso herói, foi que uma pecinha chamada capacitor não estava rejeitando o calor. Ou seja, em minhas palavras, trata-se de um descapacitado (o capacitor, não o técnico) com problemas emocionais, como o de rejeição. Prefere não rejeitar o calor enquanto nos sujeita a temperaturas semissaáridas. Contudo, ainda segundo o supertécnico, a compra de nova peça foi pedida e, assim que esta chegue, ele virá em pessoa (sem a capa esvoaçante, que falta em sua indumentária) efetuar a demissão por justa causa do atual (des)capacitor e sua pronta substituição.

A previsão do profissional é que tal se dê já hoje à tarde (lembrando que esse hoje pode ser ontem ou anteontem, a depender da data da postagem, digo, publicação desta crônica com problemas crônicos, suja e sem vergonha de expor suas... vergonhas). Enquanto isso, teremos ainda que (de, eu sei) fazer vista grossa – e fechar os poros – a esse ar que anda bastante condicionado e a esse capacitor carente de terapia que, pra nossa alegria, está em vias de ser "finalizado". Ou não. E, por falar nisso, já estou até pensando em um método bastante interessante de dar minha contribuição à economia de água: começar a andar com um baldinho a tiracolo pra reaproveitar a água das precipitações atmosféricas do corpo. Quem sabe, após um básico processo de dessalinização, a água dos poros possa vir a servir a outros polos (perdoem o infame trocadalho).

Afinal, convenhamos, já é hora de descruzarmos os braços (sem os levantarmos muito, senão ninguém aguenta o cecê). A sabedoria popular ensina que quem fica na janela esperando pra ver o tempo passar acaba perdendo tempo, pois o tempo nunca passa quando o esperamos passar (nem a banda). Agora, experimente sair da janela. Um descuido e, quando reparamos, o tempo já passou na janela... e só Carolina não viu. É hora de seguirmos os conselhos dos mais sábios. José Simão, por exemplo, nos dá uma sugestão valiosa: "Você toma banho na máquina de lavar com as roupas e ainda aproveita a água pra fazer o arroz." Claro, é brincadeira, melhor é darmos ouvidos a um cronista mais sério, como Carlos Heitor Cony, que nos diz pra ficarmos tranquilos, visto que temos "o caudaloso Tietê para emergências".

É, meus amigos, já que nosso caráter de animais passivos nos impede de ser impositivos, que ao menos sejamos positivos. Já dizia um velho deitado: o outro velho, o barbudão que olha por nós lá de cima (no ar-condicionado celeste) – estamos carecas (e em cacarecos) de saber –, só nos dá a provação que podemos suportar. Assim sendo, se o ano recém-nascido desabou em nossa cabeça como uma bigorna, fê-lo simplesmente porque sabia que nossa cabeça dura iria recebê-lo como a um chapéu (ou boné dos Racionais). Pra tudo há uma saída. Como numa piada que ouvi (ou terei lido?) dia desses: um pai perde a calma ao ver o filho, aos prantos, pedindo água e lhe passa um pito: "Cala a boca, moleque, e toma logo essa Coca-Cola!" Quem diria que chegaríamos a esse dia? Se posso escolher, prefiro minha parcela de H2O em breja... e gelada, plis.

Como ouvi certa vez de um camarada culto e grosso, esse calorão todo só pode ser uma pessoa do "século" feminino. Ou pra citar ainda uma vez o velho monkey Simão, "A grande vantagem é que, se você for por inferno, já está acostumado. Nem percebe!" Sendo que aqui seria um estágio do qual ninguém é efetivado, um purgatório que nos leva direto (e sem escalas) às caldeiras do tinhoso. Mas deixemos de prosa, que tá me dando até uma suadeira. Tô me sentindo hoje um sujeito abensuado. Juro que tentei escrever uma crônica "fresquinha", mas com o neurônio solitário fazendo curso pra virar pipoca, só podia mesmo era sair o que saiu. Apenas a aproveitei pra economizar a água da descarga. Pensando bem, deixemos que os alckmistas da Sabesp se preocupem (e nos culpem... cuspam?). Quer saber? Melhor botar uma pá de caos sobre o assunto!


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PS: Pra terminar de uma forma culta e chique, e levando em consideração os recentes suicídios arborosos das últimas enchentes, roubo uma famosa frase que um amigo de um amigo proferiu e vos digo: "As árvores somos nozes!"

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8 comentários:

  1. Hahahahaha! Ótimo texto, Léo! :D
    A gente aqui no Rio nem está muito diferente de vocês... E continuamos abusando da bendita água...
    Beijos!

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    1. É, Danny. Os Estados brasileiros têm o costume de importar dos governos vizinhos seus defeitos. rsrs

      Beijos,
      Léo.

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  2. Ah... Se "léos nogueiras" fossem regra e não exceção...

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    1. Ricardim, pelo menos nós, os da exceção, estamos em boa companhia.

      Abraços,
      Léo.

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  3. Respostas
    1. Hahaha! Mas, Cava, sejamos otimistas: está tudo sob controle. Temos ainda a Billings e o Tietê. rs

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  4. Muito bom! O mais irônico é que rios e bacias do Brasil formam uma das maiores redes fluviais do mundo. Falta investimento. Talvez o setor privado esteja de olho nesta mina de ouro. Abraços parceiro.

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    1. Pedrão, falou e disse!

      E olha que ainda não tinha pensado sob esse prisma de privatização. Cantou a bola, hem? Vamos ver, quando acabar o verão, que bicho vai dar.

      Dessa, você tá livre. rs

      Abração,
      Léo.

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