sábado, 25 de novembro de 2017

De Sampa a Tóquio: 1) O mar não virará sertão graças às lágrimas

Na primeira vez que vim ao Japão, escrevi um diário. Não tinha um computador à mão ainda, então enchi quase dois cadernos — que não são os saramagueanos de Lanzarote, mas foram batizados por mim de Do Ceará ao Japão. Com o tempo, perderam-se, pra minha tristeza, pois meu HD-cachola, cheio até o talo, costuma expulsar sem minha autorização os arquivos/lembranças mais antigos. Por sorte, na (des)arrumação das vésperas da nova viagem, reencontrei-os, escondidos numa caixa, e pretendo digitalizá-los futuramente. Por ora, aproveito-me da tecnologia e do fato de ter hoje um computador (e um blogue) e começo novo diário, que não será diário — aviso já —, pois dependerá de vários fatores, mas pretendo que seja constante. Começo pelo último dia em Sampa.

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O 22/11 foi um dia intenso. Levei umas caixas pra casa de meus pais contando com a gentil carona da não menos gentil amiga Eliza, que presenciou este escriba comer o derradeiro arroz com feijão da mama; ser obrigado por esta a rezar 319 orações; na hora da despedida, sentir apertar o coração com as lágrimas fartas da mãe enquanto recebia seus abraço e conselhos; e receber um calado beijo paterno junto com um caloroso abraço. Da parte dele, não houve choro, mas até seu bigode, outrora ruivo e hoje grisalho, ruborizou-se. Confesso que me escaparam umas lágrimas também, que ocultei sob a proteção dos ó(s)culos. Sorte minha que Eliza me esperou, ou a despedida teria sido mais difícil. No caminho de regresso, ela, toda una filósofa, sentenciou: "Mãe é tudo igual, só muda o endereço."

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À noite, fomos jantar no tradicional e charmoso Rancho Nordestino (que fica no bairro do Bixiga) com os amigos (e novos inquilinos) Karina e Danilo e com a amiga corretora Lúcia. Esta havia sido quem nos apresentara a nossa casa lá se vão alguns anos, por isso a escolhemos pra administrar nosso imóvel (que também conta com uma garagem, alugada pr'um comércio). Danilo já é velho conhecido de quem segue a trajetória de Kana, pois pertence ao Quarteto Saxofonando, que a costumava acompanhar em shows em casas que comportavam banda grande. No Rancho (fundo), situado a poucos minutos de casa, esbaldamo-nos com baião de dois, paçoca, cerveja e uma dose generosa de cachaça Germana, servida por um prestativo garçom, além do simpático Guaraná Jesus (que pra mim perdeu parte da simpatia ao ser adquirido pela Coca-Cola).

Na volta, passamos pelo 2Santo Bar, onde Kana se apresentara tantas vezes, pra nos despedirmos de seu dono, o incansável Amorim, e não é que encontramos o amigo violonista Bráu Mendonça, que lá se apresentava com seu grupo? Bráu, com lágrimas nos olhos, convidou Kana pra que seria sua derradeira apresentação em solo brasuca e a acompanhou numa improvisada, mas competente, versão de nossa canção Beijo. Depois, quase me moeu as tripas dentro de seu costumeiro (e dessa vez ainda mais forte) abraço apertado — pra que conste dos autos, na plateia estava o compositor Alexandre Tarica, responsável pelo recomendável Toca do Autor. Procure saber! Já no portão de casa, novas lágrimas, agora de Lúcia, que lamentava haver se aproximado mais de nós justo quando a deixávamos.

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Matando saudades do 4+1 
(Marcio Policastro, Kana
os irmãos Álvaro e Alê Cueva)
Um dos motoristas do Uber com quem havíamos tratado furou, a sorte foi que contamos com os prestativos Danilo e Karina e lá fomos em dois carros (e seis malas) rumo ao aeroporto de Guarulhos, onde nos despedimos deles e fomos brindados mais uma vez com lágrimas, agora de Karina. Aliás, as lágrimas deram o tom desses dias pré-viagem, devido às muitas despedidas, que começaram no sábado (18) num bota-fora dentro da noite autoral do Caiubi no Garagem Vinil. Nessa noite, até Sampa chorou, num dilúvio que deve ter entrado pra história da cidade — e que, de quebra, impediu que nos despedíssemos de vários amigos que se viram ilhados em suas casas.

amigos no Mecca's
(clique selfático de Selma Sarraf)
 
No dia seguinte (19), Kana fez um curry à japonesa no casarão de Sander Mecca & família, que nos acolheram e a vários amigos numa festa de arromba regada a karê (curry em japonês), muita música, e que contou ainda com o derradeiro churrasco. Eu, um bebum que conhece seus limites ("vezenquando"), pra não dar vexame nessa derradeira ocasião passei o dia mesclando breja com e sem álcool, mas ainda assim fui salvo aos 44 do segundo tempo por Kana, que sabe de mim quando eu já nada sei e impediu que eu permanecesse no recinto pra além de minhas forças; assim, abandonamos a festa no melhor dela. Na saída, lágrimas da mamãe Mecca, que, já nos considerando da família (a recíproca é verdadeira), lamentou a dor da separação.

Pachecos e agregados
Na segunda, 20, dia da Consciência Negra, muito conscientes de nós mesmos picamos a mula lá pras bandas do Capão Redondo, onde os pais de outra instrumentista que acompanha Kana, Bia Pacheco, receberam-nos com um banquete de dar inveja aos meros imortais — e que me deve ter feito ganhar, sem exagero, uns dois quilinhos, por baixo. A viagem de trem valeu a pena; pena mesmo foi deixá-los, não sem direito a uma palhinha de Kana com todos os músicos presentes e... o chororô da mãe de Bia (lembram, né?, todas as mães são iguais, só muda o endereço, já dizia Eliza... e a torcida do Corinthians, time, aliás, do generoso pai de Bia. Ninguém é perfeito, muito menos o prefeito).

baKanas & baleiros
Na terça, 21, foi a vez de nos despedirmos dos amigos Zeca Baleiro e Mara, num restaurante japa chamado Yuzu, um dos últimos moicanos no bairro da Liberdade (que foi tomado por chineses e coreanos) — aliás, duas décadas atrás Kana trabalhou de garçonete nesse restaurante, que então se chamava Gombe. A mesa foi farta e, na falta de cerveja sem álcool, o saquê também. Só não dei PT porque o tempo foi curto, pois ainda saímos dali pra tomar café justo numa cervejaria ao lado e eu não perdi a chance de, nesse novo estabelecimento, travar relações não duradouras com algumas cervejas artesanais. Os abraços foram apertados e trocamos muitas promessas de encontros intercontinentais. Dessa vez não houve lágrimas, mas já estavam embutidas nas notas/gotas.

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Este primeiro relato ficou mais longo que o esperado, portanto paro por aqui e deixo pra contar as primeiras impressões em solo nipônico em publicação posterior. Sayonara!

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2 comentários:

  1. Olá Leo, olá Kana, fiquem bem, obrigada pela crónica bem malandra e comovida. Não deixe nunca de escrever pois fá-lo muito bem, e eu estou sempre atenta e esperando.

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    1. Olá, Mi. Valeu! Fique tranquila. Mantê-los-ei a par dos acontecimentos mais relevantes.

      Abração,
      Léo.

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