sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Os manos e as minas: 39) Homenagem a Maradona... y otras cositas más


Pensei bastante antes de decidir se iria ou não escrever sobre o passamento de Maradona, visto que meu blogue anda num momento de hibernação — pois tenho me dedicado mais à literatura —, mas duas coisas me fizeram optar por vir aqui novamente compartilhar com vocês o que me bateu na cachola: 1) minha imensa admiração por este que foi um dos maiores gênios miseravelmente humanos que tivemos; e 2) uma espécie de acerto de contas com meu passado. Simbora então.


***

Começo pedindo perdão pela comparação, mas minha relação com o futebol hoje é mais ou menos como a que um ex-viciado tem com seu vício, ou seja, de distância, mas com direito a momentos de recaída. Não lembro exatamente em que momento esse divórcio se deu, mas, puxando pela memória, o começo do desamor apareceu em 1995, durante as quartas de final da Copa Libertadores da América. O Palmeiras — meu time —, que havia poucos tempo saíra de uma fila de 17 anos sem títulos graças à parceria com a Parmalat, tentava então sua primeira conquista nesse campeonato. Só que, no jogo de ida, tomou uma lavada do Grêmio — não coincidentemente o mais argentino dos times brasileiros —, 5 x 0, e precisava no jogo de volta pelo menos devolver o placar pra ir pra prorrogação e pênaltis. E, logo no começo, tomou um gol. Pra resumir, conseguiu a façanha de virar e ganhar a partida por 5 x 1, mas no final meu coração já estava tão destroçado que comecei a pensar que podia me dedicar a emoções menos radicais. E isso décadas antes de saber que o abjeto Bolsonaro é também palmeirense.

Já que estamos falando de passado, voltemos mais 13 anos. Pra mim, o futuro do futebol mundial mudou pra pior quando em 1982, durante a copa da Espanha, a Itália de Paolo Rossi teve a desfaçatez de mandar mais cedo pra casa a maravilhosa seleção de Telê Santana. Eu tinha pouco mais que uma década de vida, e esta foi a primeira Copa que acompanhei jogo a jogo. Sabia até — ainda sei — a escalação da seleção e, apesar de palmeirense, tinha como maior ídolo futebolístico o bom e velho Zico. Aliás, diga-se de passagem, o Brasil, um jogo antes, passara sem maiores problemas pela Argentina de Maradona — em sua primeira copa — por 3 x 1. Dois detalhes: 1) Zico, além de fazer um gol, foi o maestro soberano do jogo e ainda saiu mais cedo devido a uma entrada desleal de um argentino; 2) Maradona, desesperado, no final do jogo foi expulso após também entrar de sola num jogador brasileiro. Depois, a medíocre Itália chegou como se fosse um Stalin e o Brasil fosse Trotski. A esquerda e o futebol, respectivamente, perderam com essas duas derrotas. Paciência. Só mais um detalhe: Telê Santana podia ter mil defeitos, mas treinava como ninguém fundamentos. Todos os jogadores treinados por ele, por exemplo, chutavam com as duas pernas. Maradona, ao contrário, só tinha a esquerda. Não era culpa sua. Faltou um Telê em sua vida...

Por essas e outras, como não vi Pelé jogar — nem Garrincha —, posso dizer sem medo de ser feliz que o jogador que mais me deslumbrou foi Zico. Infelizmente, no futebol como nas artes em geral, o sucesso faz a grande diferença. Tivesse o Brasil ganho a Copa de 1982, certamente Zico teria tido um destaque maior dentro do futebol mundial. Da mesma forma, Edmundo, que — também por causa de seu temperamento — teve poucas oportunidades de disputar copas pela Seleção Brasileira; mas Edmundo foi/é meu maior ídolo do Palmeiras, já Zico foi/é meu Chico Buarque do futebol. E quando brinco aqui com futebol e arte o faço muito pensando em tantos outros gênios da canção que não puderam  "jogar suas copas". Espero ao menos que no caso deles, como música não é futebol, o futuro os convoque. A música brasileira soube reconhecer, ainda que tardiamente, talentos como Cartola, Nelson Cavaquinho, Clementina de Jesus e tantos outros... mas voltemos ao futebol.

