quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Canções que Amo: 3) Dany López; Élio Camalle; e Gabriel de Almeida Prado + Daniel Ramos

1) COBRA
A Língua e a Alma (2015)
Gosto muito das canções de Gabriel de Almeida Prado, inclusive gosto de suas inusitadas letras, sempre recheadas de metáforas, algumas até pra lá de viajandonas, daquelas que só pululam nas mentes mais sonhadoras e férteis. Não à toa ele admitiu, em outra canção (No Bolso, parceria com Élio Camalle), que é assim "de tanto levar pancadas de sonhos na cabeça". Quem dera os jovens se acostumassem mais a levar tais pancadas no cocuruto. Mas Gabriel é também um exímio melodista, sobretudo quando musica letras alheias. Nesses casos, tem a capacidade de, por meio da melodia, fazer que a letra do parceiro pareça ser sua.

Foi o caso desta, que Daniel Ramos lhe enviou e da qual Gabriel conseguiu "se apossar". Claro, acabou precisando dar um ou outro retoque pra que se ajustasse à melodia, mas o  que importa é que o resultado final ficou surpreendente. E, conhecendo-o como conheço, não tenho como não me emocionar ao ouvi-la; confesso que mais de uma vez fui levado às lágrimas. Reconheço-me também muito nela. Acho até que a universalidade de uma canção consiste nessa capacidade de fazer que o ouvinte se sinta de algum modo personagem dela. Afinal, quem nunca se sentiu cobrado acima de suas forças? E, canção à parte, a ambiguidade do título é um achado. É minha preferida de seu primeiro disco, em vias de ser lançado. Ouçamo-la:

COBRA
Gabriel de Almeida PradoDaniel Ramos

Como o mar que exige guelras
De quem não sabe nadar
Ou o céu que cobra asas
De quem não sabe voar

Por que o sol quer minha lua?
Sou apenas o poeta
O compasso cobra a curva
De quem anda em linha reta

As estrelas querem brilho
Dos que têm olhar opaco
E o pai quer que seu filho
Caia no mesmo buraco

Até o homem cobra Deus
Por não se mostrar presente
Coração cobra da mente
Terra cobra da semente

Tudo cobra
Respirar é combustível, mas é dose de veneno
Peito cobra
Cada vez que bate, é uma batida a menos


***

2) LIBÉLULA
Acuario (2008)
Eu acredito piamente que canções (filmes, livros etc.) têm o poder de mudar vidas. Já li sobre casos em que um suicida em potencial desistiu de ir às vias de fato após ouvir uma canção. Canções podem, inclusive, gerar vidas. O irmão de Toquinho, João Carlos Pecci, se não me engano na biografia de Vinicius que escreveu (Vinicius sem ponto final), declarou que não queria ter filhos, mas, após ouvir a canção O Filho que Eu Quero Ter (ToquinhoVinicius), sensibilizado mudou de ideia. E canções podem também unir pessoas. Eu posso dar vários depoimentos sobre o assunto, e na condição de protagonista inclusive. Em meu caso, a música me deu até uma esposa!

Mas o exemplo da vez é outro: em certa ocasião, estando eu no myspace fuçando sobre cantoras uruguaias, na página de uma delas quase sem querer acabei clicando numa foto que me levou à pagina de um tal de Dany López, também uruguaio. Continuando meu passeio meio sem querer querendo, pus pra tocar a primeira música que o muchacho havia disponibilizado... e quase caio pra trás! Na hora, fui tomado por uma emoção tão intensa, que continua se repetindo até hoje cada vez que ouço essa canção, que, sem exagero, considero uma obra-prima, uma das coisas mais tocantes que já ouvi na vida. 

E fui tão arrebatado por ela, que, contrariando minha (falsa) timidez, entrei mesmo em contato com o moço, de quem acabei ficando amigo – e parceiro. Futuramente, encontrar-nos-íamos diversas vezes, fosse em Montevidéu, fosse em São Paulo. E, pra vocês não acharem que estou de papo furado, Kana, que tem um ouvido musical bem mais apurado que o meu, também amou a canção, chegando mesmo a gravá-la, numa versão em japonês composta por ela. Na verdade, em princípio ela iria gravar uma versão em português minha. Iria, não; gravou (ouça-a aqui). Aliás, gravou ambas versões, só que acabou optando por incluir em seu disco Em Obras a versão dela, obviamente, pra desconsolo meu. Mas tudo bem, o mais importante é que essa preciosidade venha a ser cada vez mais e mais gravada, seja em japonês, português, russo, ou no original espanhol. A propósito, ouçamos a versão do autor:


