terça-feira, 28 de novembro de 2017

De Sampa a Tóquio: 3) Japonices (1)


O fim de semana passou depressa. Principalmente se levarmos em consideração o fato de o Japão estar 11 horas à frente do horário de Brasília. Domingo, 26/11, Kana me levou a Akihabara, que, pesquisando, descobri que ganhou há muito tempo o apelido de Denki Gai, ou seja, bairro dos eletrônicos. É um verdadeiro parque de diversões pros aficionados. Também é uma espécie de centro cultural dos otakus — termo no Japão usado pra designar os fãs de animes e mangás. No entanto, o adjetivo ganhou grandes proporções e hoje designa todos aqueles caras meio nerds que gostam de qualquer coisa em excesso. Há, inclusive, bares só pra otakus, em que as garçonetes usam roupas provocativas e tratam os clientes como se fossem suas criadas. Otakus à parte, no fim do dia saí de lá feliz da vida, com um celular novo, que Kana me deu de presente de aniversário antecipado (amigos, estou de volta ao século 21!).

Segunda, 27, foi a vez de visitar a subprefeitura e cadastrar meus documentos e endereço. Por falar em endereço, estou morando temporariamente com meus sogros, acho que já disse. Pra ser bem sincero, eles estão me tratando tão bem que começo a ficar com medo de não poder pagar o preço de tanta amabilidade. Sempre me dei bem com eles, mas eles sempre moraram longe; agora, vivendo sob o mesmo teto deles, sinto-me deslocado, meio como um intruso. Tento agir à altura dessa gentileza toda, mas não me parece suficiente. Com minha sogra, consigo até travar conversas mais simples, mas meu sogro, embora me trate bem, não tem muita paciência pra papinhos com vocabulário de menos de cem palavras e já me deu certo gelo ao perceber que depois de todos esses anos meu japonês ainda está pra lá de capenga.



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Por causa das limitações e da superpopulação (Tóquio, por exemplo, é considerado o metro quadrado mais populoso do mundo), o Japão é muito severo em relação ao desperdício. Aqui no prédio onde estou morando, pra vocês terem uma ideia, a separação do lixo é minuciosa. Já desci algumas vezes pra ajudar a levar o lixo e vi que o quarto reservado pra ele é bem-organizado, com espaço pra latas, garrafas, plástico, jornais e revistas, papelão, não recicláveis etc. E todos obedecem piamente às normas do condomínio; não é como em certos lugares, se é que me entendem. Algumas sacolas, levamos abertas e lá fazemos a separação item por item. Reparem: o rótulo e a tampa de uma garrafa de plástico, temos que separar, pois pertencem a grupos diferentes de lixo. Não é por acaso que as ruas são de uma limpeza de dar vergonha em terceiro-mundista. Lembram-se dos japoneses limpando os estádios na Copa? A conta é 1 + 1 = 2. Semplice!


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止 = pare
おしり = nádegas

ビデ = bidê
E, se com o lixo é assim, com a água não podia ser diferente. Aqui, o banho é a gás, e já me ensinaram a deixar um baldinho embaixo do chuveiro pra não desperdiçar a água que não utilizo enquanto não esquenta. Da mesma forma, o vaso sanitário tem uma torneira que repõe a água do reservatório após a descarga. E por que a torneira? Porque podemos aproveitar e lavar as mãos com ela enquanto o enche novamente (ver foto à esquerda). Outro detalhe interessante é que um sistema eletrônico ativa tanto o bidê quanto uma espécie de... como direi? ... lava-bunda (com o perdão do neopalavrão), que, por sua vez, economiza o papel higiênico no caso do número 2 (ver foto à direita). Sem falar que causa um prazer quase sexual. Vejam a foto ao lado; não precisa saber japonês pra entender, né?


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Já os carros são todos novos e tão limpos que lembram aquele antigo sucesso da Jovem Guarda que dizia "Meu carro é vermelho/ não uso espelho pra me pentear". Não tenho certeza se já comentei em texto anterior, então, na dúvida, repito: o cemitério de automóveis aqui tem carros que deixariam muito brasileiro babando de inveja. É que quando o veículo completa dez anos de uso precisa passar por vistoria regular, e, como o japonês já tem o hábito de gostar de coisa nova, prefere se desfazer de seu possante e comprar um novo mais possante. E também porque vai ter dificuldade pra achar quem queira comprar o "velho". Agora, ainda falando em carro, o que é perigoso aqui pra pedestre desavisado são as ruas estreitas e as calçadas que não passam de uma pintura no asfalto (vejam foto ao lado). Assim, tanto o motorista tem que ser bom quanto o pedestre precisa estar atento. Se essa moda pega no Brasil, do jeito que os Sennas são brações e os transeuntes folgados, não haverá multa que evite uns atropelamentozinhos...


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Por falar em limpeza, há aqui no apartamento dos sogros um utensílio que diz muito sobre o Japão, tanto em higiene quanto em tecnologia — até nas coisas mais simples (pode ser que exista no Brasil, mas nunca vi). Difícil é descrevê-lo. Deixem-me pensar... Hmmm... Como direi? O danado não é nem vassoura, nem aspirador, e, embora pareça uma brocha, não é de pintar (ver foto autoexplicativa ao lado). Acho mais fácil tentar dizer como se usa. Boralá: você o manuseia como se fosse pintar, mas o chão; também podemos dizer que o manuseia como se fosse varrer, SQN. À medida que o esfregamos no piso, sua película adesiva vai colando em si própria a sujeira. Após o término do trabalho, puxamos a camada, destacamo-la, jogamos a sujeira grudada no lixo e, voilà, a camada seguinte está limpa e pronta pra novo uso. Creu?


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Pra terminar, outra coisa das mais interessantes: nós, brasileiros, quando compramos qualquer coisa, seja um tablete de chocolate, um pacote de café ou sabão em pó, uma lata de atum etc., estamos acostumados a sofrer pra abri-los, não é verdade? Um ou outro produto já chegou ao século 21, como o pacote de bolacha, que tem aquela linguetinha que quando puxamos abre-cadabra, mas em geral tudo é de uma dificuldade atroz. E tanto que ficamos pensando em por que o fabricante não anexa a seu produto ao menos um manual pra evitar a suadeira do comprador. Aqui — pasmem! —, tudo o que compramos podemos abrir em no máximo cinco segundos. Puxamos uma abinha e, heureca!, está pronto pro consumo. Vejam este pacote de mentaiko (ova de peixe curtida em molho de pimenta) e reparem nas extremidades esquerda e direita superiores. Esses pequenos cortes triangulares nos mostram onde devemos puxar pra abrir o invólucro.

Léo Nogueira também é cultura! 

Até a próxima!


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2 comentários:

  1. Aii to amando muito suas aventuras! Como você sabe pretendo ir ainda ao Japão
    pra ver se encontro minha essência. E com seus relatos essa vontade só aumenta...

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    1. Oba! Venha, sim, Louisoca! Tenho certeza de que você vai adorar.

      Beijos,
      Léo.

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