Finalmente, em 1986, Maradona viu chegar sua vez. A vez que Zico não pôde ter, visto que perdeu sua chance em 1982. Nessa ocasião, Telê Santana voltou à carga, mas com um time envelhecido e com um Zico "bichado". Na verdade, nem era pra ele ter sido selecionado, já que vinha de uma série de contusões e não estava no melhor de sua forma, mas o Brasil devia isso a ele. Pra resumir, ficamos no meio do caminho, ante a França de Michel Platini — o jogo foi muito bom, e Zico, que entrou no meio, sofreu um pênalti, mas perdeu sua cobrança. Tivesse feito, talvez a seleção de 1986 — que não era tão boa quanto a de quatro anos antes — tivesse se vingado da italiana injustiça, mas isso nunca vamos saber. Enfim, o grande jogo dessa copa foi Argentina x Inglaterra, que além de tudo trazia uma questão extracampo: a recente derrota argentina na Guerra das Malvinas. A guerra fora uma "furada", tentativa desesperada de uma ditadura agonizante de reverter seu fracasso interno; entretanto, segundo as leis que hoje vigoram no mundo, as Malvinas deveriam, sim, pertencer à Argentina... mas isso é uma história longa e não serei eu quem a vai resolver... Voltando ao jogo, Maradona fez dois gols antológicos: um de cabeça, que na verdade foi de mão, e que ficou conhecido como um gol feito com a mão de Deus; e outro que é considerado até hoje o gol mais bonito de todas as copas, em que ele, partindo de seu campo de defesa, driblou praticamente todo o time inglês e não fez um gol, mas pintou uma obra de arte. Quem nunca o viu, sugiro que o veja no YouTube, mas ouvindo algum tango — como faço agora.

Dedico este parágrafo à besta questão Maradona x Pelé. Sob minha ótica, a resposta é simples: Pelé foi muito mais vitorioso dentro de campo que Maradona. Embora tenha tido a sorte de jogar sempre ao lado de jogadores melhores. O coitado do Maradona — assim como Messi —, quase sempre que atuou pela Argentina, precisou carregar sua seleção nas costas. Tudo dependia dele. Com Pelé não foi assim. Tanto que o Brasil ganhou copas sem ele, inclusive em 1962, quando ele, contundido, não pode seguir jogando, e Garrincha brilhou. Sem falar que Pelé fez mais gols, cabeceava bem e chutava igualmente bem com ambas pernas. Assim, acho, humildemente, que Maradona em campo não chega aos calcanhares de Pelé. Entretanto, no quesito jogar num time mais ou menos e ter resultados maiúsculos, Maradona venceu Pelé. Porém, o que me importa mesmo nessa guerra entre ambos merece um parágrafo à parte.

Pelé fora dos campos sempre foi o Edson Arantes do Nascimento, um "branco", um ser humano equivocado que inclusive não reconheceu uma filha legítima e nunca contribuiu pra causa negra dentro de seu próprio país. Pra não ser totalmente injusto, reconheço que tentou abrir os olhos dos brasileiros pra questão dos menores de rua, mas, convenhamos, foi muito pouco. Pelé, como marca, sempre foi algo que podia se comparar até aos Beatles, portanto, ainda em minha humilde opinião, acho que foi sempre covarde e conivente com o poder, o bom "pretinho adestrado". Que até autografou camisa pro Bostonaro. Mas paro por aqui porque o tema é Maradona, que de quebra nesse quesito sempre foi um sujeito infinitamente mais antenado. Vícios à parte — e quem não os tem? —, sempre foi mais contundente, presente, posicionado, que nosso "bom negrinho" amante de loiras — desde Xuxa... Se tivesse que comparar, extracampo falando, Maradona com algum brasileiro, compará-lo-ia ao saudoso dr. Sócrates (sobre quem já escrevi aqui); infelizmente — prum velho palmeirense —, um corintiano.

