Crônicas Desclassificadas: 43) Em defesa do direito de ser anticorintiano

Acabo de ler no feicibuque um amigo palmeirense, em caixa alta, parabenizar o Corinthians pela conquista da Libertadores da América. Fiquei pasmo! É o tempo do politicamente correto varrendo as paixões exacerbadas. Entendo que ele, como cidadão, e sabendo de fora seu time, escolha, entre um time argentino e um brasileiro, torcer por este em detrimento daquele, mas... Não, não, não, NÃO! Não consigo conceber um mundo assim tão cor de rosa...

Cadê a rivalidade? Cadê o choro e o ranger de dentes? O pavor de ser zoado no dia seguinte? O prazer escrachado de secar o rival? Cadê? Não estou aqui pregando em defesa do ódio; acho a coisa mais estúpida do mundo torcidas organizadas agirem como soldados num campo de batalha, as inúteis mortes causadas por imbecis que não têm mais o que fazer na vida que odiar o torcedor de time alheio, o quebra-quebra geral por conta de uma derrota, mas... Peraí, gente! Dar tapinha nas costas de corintiano pela vitória? JAMÉ!

Sou palmeirense, ex-fanático, que com o tempo andou percebendo as falcatruas por trás do mundinho da bola, regidas por Teixeiras, Mirandas & cia., e acabou acompanhando os campeonatos com certo distanciamento. Noto o desamor dos jogadores pela bola (e o amor pela grana), um tal de beijar a camisa X hoje e a Y amanhã, e lhes peço que pelo menos imitem as putas, que agem com mais dignidade: já que querem só a grana, pelo menos não beijem! Contudo, apesar de essas e outras, um coração de torcedor pode até desacelerar o ritmo das batidas, mas nunca deixa de bater! E de apanhar...

E assim, amante do futebol-arte, torci, obviamente, pelo Santos nessa Libertadores. Mas não deu. E, obviamente, na sequência, pelo Boca Juniors. E mais uma vez não deu. Assim que ora venho a público declarar desavergonhadamente que estou... ARRASADO! E peço que, por favor, respeitem meu jurássico direito de ser anticorintiano e gozar a dor desse momento! Ser anticorintiano é uma atitude de amor ao futebol. E não tem nada de ódio, apenas de rivalidade. 

Certa vez atravessei uma favela conversando alegremente com um amigo, e quase fomos linchados porque eu vestia uma camisa do Palmeiras e ele, uma do Corinthians. A galerinha do bar mais próximo se sentiu ofendida e partiu pra ignorância (gastamos as canelas aquele dia, não foi, Antoniocarlos?). Isso eu repudio. Não vou deixar de amar meus amigos porque eles tiveram o mau gosto de ser corintianos, mas não!, não me peçam pra dar-lhes os parabéns por esse título!

Hoje pra mim é finados, é luto, é tristeza sem tamanho... Nunca mais poder zoar os amigos corintianos por jamais terem vencido uma Libertadores é de partir um coração (o meu!). Então, vocês, bonitinhos da vez, homens do futuro, metrossexuais, vegetarianos e congêneres, pessoas que não podem ser zoadas porque não sabem zoar, deixem em paz meu carnívoro coração (que ele é um pote até aqui de mágoa), me deixem aqui no chão (se não for por amor), tirem seus sorrisos do caminho... Que eu quero curtir em paz essa saudável dor de cotovelo, quero ter o direito de encontrar meus amigos corintianos num boteco e ser por eles zoado enquanto sonho com a vingança do amanhã...

É o preço. Prefiro isso a ter que parabenizá-los. Posso lhes pagar uma cerveja em consideração à amizade e à boa rivalidade, mas apertar suas mãos em sinal de camaradagem futebolística, NÉ-VER! Querem saber como estou me sentindo? Os fogos que ora explodem lá fora são como bombas dilacerando o Afeganistão de meu peito. E o pior é passar o resto do ano convivendo com a possibilidade (remota, claro) de ver o Curíntia voltar do Japão com a taça do Mundial de Clubes... Valei-me, corvo Edgar! SAI, ZICA!!!

Agora falando sério, já que dizem que de todo mal tiramos algo de bom, louvo a ascensão de um técnico como Tite e o surgimento do goleiro Cássio e do garoto Romarinho, bela promessa que espero que vire realidade. Claro que poderiam estar os três no Palmeiras, mas, na pior das hipóteses, poderem vir a estar na Seleção já é um alento. No mais, já estou melhor, agora que, na impossibilidade de chorar com lágrimas, chorei com palavras. Já que o futebol, como dizem, é mesmo uma caixinha de surpresas, temos que estar preparados também pras MÁS. Mas tudo passa, e a manchete de hoje embrulhará o peixe de amanhã.

***

Dedico este pranto em prosa a um grande amigo, grande compositor e candidato a santo... Fernando Cavallieri.

***