domingo, 26 de janeiro de 2014

Grafite na Agulha: 17) Verde esperança

Conheci Ana Vega na faculdade, pois era minha colega de classe. Em pouco tempo, devido a algumas afinidades, já éramos bastante próximos. Sua inteligência cativava e sua gargalhada aberta e franca desarmava. Notei de cara que se tratava de uma pessoa, como dizem hoje, do bem. Mas de ingênua não tinha nada. Sabia se defender muito bem, ¡sí señor! Além do mais, por ser chilena, fazia aumentar meu interesse por estar perto dela, pois assim podia treinar meu espanhol tartamudeante (ainda o é). Discreta, só alguns anos depois que havíamos terminado o curso me contou sua incrível história. Incentivei-a mesmo a escrever um livro, fosse de memórias, fosse romanceado, pois, como vocês perceberão, a muchacha escreve bem pra dedéu.

Ana chegou ao Brasil há cerca de 40 anos, fugindo da ditadura chilena. De lá pra cá aprendeu a amar sua nova pátria, mas não se esqueceu de suas raízes, tanto que virou professora e tradutora de espanhol. Ah, e tem um blogue interessantíssimo, dedicado à divulgação da cultura hispânica (este: www.semanariohispanico.com). Por essas e outras, pedi-lhe que escrevesse o texto abaixo em espanhol. Não que não o soubesse em português, mas porque assim eu poderia fazer algo também, traduzindo-o, e teríamos uma publicação bilíngue. Ela acabou não escrevendo sobre um disco, mas sobre sua relação com uma única canção, Verde, de Eduardo Gudin e Costa Netto. Contudo, achei o texto tão tocante, que preferi contextualizá-lo dentro do festival do qual a canção participou. Com vocês...

Verde esperança

Por Ana Vega

Quando me convidaram a escrever sobre alguma música que me recordasse algum momento importante de minha vida, não tive dúvidas sobre qual seria. Esta história, que já contei em sala de aula, agora, graças à gentileza de meu amigo Léo, poderei compartilhá-la com vocês.

Era o ano de 1985, estávamos todos sentados em frente à tevê assistindo ao Festival dos Festivais da TV Globo, cada um escolhendo suas canções favoritas, quando sobe ao palco Leila Pinheiro e começa a cantar a canção Verde. No mesmo momento, algumas portas se abriram em minha memória e fui transportada ao dia 14 de julho de 1975, data em que cheguei a Viracopos, com minhas duas filhas, ainda pequenininhas, duas malas e uma tonelada de pesares.


Cheguei ao Brasil fugindo dos horrores do Golpe Militar. No Chile, havia deixado minha mãe chorando muito no aeroporto, meu pai e meu irmão presos num campo de concentração e muitos de meus amigos também presos ou já desaparecidos dos quais até hoje não sabemos o paradeiro. Somada a toda essa tragédia também estava o fato de estar chegando a um país estranho, com apenas 22 anos, sem saber a língua, sem documentos, sem trabalho e com dois bebês.


Meu coração estava apertado quando desembarquei no aeroporto e entrei num carro com destino ao interior de São Paulo. Já na estrada comecei a sentir o calor do sol e a me admirar com os tons de verde que a paisagem me brindava: verde-claro, verde-escuro, verde-brilhante... e muitos outros tons de verde!

    
Ana Vega
Comecei a notar que o nó que trazia no peito ia aos poucos se desfazendo e a me sentir mais leve, e foi nesse momento que tive certeza, não sei por quê, mas me disse, enquanto viajávamos no carro: “Eu aqui vou ser feliz.”

Essa música tem o poder de me transportar sempre a esse momento mágico. Tenho-a gravada em todos os meus aparelhos e listas de música e a escuto sempre. Leila Pinheiro ganhou o terceiro lugar no festival e também o prêmio de revelação, já eu fui agraciada com um presente pra vida toda.


Hoje, passados 40 anos do Golpe, posso dizer que, apesar de tanto sofrer, nunca “desisti das minhas bandeiras e que, sem deixar de amar meu país, aprendi a amar o Brasil, que me mostrou “de repente a visão da esperança e me acolheu com esse gesto de amor.


