sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Crônicas Desclassificadas: 27) Tempo de Sócrates

O trem segue a quase 300 km por hora (menos, né?), como diria Roberto Carlos, e eu aqui, dentro dele, como Jonas dentro da baleia, pus-me a filosofar vendo a paisagem espanhola. Quão fugaz é a vida! E corre tão rápido quanto este trem. Só que, diferentemente deste, cuja parada final é Madri, a última parada da vida é uma estação desconhecida onde, embora saibamos ser inevitável, nenhum de nós quer chegar. E, se Madri é uma cidade charmosa, o mesmo não me atrevo a dizer da estação derradeira (não estou me referindo à Mangueira), onde, em vez de pegarmos a bagagem, deixamos a carcaça.

Como uma coisa leva a outra, e por falar em filosofia, na qual estou me graduando atualmente após longo curso pela UBV (Universidade dos Bares da Vida), acabei me lembrando de outro filósofo de botequim, que tinha mesmo nome de filósofo, embora fosse médico e tivesse sido jogador de futebol; o doutor da bola; o inventor de outro calcanhar, que bem podia ter sido o de Aquiles; o líder da democracia corintiana; o bon vivant chegado aos prazeres da carne e do copo; o compositor; o campeão do mundo que foi sem nunca ter sido; o dr. Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira (terá sido ele parente de Tom Jobim?).

Domingo passado tive duas grandes e contraditórias tristezas: a maior delas foi saber que havia morrido Sócrates; a menor, saber que o Corinthians havia sido campeão brasileiro em cima de meu quixotesco Palmeiras, comandado por um nobre (e não menos quixotesco) Luiz Felipe Scolari, porque seu exército de Brancaleone não conseguiu fazer, em 90 minutos, um gol. Não, acho que quixotesco não é a palavra certa. Talvez a Espanha tenha me feito incorrer nesse erro. A palavra exata é macunaímico!

Ora, vocês devem estar se perguntando o que um mal-amado palmeirense tem a ver com o dr. Sócrates, ao que lhes respondo: tudo! Sim, porque com o tempo aprendi a apreciar o futebol pra além das 11 camisas verdes do ex-Palestra Itália. Hoje não aceito mais, de forma alguma, sofrer por amor ao futebol. Minha quota já se consumiu inteirinha, gota a gota. Lágrimas, noites de insônia, desespero, porres, tudo isso e mais depositei na conta do Palmeiras. E agora, quando cada vez mais o esporte dos esportes tem se tornado mais um negócio que um espetáculo (assim como a música), agora, é aqui que eu desço.

Não, não, claro que continuo a ser palmeirense. Da mesma forma que meu nome e meu RG continuarão a ser os mesmos. Apenas o fato é que aprendi a ver futebol com outros olhos. Pra mim futebol, como espetáculo, tem que ser bom, como um filme, um show, uma peça. Caso contrário, vou ler um livro. Claro que sempre vou continuar, como bom palmeirense, torcendo contra o Corinthians, mesmo que ele jogue contra, sei lá, a seleção do Irã. Simplesmente não acho mais salutar sofrer, visto que os 22 artistas que sobem nesse palco sagrado, pertençam eles a que time seja, estão hoje muito mais interessados em grana, carrões importados, loiras turbinadas (e oxigenadas), que propriamente no momento mais sublime dessa peculiar arte: o gol.

Claro, todos os profissionais pensam em outras coisas além de suas profissões, mas, por mais que saiba que os tempos estão sempre mudando, admito ser um, digamos, amante à moda antiga. Como diz Zeca Baleiro, “sou do tempo em que até os automóveis davam bom-dia”. E sou do tempo em que um atleta amava as cores de sua camisa. Por isso reverencio caras como os goleiros Marcos (Palmeiras) e Rogério (São Paulo), que conseguem, ainda nos tempos atuais, manter intactas a dignidade e a confiabilidade. Não por acaso são dos poucos que têm algo relevante a falar, ao passo que a maioria parece um bando de papagaios amestrados.

