sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Crônicas Desclassificadas: 63) O Mr. Hyde nosso de cada dia

Viver é o ato de conviver. ... não, não queria começar este texto com uma afirmação tão peremptória. Até porque viver significa uma coisa diferente pra cada um. Reformulemos: em minha opinião (agora ficou melhor), acredito que viver seja o aprendizado do viver em comunidade, ou seja, do conviver, o viver em comum. E todos sabemos que não é um verbo fácil de ser conjugado (assim como o verbo "conjugar"). Há que se ter habilidade pra manter o equilíbrio sobre essa corda bamba que tem de um lado a diplomacia e do outro a hipocrisia, ambas divididas por um fio quase imperceptível.

Claro que um sujeito pode escolher também ir morar em uma caverna, tornar-se um mendigo, pirar, cometer suicídio, entre outras saídas mais fáceis (fáceis?), mas me refiro àqueles que ficam e lutam, ou seja, convivem. Não, não é fácil. Aonde quer que um camarada vá, sempre lá encontrará alguém que lhe será intragável, seja no trabalho, na escola, na igreja, no clube, seja numa viagem de férias, ou mesmo entre seus familiares, sempre, sem-pre(!) acabará se deparando com alguém que o vai tirar do sério.

E o que fazer com uma pessoa dessas? Matar? Pra depois ir preso e na cadeia encontrar mais duas dúzias de intragáveis? Não, meus caros, tal saída não é aconselhável, nem inteligente. O negócio é ficar e enfrentar, mesmo porque todos sabemos que um dos ditados mais "tiro e queda" que existem é aquele que diz que "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Então, siga o conselho da ex-ex-ministra: relaxe e goze. Porém, atento, pois sempre pode vir de lá um jab de direita bem na boca do estômago de nosso zen!

Daí que dia a dia vamos aprendendo a exercitar o autocontrole. Começamos contando até cem, depois vamos paulatinamente diminuindo os numerais da contagem, até que um dia chegamos a acreditar mesmo que conseguimos vencer o Mr. Hyde que vive em nós. Devolvemos os insultos com um "passar bem", o chefe nos esculhamba e lhe damos um sorriso de "pai, perdoa-o, porque não sabe o que diz", como se o desaforo tivesse sido proferido por uma inocente criança, enfim, resolvemos a questão dos nervos com um pé nas costas e assoviando What a Wonderful World. Até que...

... até que uma pessoa querida, talvez a mãe, o cônjuge, o amigo do peito, enfim, aquela pessoa a quem mais prezamos e por quem não mediríamos esforços pra ver feliz, essa pessoa, quem sabe numa quarta-feira de lua cheia, nos manda uma frase enviesada que bate no ponto cego do dar a outra face... e pronto. Aquele honorável vulcão, que mais parecia um monge budista, resolve virar o Hulk. Nessa hora, nego véi, não tem quaix quaix, não tem lero-lero, não tem contagem de 1 até 999 que faça a lava dar meia volta. E, quando o cão chupando manga começa a botar fogo pelas ventas, a m..., a matéria fecal está feita!

E ai de quem entrar no meio! Aquele dalai-lama se pitbulliza de um jeito, que não tem água benta, não tem exorcismo, muito menos nam-myoho-rengue-kyo que faça o coisa-ruim abandonar aquele corpo que não lhe pertence. E isso é fato público e notório, sabido e descabido. Moral da história: os (pseudo)equilibrados só machucam as pessoas que amam, pois é nelas que encontram um porto seguro (ou uma privada) pra soltar seu cassius clay reprimido preso dentro do falso muhammad ali das convenções sociais. Grosso modo, só merece receber nossa porrada quem aceita nosso abraço.

É por essas e outras (dessas) que hoje em dia os casamentos, rolos e demais relações, como as de amizade, não costumam durar. Porque não sabemos ser psicólogos de nossos pares. Mesmo porque nós também somos carentes de um divã, visto que tais não constam dos planos de saúde populares. Acho que o segredo consiste em entender essa estranha forma de amor que só se sente plena e revigorada quando pode extravasar seus uivos proibidos em ouvidos amistosos. Todos queremos ser entendidos, e, mais que isso, acolhidos. Não raro a fúria descamba pro pranto. E nenhum de nós está acima do bem e do mal a ponto de dizer "esse esgoto não vomitarei". Cedo ou tarde o eu que mora dentro de cada um percebe que tal personagem "faz parte do meu show". Se hoje você é o recipiente, fatalmente amanhã será o conteúdo.

Outra técnica é admitirmos que somos sós, que a solidão é intrínseca ao homem, sendo com ela, portanto, o único cordão umbilical que não rompemos durante toda a vida. Pensando assim depositaremos menos expectativas no outro e aprenderemos a depender mais de nós mesmos... e a ter uma atitude mais adulta ante a infantilidade de nossos pares (sempre lembrando que, sendo pedra hoje, amanhã podemos ser a vidraça. ... pensando bem, essa comparação não difere muito da do parágrafo anterior, do recipiente/conteúdo, mas, já que aí está, que aí permaneça). E assim, sabedores de que somos pecadores, deixamos cair ao chão a pedra que iríamos atirar, engolimos a seco o soco, e suportamos também a convivência a dois. 

Tão certo como dois e dois são cinco!

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Dedicado "a qualquer amigo que precisar".

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Pra ilustrar a love story acima, convoco quem entende do assunto, Ricardo Soares (com o auxílio luxuoso d'Os Tropeçalistas):



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6 comentários:

  1. Ora bolas, deixa disso, não há nada de mais...

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  2. Como diz uma frase altamente filosófica que li no Facebook: "se fosse fácil, não se chamaria relacionamento, e sim, Miojo".
    Há que se ter paciência... E se você não foi muito dotado dessa qualidade, como moi, vamos cultivando a dita cuja.
    Beijão, Léo!

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    1. Danny, eu sou o Mr. Patience, mas às vezes... Hahaha!!!

      Beijos pacíficos,
      Léo.

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  3. Pois é... nessa época de natal e festas, com as famílias reunidas... pode crer que sempre rola um perrengue qualquer... um cunhado chato e bêbado, uma sobrinha folgada, um tio velho aproveitador, uma irmã na TPM, um jovem casal no cio... ou, azar dos azares, uma sogra viúva, chantagista, nada afetiva e azeda.
    Tipo assim: "A senhora quer ajuda pra fazer o panetone? Diga como fazer, eu posso picar as frutas secas..." E a resposta é curta e grossa: "Não!"
    Ou então: "Deixe que eu faço o arroz... posso ir lavando? " Resposta: "Pra quê? Nunca vi lavar arroz!"
    Ou ainda: "Vou cobrir o peru que tá no tempero com papel alumínio para evitar as moscas..." Resposta: "Imagina! Pra quê gastar papel alumínio com isso?"
    Enfim, se você é do tipo que não quer encrenca... e não quer alugar a orelha pra chatice alheia... é melhor desistir de ajudar e ir ler na rede até a hora do jantar! Ou melhor, até a hora de voltar pra casa!

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    1. Helena, bom te ler por aqui. Fazia tempo, hem?

      Pois é, entre família sempre há uma coisinha ou outra pra tirar a harmonia do lugar. Mas a gente vai levando, tentando não despertar os vulcões.

      Beijão,
      Léo.

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