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Verde esperanza
Por Ana Vega

Cuando me invitaron a escribir sobre alguna música que me recordase algún momento importante de mi vida, no tuve dudas sobre lo que sería. Esta historia, que ya conté muchas veces en la sala de clases, ahora, gracias a la gentileza de mi amigo Léo, podré compartirla con ustedes.


Era el año 1985, estábamos todos sentados frente al televisor asistiendo al Festival de los Festivales de la TV Globo, cada uno escogiendo ya sus canciones favoritas, cuando sale al escenario Leila Pinheiro y empieza a cantar el tema Verde. En el mismo momento, algunas puertas se abrieron en mi memoria y fui transportada al 14 de junio de 1975, fecha en que llegué a Viracopos, con mis dos hijas, aún muy pequeñitas, dos maletas y una tonelada de penas. 

Llegué a Brasil huyendo de los horrores del Golpe Militar. En Chile, había dejado a mi madre llorando mucho en el aeropuerto; a mi padre y a mi hermano presos en un campo de concentración y a muchos de mis amigos también presos o ya desaparecidos de los cuales hasta hoy no sabemos de su paradero. Sumado a toda esta tragedia también estaba el hecho de estar llegando a un país extraño, con apenas 22 años, sin saber la lengua, sin papeles, sin trabajo y con dos bebés.

Mi corazón estaba apretado cuando desembarqué en el aeropuerto y me subí al auto con destino al interior de São Paulo. Ya en la carretera comencé a sentir el calor del sol y a admirarme con los tonos de verde que me brindaba el paisaje, verde claro, verde oscuro, verde brillante... ¡y muchos otros tonos de verde!

Comencé a sentir que el nudo que traía en el pecho a los pocos se iba deshaciendo y a sentirme más leve, y fue en ese momento que tuve la seguridad, no sé por qué, pero lo dije mientras viajábamos en el auto: “Yo aquí voy a ser feliz”.

Esa música tiene el poder de transportarme siempre a ese momento mágico. La tengo grabada en todos mis aparatos y listas de música y siempre la estoy escuchando. Leila Pinheiro ganó el tercer lugar en el festival y también el premio revelación, y yo fui agraciada con un regalo para toda la vida.

Hoy, a 40 años del golpe, puedo decir que, a pesar de “todo lo que me ha tocado sufrir”, “nunca he desistido de mis banderas” y que, sin dejar de amar a mi país, aprendí a amar Brasil, que me mostró, “de repente, la visión de la esperanza” y me acogió con “ese gesto de amor”.


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Festival dos Festivais (1985 - Som Livre)


Lado A

1. Mira Ira (Nação Mel- Lula Barbosa, Míriam Mirah, Tarancón e Placa Luminosa
    (Lula Barbosa - Vanderlei de Castro)
2. Verde - Leila Pinheiro
    (Eduardo Gudin - Costa Netto)
3. Escrito nas Estrelas - Tetê Espíndola
    (Arnaldo Black - Carlos Rennó)
4. Caribe Calibre: Amor - Jorge Portugal, Roberto Mendes e Grupo Santa Cruz
    (Jorge Portugal - Roberto Mendes)
5. Novos Rumos - Cida Moreira e Quinteto A Fina Flor
    (Rossini Ferreira - Ana Ivo)
6. Os Metaleiros Também Amam - Língua de Trapo
    (Carlos Melo - Ayrton Mugnaini Jr.)
Lado B
1. O Dono da Terra - Os Abelhudos
    (Renato Corrêa - Nair Candia)
2. O Condor - Oswaldo Montenegro e Coral Raça
    (Oswaldo Montenegro)
3. Elis, Elis - Emílio Santiago
    (Estevan Natolo Jr. - Marcelo Simões)
4. Tempo Certo - Ubiratan Sousa e Grupo Casinha da Roça
    (Ubiratan Sousa - Souza Netto)
5. Vamp Neguinha - Grupo Zipertensão
    (Cid Campos)
6. A Última Voz do Brasil - Joelho de Porco
    (Zé Rodrix - Tico Terpins - Armando Ferrante Jr. - Próspero Albanese Neto)
7. Fest Wave - Cesar Camargo Mariano e Dino Vicente
    (Cesar Camargo Mariano - Dino Vicente)


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Ouça o LP na íntegra:















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Um presentinho, a final do festival na íntegra:

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