E assim, como Marcos e Rogério, era Sócrates. Inclusive, por uma dessas ironias da vida, lembro-me de que, quando fui a um estádio pela primeira vez (era um Palmeiras x Corinthians), fui tomado por uma grande emoção ao ver Sócrates de perto. O jogo, esquecível, terminou 1 x 1, mas nunca esqueci a emoção de ver ao vivo e em cores, digo, preto e branco, toda a elegância que Sócrates esbanjava em campo. Sempre me pareceu um príncipe em meio a brucutus.

Mas acho que minha admiração por Sócrates nasceu justamente aqui onde estou, na Espanha, mais precisamente em 1982, durante a mais memorável das Copas do Mundo a que tive o privilégio de assistir. Foi a única vez em minha vida que decorei uma escalação (e a primeira que chorei por futebol). E foi nessa copa que aprendi a admirar o talento do maior jogador que vi atuar em toda minha vida: Zico. Claro, a seleção não ganhou, então Zico não é comparado a Pelé, Maradona, Beckenbauer, mas, como sempre tive uma quedinha pelos malditos, não tenho vergonha nenhuma de afirmar que meu Pelé foi Zico.

Voltando ao doutor, hoje, em pleno século XXI, dificilmente encontramos jogadores esclarecidos politicamente; a maioria não tem conhecimento sobre seus próprios direitos; observando tudo isso, chega a ser surpreendente que num período tão complexo como foi o da abertura política no Brasil um time de massas como o Corinthians pudesse protagonizar, por meio de seus atletas, a importantíssima (e jamais igualada) democracia corintiana, que teve Sócrates como seu Tiradentes.

Sócrates sempre foi assim, único. Seus maiores treinamentos eram homéricas churrascadas regadas a muita cerveja, sem se importar se eram “umas Brahmas enviadas pela Antártica”. Pagou caro por isso, claro, teve a carreira encurtada, assim como o fôlego. Mas nunca baixou a cabeça nem deixou de dizer o que pensava, pois sabia que, acima de tudo, era um indivíduo, mesmo que em campo usasse uniforme.

Gostei de saber, por suas últimas entrevistas, que ele tinha o sonho de treinar a seleção cubana de futebol. E que dizia querer ganhar o mesmo salário que um cubano comum. Há tempos me afastei das convicções de Fidel Castro, mas reconheço que me emocionou ler esse depoimento de Sócrates. O mundo precisa de mais gente assim, sonhadora. Não só o futebol, mas TUDO anda meio pragmático. Os robôs em série proliferam que nem coelhos. Até a seleção brasileira, que, se antes deslumbrava o mundo com seus baixinhos com samba no pé, agora ostenta seus desajeitados grandalhões.

É, são outros tempos. Tempos de Steve Jobs. E eu, que nem bem completei 40 anos, embora me seja ainda um menino (como dizia Sérgio Sampaio), às vezes também me sinto um Matusalém, ou, como Raul Seixas, pareço ter nascido há dez mil anos, tantas foram as coisas que, meninos, eu vi. Sou do tempo em que aparelho de som, televisão, geladeira, guarda-roupa etc., eram feitos pra durar, e não descartáveis como são hoje. É a mesma relação que traço com jogadores de futebol. Ok, como diz Paulinho da Viola, parafraseando (e atualizando) Wilson Batista, “meu tempo é hoje”, porque estou inserido nele, gozo suas facilidades e sofro seus efeitos colaterais. Mas, vendo tanta futilidade e tantas coisas (e pessoas) descartáveis, de vez em quando bate uma depressão, uma vontade de ouvir aquela do Roberto... Nessas horas, daqui da neocaverna de Platão, sinto uma saudade danada do tempo em que os automóveis davam bom-dia, tempo de Sócrates.

Em algum lugar entre Córdoba e Madri, 9 de dezembro de 2011.

