terça-feira, 19 de agosto de 2014

Crônicas Desclassificadas: 142) A esquerda acabou?

Tenho lido muito por aí sobre esse papo de que a esquerda acabou. Como assim? Acabou? Há coisas que só podem acabar quando seu oposto acaba também. Por exemplo: a existência de Deus está vinculada à do demônio, tal qual a relação entre Bem e Mal. Da mesma forma, os opostos claro/escuro, alegria/tristeza etc. Tomemos este último como exemplo: quem nunca ficou triste não é capaz de dar à alegria o valor que ela merece quando chega. Mantendo esse raciocínio, se não houvesse a escuridão, uma claridade de 24 horas devia ser ruim pra dedéu, não? Sobretudo quando fulano quer fazer algo sem ser visto. Portanto, voltemos. Como a esquerda acabou, se, pelo que me consta, a direita anda a toda, "se achando", principalmente sob o véu do anonimato e nas redes sociais?

O que acontece é que há certas palavras que, com o tempo, foram caindo de moda, ganhando sentido pejorativo, como é o caso de MPB. Você acha que a MPB está fora de moda? Não. Toda música popular que ouvimos em português é MPB (quer dizer, fora as de Portugal, Moçambique, Angola...); a parada (não a de sucessos) é que essa mimosa sigla foi perdendo seu real significado e passou a ser usada como sinônimo de música pretensiosa, afetada, elitista. Assim, parece-me que tem acontecido o mesmo com a esquerda. Refiro-me à palavra, deixemos claro. E talvez por motivos primos-irmãos dos referidos à MPB. Ou seja, hoje, um esquerdista é visto como um sonhador, um bicho-grilo, um camarada anacrônico que ficou parado lá na década de 1970 fumando unzinho e perdido dentro de uma camiseta com a estampa de Che Guevara.

Mas a esquerda não é só isso. Aliás, afinal, o que vem a ser esquerda? Claro, sem sair do tema. Vejamos algumas das coisas que diz o Aurélio: "conjunto de indivíduos ou grupos políticos comprometidos com mudanças sociais inspirados por ideais progressistas", ou "conjunto de setores sociais que defendem a manutenção do ativismo estatal em oposição ao avanço das relações de mercado". E, ainda, "opõe-se à direita, aos conservadores". Ou seja, um esquerdista é um cidadão comprometido com o social, preocupado em não deixar que o mercado transforme a humanidade em gado. O que este, convenhamos, já conseguiu, né? Portanto, há muita gente por aí que é, sim, um esquerdista, embora rejeite o adjetivo. Mas, se o problema é a palavra, tá na hora de resgatar seu uso real.

Até porque atualmente tem ocorrido exatamente o contrário no que se refere à direita. Os direitosos já há algum tempo vêm pondo as manguinhas de fora. Perderam a vergonha. Embora o "filósofo" Pondé assuma que ser de direita é sinônimo de não pegar mulher, essa facção da sociedade tem se sentido cada vez mais à vontade pra pregar a união entre os desunidos. Sim, porque todos sabemos que um direitista é um individualista, um egoísta, um ser que quer mais é que o outro se dane, bombas caiam a sua esquerda, chacinas dizimem fulanos que moram atrás de seu condomínio, desde que, é claro, nada disso respingue nele nem em sua mui saudável prole. Dessa forma, tendo ele essa linha de raciocínio, é óbvio que encontra dificuldades em se unir ao outro, pois mesmo outro direitista não significa exatamente um colega.

Aproveitando a frase do Aurélio, que diz que um esquerdista "opõe-se à direita, aos conservadores", um direitista é isso: um conservador. E, como a própria palavra diz, um conservador é aquele que quer... conservar. Ou seja, ele  tem! Sua satisfação e, consequentemente, seu objetivo são manter as coisas coisas do jeito como estão e conservar tudo o que conquistou ou, em grande parte dos casos, herdou. Pra tanto, precisa se posicionar num campo em que toda e qualquer mudança seja rechaçada. Em sua mente mesquinha, conservar o que é dele é sinônimo de conservar também o outro em situação de não poder adquirir o que não tem, pois, quando este adquire, fatalmente aquele perde. Como diz o "clássico" da MPB, cada um no seu quadrado.