Mas, claro, humanos são humanos. Ao passo que Pelé é negro "de alma branca", Maradona foi racista e se preocupava com os "negrinhos" da Seleção Brasileira. Claro, ele nasceu num país que ou dizimou seus escravos negros ou os exportou. Pra vocês terem uma ideia, Mercedes Sosa, que de negra não tinha nada, era chamada por lá de "La Negra". Portanto, o que quero dizer com isso é que é muito mais comum ser racista num país de raça única — os japoneses também são imensamente racistas, INCLUSIVE em relação aos brancos!!! —; não desculpa, mas não se compara com casos como o de Beto Freitas no Carrefour de Porto Alegre. E também não vou entrar na questão da "água batizada" de Branco durante a copa de 1990, senão não termino este relato hoje. O que quero dizer é que, com todas as falhas de ser humano, fora dos campos sempre achei Diego melhor que Edson — e até melhor que Zico... que Edmundo então nem se fala... E sem falar de Ronalducho em outra copa... AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH!!!!

Pra terminar, se a opinião de um desiludido futebolístico tem algum peso, recomendo a leitura de Futebol ao sol e à sombra, do maravilhoso escritor uruguaio Eduardo Galeano, um dos melhores livros que li nos últimos tempos — presente do amigo Zeca Baleiro —, e quero dizer que ainda vejo o futebol como uma arte linda, como se estivesse vendo um filme mudo de Chaplin. O problema é que há cada vez menos Chaplins — e Maradonas — nos campos. E mesmo alguns possíveis Chaplins, como Ronaldinho Gaúcho e Robinho — sem falar em Neymar — têm se mostrado cada vez mais sem graça... pra dizer o mínimo. Por essas e outras prefiro rever vídeos de jogos antigos. Como os de Garrincha e Pelé; e como os de Maradona, em que numa mesma partida fazia um gol driblando toda a Inglaterra... depois de ter contado com a mão de Deus pra fazer um gol.

Os argentinos sempre tiveram uma relação muito mais visceral com seus ídolos, diria mesmo um tanto doentia, praticamente religiosa — que começou com Carlos Gardel e sua morte trágica, passando por Juan Domingo Perón e sua esposa Evita, Che Guevara, Jorge Luis Borges, Mercedes Sosa, Charly García, Ricardo Darín e muita gente mais —, que só encontrou eco no Brasil com Ayrton Senna — e ainda assim porque este morreu antes de começar a cair. Pra eles, a relação de amor é muito mais exacerbada. Pode ser apenas impressão minha, mas o que tenho achado — principalmente nos últimos tempos — é que, quando se trata de Brasil, é a questão de ódio que tem estado mais exacerbada. Oxalá passe logo... nem que Deus tenha que dar uma "mãozinha".

Dieguito, ¡descansá, pibe! Aunque todavía joven, hiciste demasiado. Y ¡que lo chupen!

***

PS: Deixo a seguir o link da playlist de tango que ouvia enquanto escrevia. Na companhia da qual, aliás, escrevi meu segundo romance, A Confraria dos Mascarados; esta.

***

2 comentários:

  1. Como sempre, adorei o texto, Léo.
    Confesso que deu uma agonia ler a relação dos "possíveis Chaplins"... Mas aí lembrei que toda geração de futebolistas brasileiros tem também seus "humanistas", se assim podemos chamá-los, na linha desse gênio que foi Maradona, e de outro, Sócrates. (Aliás, uma pena que ambos sejam comparáveis até em suas mortes prematuras).
    Assim, sou grato pelo meu Corinthians ter sido a casa de Sócrates e de Wladimir, e também, mais recentemente, de Paulo André. Mas lembro também de um aposentado Juninho Pernambucano, importante formador de opinião no meio esportivo, e de um menino que chama muito a atenção e inspira esperanças (dentro e fora de campo), Igor Julião - olho nele, que joga no Fluminense.
    E sim, concordo contigo: ver aquele gol-obra-de-arte de Maradona, ouvindo um bom tango, é uma incrível experiência audiovisual! No meu caso, escolhi o "Libertango" de Piazzolla, outro argentino eterno... foi verdadeiramente "libertador"!
    Grande abraço pra ti.

    ResponderExcluir
  2. Maravilhoso com sempre, lucido e mordaz, sem medo de ser um brasileiro cascando em outros menos brasileiros.

    ResponderExcluir