10 comentários:

  1. Léo, muito boa a reflexão que você fez! É engraçado que embora eu tenho 31 também sinto que nasci há 10 mil anos! Também sinto falta de muitas coisas e concordo plenamente que o mundo precisa de gente mais sonhadora, de gente que aprenda a vivenciar o intangível!!! Será que isso ainda pode mudar??? Não podemos perder a esperança né? Parabéns mesmo!! Grande abraço

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  2. Queridona:

    Já que, no final, este jogo todos perdemos, o importante é realizar uma partida, no mínimo, inesquecível.

    Beijos do
    Léo.

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  3. Apesar de ser corinthiano compartilho da sua opinião sobre o sofrer por futebol!Parabéns pelo texto revestido de verdades, e agradável de se ler. Antonio Carlos de Paula ( AC de Paula)- poeta e compositor)

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    1. Poxa, AC, seu comentário me passou despercebido. Só hoje, por acaso, me deparei com ele. Mas agradeço, ainda que tarde, pela visita e pelo comentário.

      Abraços,
      Léo.

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  4. É... Léo!

    Temos o "mesmo Pelé"... Nem vou falar de mesmo time, pois o que não há mais é o time..:(
    Abraçossssssss

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  5. Pois é, Moreirinha, saudades do tempo da Parmalat... Hehehe!

    Abração verde desbotado do
    Léo

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  6. Leo, gostei, vc falou o mesmo que penso de Sócrates, ele era "um" no meio de muitos. O futebol, é mesmo, hoje, uma merda! Deixou de ser esporte, para ser um negócio. Não dá mais para assistir é mediocridade total. Mas, o fato de a gente se achar com mil anos é exatamente por conta dessa mediocridade, até o excepcionais que vemos são mediocres. Vi muita gente boa jogar...inclusive um que agora, assim como Felipão, é meu vizinho, da velha Academia do Parmêra (Ademir da Guia) de quem lembrava quando via o "Magrão" jogar. Acabou-se o romantismo, mas ainda temos os vídeos para saborear...

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  7. Léo te procurei tanto ...rsrs. Agora descobri que o senhor está na Espanha. Bem li o texto. É uma honra imensurável um palmerense escrever sobre o Corinthians. Muito obrigado, mas deixando as gracinhas de lado. Eu fiquei contente pelo penta, mas muito triste porque não foi só um craque de bola que morreu. Foi O Craque. Como se não bastasse "O Magrão" era extremamente inteligênte. No processo democrático corinthiano o voto do faxineiro era tão importante, quanto voto do jogador ou diretor do clube e "o bixo" era dividido por todos. E dessas ações foi ganhando a torcida corinthiana e as ruas transformando-se em uma das mais importantes páginas na história do Brasil. Quem não se lembra das diretas já !!Parece que esse tempos morreram com Sócrates e o futebol antes "tão romantico" torcer e hoje um processo "tão industrializado". Que saudades de um Fla x Flu com Zico e um Corinthians com Sócrates, Casagrande,Biro Biro, Zenon,Vladimir e a porra do Leão no gol nem tudo é perfeito rs. Não foi só um jogador que o Brasil perdeu, mas com ele parece ter ido a parte nobre do futebol ( a própria filosofia)dos tempos que "o doutor" (formado na USP)tratava além da bola o ser humano com respeito e dignidade. Foi um domingo de alegria e também de muita tristeza.

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  8. Parceiro, já com saudade de vcs, dos passeios, dos encontros musicais, comidas e dos saborosos tapas regados com tinto Rioja.

    Meu amigo, a super seleçao de 82 tb me arrancou lágrimas, até hoje nao esqueço aquela triste final dos 3x2 da Italia sobre o Brasil, e que Brasil!
    De vez em quando vou ao youtube relembrar as jogadas do craque Zico e me deliciar com geniais toques de calcanhar do Dr. Sócrates. Para mim o futbol de verdade morreu ali.

    Abraços saudados
    Pedro Moreno

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  9. Francesco, grato pela visita e pelo comentário.

    Totó, põe mais água no feijão, que eu tô voltando! Grande depoimento!

    Pedro, pois é, as saudades já estão pairando. Mas estamos perto, no peito e no pensamento!

    Abraços em todos,
    Léo.

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