segunda-feira, 27 de junho de 2016

Grafite na Agulha: 37) Ainda são tempos de canção

O orgulhoso (e ainda pior quando é invejoso) tem o mau hábito (alguns, também o mau hálito) de achar que o mundo gira em torno de seu umbigo. Não digo que seja meu caso, até porque pra bom entendedor... Melhor não me estender mais, pois o sujeito, quando não tem razão, quanto mais explica mais se complica. Façamos assim: tentemos ir por caminhos mais amenos (mais ou menos), como os cronológicos (não confundir com cronópios). Farei o que gosto, contar uma historinha. Esta: lá nos primórdios, quando passei a frequentar o Clube Caiubi (ainda em seu primeiro QG, na rua Caiubi, 420, no paulistano bairro que atende pelo nome de Perdizes), reencontrei o mano Álvaro Cueva, velho companheiro de Samba da Bênção (a história é antiga, se quiser saber maiores detalhes, segue o link), e... Bem, vamos a um parágrafo novo, que este já anda um tanto capenga...

Álvaro estava feliz da vida, dono da alegria e da ansiedade próprias de quem antegoza o júbilo da paternidade. No caso, paternidade musical: seu primeiro CD solo estava em vias de vir à luz. Quando, algum tempo depois, nasceu enfim o já clássico (ao menos no submundo da música sem jabá) Canabi Emotiva, tive a cara de pau de trocar com ele um seu por um de Kana. Assim, nos meses seguintes, entreguei-me à prazerosa atividade de ouvir, reouvir e treouvir esse bombástico pacote com a última (e única) cueviana bolacha, pacote esse dentro do qual residem várias das mais belas canções que já ouvi na vida, que, a título de informação, cito: Kátia e Paulo, a canção-título, Serenata para a Moça do 1301, Bosconeana, Segunda Cena, Choro da Viagem sem Rumo... Peraí, assim vou citar o disco todo! Quer saber? Ouça aqui e tire suas próprias conclusões!

Estreitamos laços, viramos amigos e, obviamente, parceiros; chegamos mesmo a ser companheiros de banda quando, de tanto que nos encontrávamos e compúnhamos (juntamente com seu mano Alê CuevaKana e Marcio Policastro), resolvemos fundar o 4+1, responsável por alguns dos momentos mais memoráveis de minha (e acredito que nossa) trajetória musical, como, por exemplo, um inesquecível show no Centro Cultural São Paulo (mais especificamente, na Sala Adoniran Barbosa), com casa cheia e participação do saudoso Zé Rodrix. Infelizmente, como nosso papo era mais a brincadeira de compor que a seriedade dos shows no formato banda (visto que todos mantinham, paralelamente, carreiras individuais), o 4+1 preferiu ser uma brilhante (mas efêmera) estrela cadente, pra não virar decadente.


A banda morreu sem deixar disco, mas deixando – graças a Deus – muitos vestígios. A saudade permanece, a amizade continuou, as parcerias idem, e eis que mano Cueva entrou numas de gravar mais um CD coletivo (nos antanhos de 1989, já havia gravado o "cabeçudo" Rés Derelictae), dessa feita com seu violonista "braço direito", professor, arranjador e pau pra toda obra Leonardo Costa e (mais uma vez, e sempre) seu mano Alê Cueva. E, como todos estavam de acordo, batizaram a trupe de Todos Acordes (com direito a trocadilho). Reza a lenda que nesse disco haveria uma ou outra parceria comigo. Não sei se exatamente por isso o projeto mais uma vez não vingou. Como dizia um velho sucesso radiofônico, "ficaram as canções, mas você (no caso, o Todos Acordes) não ficou". Não sei que fim levou o projeto de disco. Oxalá, nos comentários abaixo, alguém solucione o mistério...


A idade chega pra todos; assim, mano Cueva, apesar dos velhos olhos azuis (ou serão verdes?), viu os outrora alourados cabelos embranquecendo (e escasseando), a família crescendo (por enquanto, a conta vai em três filhos... mais a esposa, claro, dona dos outros 50% de responsabilidade), e resolveu que não tinha mais idade nem saúde pra brincar de banda (nem roqueiro era!). Já lhe tomava muito tempo outra brincadeira: a do teatro, com seus musicais, as canções compostas pra tal fim e, de quebra, a canastrice dos bissextos voos em que, amparado no autor, fazia-se de ator (e nem ruborizava!). Assim, inventou de divulgar aos quatro ventos que começava o projeto de um novo CD solo. Não é querendo agora me fazer de vidente, mas foi aí que meus primeiros temores (e tremores) despontaram.


E dessa vez não era lorota! Não é que o muchacho, tranquilo e calvo, resolveu ir em frente com a história? Vez em quando, em nossos cada vez mais espaçados encontros, ele ia me pondo a par de como seguia o andar da carruagem. Disse-me mesmo que tinha convidado uma trupe de responsa pra dividir os arranjos: Fábio Cadore, Leonardo Costa, Mário MangaSwami Jr., além do mano Alê, que deu pitacos, mas não quis créditos. Enfim, só fera! E nada de tocar no assunto principal... Dei-lhe um tempo. Outros encontros, outras novidades... e necas! Daí, a dúvida já tava virando quase certeza. Eu, já traumatizado com a ausência de minha escalação em outros CDs homéricos de parceiros idem (tais como Tudo, de Tavito; Inefável, de Fernando Cavallieri; uns três ou quatro de Élio Camalle; entre outros), já pressentia que eu mais uma vez não ia sair do banco...