LIBÉLULA

Libélula  buscando el sol
Bichito de soledad
Bicho de mar

Libélula bordeando el río
Antídoto a mi soledad
Tus alas sobre la arena

Que corta que es la vida
Ya llega el otoño
Como si fuera un día nomás
Para un pedazo de tierra

Tus alas son de tornasol
Verde robado del mar
Luz de un lugar
Donde las musas toman sol
Y el frío es una postal
Una quimera

***

3) UIBAÍ
Antes e Depois do
Fim do Mundo
(2002)
Cidadezinha localizada no noroeste da Bahia, mais exatamente a 536 quilômetros de Salvador, Uibaí tem pouco mais de 13 mil habitantes. Foi de lá que, há algumas décadas, partiu rumo a São Paulo um jovem casal que aqui tentaria a sorte e educaria seus filhos. Um deles, Élio Camalle, tornar-se-ia músico, cantor, compositor, ator... e lutador, no único sentido justificável da palavra. Esse mesmo Élio com quem eu travaria relações anos depois e que me daria uma fitinha repleta de canções suas, todas inéditas. Até então, ele não havia lançado seu primeiro CD, Mágicas. Pois bem, gostei de várias canções dessa fita, mas uma especificamente tinha o hábito de me levar às lágrimas (já repararam que sou chegado num chororô, né?). Seu nome era Antes de Amar, e ficou de fora do supracitado Mágicas, quando este veio à luz.

Da mesma forma, ficou de fora também do segundo trabalho do artista, Cria, que tinha uma roupagem mais pop dentro da qual ela, obviamente, iria se sentir desconfortável. E eis que estava por nascer seu terceiro disco, Antes e Depois do Fim do Mundo, quando eu (que, após conhecer seus pais, passei a gostar mais ainda da canção), por meio de forte e contumaz argumentação, praticamente o obriguei a gravá-la. Camalle não foi insensível a meu clamor e, após dar um apigreide na letra e lhe alterar o nome, fez que meu desejo fosse realizado e outros felizardos ouvintes pudessem ter acesso a essa pérola. Tenho orgulho de ser, em parte, responsável por essa gravação, principalmente hoje, quando os pais de Camalle já foram morar em outra dimensão. Ah, em tempo: outro camarada que adora essa canção é ninguém menos que Oswaldinho do Acordeon. A ela, pois:


UIBAÍ
Hoje eu tô tão triste
Eu quero voltar e ficar
No bico da cegonha
Na casca do ovo
No ventre da mãe
Eu quero me abrigar
Eu quero ir sem briga

Hoje eu tô tão triste
Eu queria ser
Um troço abjeto
Um tipo sem noção
Pra não ter nada a ver
Com essa emoção
Com esse sentimento

Ah, mulher sem paz
Que sempre foi tão triste
Que sofreu na pele o que sinto hoje
O que pra mim existe
E nunca quis voltar
Viveu pra me alertar

"Homem, não se iluda!
Eu vim pra lhe avisar:
O amor primeiro é chuva,
Depois é um rio
E no final é mar
Saiba navegar
Antes de amar"

Ah, eu vou ser valente
Vou plantar semente
Ver a flor brotar
Agora deu coragem
Medo é miragem
De quem quer chegar


***


2 comentários:

  1. Olá Léo!
    Olha eu aqui, mais uma vez!
    Também acho. As canções (livros, filmes,etc) tem o poder de mudar vidas, gerar vidas, unir pessoas e mudar ideias. E principalmente inspirar ideias.
    Essas três canções aí, são lindas e com tanta delicadeza nos levam para dentro.
    E bem no fundo.
    Elas me inspiraram assim:

    Bela da asa lenta
    Calma azul e violeta
    Sozinha, o vento acalenta
    E burla a tristeza secreta

    Aprendeu a flutuar com o mundo
    Nessa mecânica e nociva simbiose
    Muda de ideia num segundo
    Para fugir dos ardis da neurose

    Quer voar para além da mureta
    De rastejar já entrou em overdose
    Sem peso, psicose ou mutreta
    Hoje aprecia a flor na mínima dose

    Pra você
    Beijo e sucesso!

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    Respostas
    1. Lindo, queridona!

      Coisa boa inspira coisa boa. Valeu pela presença e pelo poema!

      Beijos,
      Léo.

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