Um direitista é um cara que se crê iluminado, acha que o detalhe de ele ter nascido numa família de posses o faz superior ao outro e lhe dá direitos naturais que devem ser negados aos das camadas inferiores. Porém, pior que este é aquele direitista que, tendo sido exceção, conseguiu ascender socialmente e, digamos, virou a casaca, passou a cuspir em seu passado, querendo ser igual ao direitista de berço. Daí que acaba se tornando mais radical ainda que aquele, a ponto de não querer nem mesmo ter um contato mínimo com a parentada que continuou pobre, por medo de que possa ser "contaminado" e, quem sabe, perca o que conquistou. Pra esse sujeito, a pobreza é uma doença, ou, pior, um sinal evidente da preguiça do outro, pois este aprendeu que quem trabalha vence na vida. Logo, se o outro não venceu...

Agora, o que me deixa mais estupefato é o direitista intelectual, principalmente quando este se dedica ao jornalismo. Gosto de ler um ou outro desses exemplares porque tais indivíduos me dão vontade de rir. Não vou nem falar da própria aparência que alguns deles têm, pois ninguém é culpado de ter feições um tanto fora de esquadro (e eu mesmo não posso falar muito sobre tal); basta centrar na (falta de) argumentação. A maioria desses caras transformou a frustração em fonte de renda. Ou seja, eles não apontam soluções, e não as querem. Lembrem-se de que são conservadores. Portanto, a argumentação de tais fulanos está baseada em criticar a outra extremidade. Eles são duros, cínicos, arrotam seu conhecimento literário e seu português casto; em vez de dialogar com o opositor, preferem desqualificá-lo.

E, pior: são vesgos. Apontam com o dedo inquisidor o pó da casa dos esquerdistas, mas tiram os óculos pra não ver a montanha de lixo mal-escondido debaixo do tapete dos direitistas, mesmo correndo o risco de tropeçar nela. Cacarejam apontando os erros dos governos socialistas, mas não estão nem aí pra miséria no mundo. Bolsas, cotas? Que absurdo! Quem não trabalha é vagabundo ou burro, pois não estudou. Talvez a grande diferença entre a direita e a esquerda seja a de que esta comete erros, mas no intuito de tornar o mundo mais justo; já aquela, como é cética, não quer mudar nada, só atirar pedras em quem erra tentando. Por essas e outras é que, sim, ainda me considero um esquerdista. O que mais me dói, contudo, é saber que a direita, apesar de ter devolvido nosso país à democracia, conseguiu, ao menos, fazer que a política abolisse ideologias.

Daí o conceito de esquerda ser hoje obsoleto. Só que não.

***

PS. Assisti à entrevista que a presidente Dilma Rousseff concedeu ao Jornal Nacional e, apesar de não ter visto nenhuma novidade, fiquei surpreendido pelo destempero do sr. William Bonner. Durante as entrevistas anteriores, a dupla de âncoras, no intuito de parecer neutra, chegou a ter momentos de agressividade, mas esta fora claramente protocolar. Já no caso da entrevista com a presidente, a neutralidade foi pras cucuias, e o tom foi nitidamente de agressividade em todas as perguntas, algumas das quais, extensivas e repetitivas. Sem falar na falta de educação de cortar frequentemente a entrevistada e pôr palavras em sua boca. Mas Bonner, todos sabemos, não é de hoje que demonstra ser um perfeito capacho da emissora em que trabalha. Se alguém, de modo imparcial, o viu em ação, terá percebido que conseguiu o oposto do que pretendeu. O que me entristeceu foi constatar que a tal da Patrícia, de poeta, não tem nada.

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2 comentários:

  1. Léo
    Taqueospariu...
    Se eu não tivesse preguiça e tivesse capacidade, escreveria exatamente isso.
    Abs

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    1. Hahaha! Isso é que é elogio, Moreirinha!

      Abraçaço,
      Léo.

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