Mas a esperança é a última que morde. O compositor acostumado a ser gravado sabe que cedo ou tarde fulano ou beltrana vai entrar em contato pra pedir a famosa autorização de inclusão de sua obra no CD tal. Vai que..., né? E eis que hoje, este famigerado 26 de junho de 2016 (que é quando escrevo) entra pros anais (não os meus...) da História (com agá maiúsculo) da "feniciana" (inventei agora: de fênix, não de Feliciano) MPB, quando leio com amargor nos olhos (e mel no coração) que acaba de aportar nas plataformas digitais Tempos de Canção, novo disco... dele. E, naturalmente (não disse?, não disse?), sem minha escalação (gato escaldado...). Claro que fui lá ouvir, torcendo pra que fosse ruim... vã dor de cotovelo... Se o primeiro já era uma porrada... E agora mesmo, enquanto escrevo, ouço pela segunda vez, pra ver se passa por meu crivo algo que me haveria escapado na audição primeva.


Não, caro leitor, o... o... o filho de uma mãe boa se superou! Só petardo! Um atrás do outro! A elegância e o requinte nos arranjos – e na medida exata; o alto nível dos músicos e dos artistas convidados; o canto firme e sensível (mesmo nas notas mais improváveis) do moçoilo, regalo da experiência, dos excessos e da cerveja sem álcool – um veneno!; a boa companhia nas parcerias; as ousadas letras, ora refinadas, ora afiadas, flertando até com o escatológico; resumindo: um luxo! E leia você que nem esperei o dia seguinte, vim aqui escrever de prima, repleto de deslumbre e despeito, pra não ter que requentar amanhã nem um nem outro. Contudo, egos (brincadeiras e trocentos imperdoáveis parênteses) à parte, se não cura ao menos ameniza a dor saber que a obra de mano (humpft!) Cueva é tão maiúscula, que ele ainda se deu o privilégio de deixar de fora (além das nossas), canções lindas feitas em parceria com feras como Adolar MarinFernando CavallieriKana, Kleber Albuquerque, Luhli, entre outros, e sem falar em mais umas três ou quatro pérolas com Marcio Policastro... Mas este não tem do que reclamar. Pensando bem, nem eu.


PS: Eu não ia ficar satisfeito se não achasse um defeito. Achei-o! O cara continua vaca holandesa; depois de batizar seu maior clássico com o destrambelhado nome de Bosconeana, lá vem ele de novo chutar o balde e chamar a recém-nascida obra-prima de... Tempos de Canção! Bem-feito! Quem mandou não me consultar? Agora fique você (e fico eu) com...



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Tempos de Canção – Álvaro Cueva (2016 – independente)

1. Água Nova
    (Álvaro Cueva)
2. Fordúncio
3. Braço de Mar
    (Álvaro Cueva)
4. Fogo na Lona  
5. Tuca
6. Rap Repente
    (Álvaro Cueva)
7. Toda em Si
    (Augusto TeixeiraMarina Tavares – Álvaro Cueva)
8. Ato Falho
    (Álvaro Cueva)
9. Sombra Tonta – participação de Affonso Moraes
    (Affonso Moraes – Álvaro Cueva)
10. Burorock – Álvaro Cueva, Ana Deriggi e Paula Mirhan
    (Álvaro Cueva)
11. Malatesta
    (Zé Rodrix – Álvaro Cueva)
12. O Natal Perdido
    (Alexandre Cueva – Álvaro Cueva)
13. Amor de se Emaranhar
    (Almir Teixeira – Marcio Policastro – Álvaro Cueva)
14. Daga Daga
    (Alexandre Cueva – Marcelo Lazzaratto – Álvaro Cueva)


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Ouça o CD na íntegra:




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8 comentários:

  1. Hermano amado, sabe que se juntarmos nossas parcerias e tramarmos com elas um disco, seria um discão da gota, não? Tem uma engenharia confusa na cabeça do autor que se mete a fazer disco. Neste caso, eu precisava de uma canção para cada mês do ano, o que de cara jogou prá escanteio 90 % de minhas composições, solo ou em parcerias várias. Agó, do meu novo futuro provável projeto, você não me escapa, até porquê, tem o nome de 'TILS'. Se ligou? Menopausa Masculina, tiozinhos etc?... Gratidão é pouco, mano. Jorram emoções ao ler minha própria história em suas palavras. Putabraço!

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    1. Mano Cueva:

      Todo compositor quer ser gravado, e isso é fato que dá anos de terapia (rsrs). Fora isso, claro que entendo os processos de escolha de repertório, até porque participo de muitos deles com a patroa aqui em casa. Tirante esse detalhe, tudo o mais é alegria com o nascimento dessa joia que vou ter muito orgulho de divulgar por aí e dizer que é da minha tchurma. Nos últimos anos, nossa galera tem arrebentado! Parabenzaço e sucesso, mano!

      Abração,
      Léo.

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  2. Leo só pra começar HOJE acabo de gravar uma música sua kkkk então entre tantas coincidências começando pelo nome digo que, além admiriar e concordar com tudo o que disse (agora já contaminado metalinguisticamusicalmente pelo seu jeito de escrever kkkk) eu já não sei mais o que ia dizer! Que realmente concordo com vc. Quanto ao Todos Acordes nós ficamos mais conhecidos justamente pela dua parceria "Balada do amor cliche" e na verdade o Todos Acordes assim como o Baiao de 4 + 1 somos esses nós que se metamorfoseam em outras possibilidades como por exemplo gravando hoje você por intermédio justamente do Tempos de Canção! Obrigado mano!!!

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    1. Aê, Leozinho (lembra? rs)!

      É isso aí. Uma coisa desemboca em outra, e isso é o que é bonito na arte. Imagino que você esteja se referindo ao disco do Augusto, né? Show! Sorte aí nesse e em outros projetos! Tamo junto! Inclusive, nas parcerias!

      Abração, mano,
      Léo.

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