sábado, 20 de fevereiro de 2021

Crônicas Classificadas: 49) Como ser um grande escritor

Enquanto no conforto de meu nipônico lar espero esta e outras vacinas — sendo estas mais improváveis que aquela —, preguiçosamente me dedicava a merecidas férias bloguísticas, período não de hibernação, mas de maturação — e um tiquim de matutagem —, coçando o dedão do pé qual compenetrado discípulo de Pantaleão, célebre personagem saída da fértil imaginação de meu patrício Chico Anysio, empanturrava-me de leituras e demais doses — e doces — que fazem mal à saúde alheia, quando, em meio a um delicioso tête-à-tête com um de meus psiquiatras prediletos — a saber: Charles Bukowski —, recebi dele não alta — porque meu tratamento é perpétuo... e pago atrasado, mas com juros —, mas uma singela dica pra quem ainda pensa nessa bobagem que é encher várias páginas em branco de palavras inúteis querendo obter sucesso, grana, glória — quiçá sexo — e outros quitutes. E, não porque sou bonzinho e quis compartilhar o segredo com vocês, mas puramente pra espanar o pó deste desafortunado blogue, resolvi trazer pra cá as as arcaicas e sempre novas dicas de Bukowski sensei.

O (anti)poema não é meu, mas o dedico, como se fora, aos amigos Vlado Lima e Carlos D'Orazio — não necessariamente nessa desordem. Eles saberão por quê. Se não souberem, aí já serão passos que terão escapado de minha calçada, cartas que o velho Chinaski — por preguiça ou sacanagem — terá deixado em equivocado post, sermões sem montanha que terão caído em ouvidos surdos, garrafas lançadas ao mar devoradas por tubarões, bilhete de loteria premiado que por acaso se dissolveu num bolso de calça dentro da máquina de lavar, fragmento de livro de autoajuda jamais escrito etc. e tal.

E, antes que minha verborragia me engula, paro por aqui e deixo falar meu amigo Charlie. A ele, pois.


Como ser um grande escritor*
Por Charles Bukowski

você tem que trepar com um grande número de mulheres
belas mulheres
e escrever uns poucos e decentes poemas de amor.

e não se preocupe com a idade
e/ou com os talentos frescos e recém-chegados;

apenas beba mais cerveja
mais e mais cerveja

e vá às corridas pelo menos uma vez por
semana

e vença
se possível.

aprender a vencer é difícil —
qualquer frouxo pode ser um bom perdedor.

e não se esqueça do Brahms
e do Bach e também da sua
cerveja.

não exagere no exercício.

durma até o meio-dia.

evite cartões de crédito
ou pagar qualquer conta
no prazo.

lembre-se de que nenhum rabo no mundo
vale mais do que 50 pratas
(em 1977).

e se você tem a capacidade de amar
ame primeiro a si mesmo
mas esteja sempre alerta para a possibilidade de uma derrota total
mesmo que a razão para esta derrota
pareça certa ou errada —

um gosto precoce da morte não é 
necessariamente 
uma cosa má.

fique longe de igrejas e bares e museus,
e como a aranha seja
paciente —
o tempo é a cruz de todos
mais o
exílio
a derrota
a traição

todo este esgoto.

fique com a cerveja.

a cerveja é o sangue contínuo.

uma amante contínua.

arranje uma grande máquina de escrever
e assim como os passos que sobem e descem
do lado de fora de sua janela

bata na máquina
bata forte

faça disso um combate de pesos pesados

faça como o touro no momento do primeiro ataque
e se lembre dos velhos cães
que brigavam tão bem:
Hemingway, Céline, Dostoievski, Hamsun.

se você pensa que eles não ficaram loucos
em quartos apertados
assim como este em que agora você está

sem mulheres
sem comida
sem esperança

então você não está pronto.

beba mais cerveja.
há tempo.
e, se não há,
está tudo certo
também.

***

*Poema extraído do livro O amor é um cão dos diabos.

***

3 comentários:

  1. Não curto muito a poesia da poesia do Bukowski. Curto muito a poesia da prosa do Bukowski.

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    1. Vladão, este é o primeiro livro de poesia dele que leio e tô achando do caralho. Talvez o que possa transparecer é que mesmo sendo em versos não tem muito cara de poesia, é como se ele "recortasse" a prosa em linhas separadas, meio como se se tratasse mais de pequenos contos que propriamente de poesia, mas não acho que seja demérito, apenas uma característica dele. E quem sou eu pra julgar o que é ou não poesia. Pra mim importa mais se gosto ou não gosto. E, no caso, gosto.

      Abraço,
      レオ。

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  2. Tirando a parte dos museus, devo confessar (um pouco envergonhado) que concordo com tudo... será que vou ser cancelado?
    Seguindo o mestre, vou beber mais uma cerveja para pensar a respeito!

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