quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Canções que Amo: 1) Adolar Marin; Rafael Alterio + Kléber Albuquerque; e Sonekka + Ricardo Soares + Zé Edu Camargo

Acabado o arranca-rabo eleitoral, serei cavalheiro ao menos esta vez e não tripudiarei sobre os derrotados (se bem que essa passeata que houve na Paulista pró-ditadura era digna de umas considerações, mas posterguemo-las). Virando a página, pois, venho por esta dizer que ora inauguro nova coluna em meu bloguinho, esta dedicada a canções que, como bem diz o nome, amo. Mas vou me empenhar pra fugir do lugar-comum e procurar trazer novidades, lados B, enfim, canções menos conhecidas do grande público. A ideia é que esta coluna seja uma espécie mais focada de Grafite na Agulha, ou seja, com a agulha direcionada mais especificamente às canções que a discos como um todo. E, a exemplo da Trinca de Copas e da de Ouro, sempre de três em três. Simbora!

1) APOCALIPSE

Cisma (2012)
Ser um hitmaker não é pra qualquer um. Estou lendo a biografia de Sérgio Sampaio, pela qual fiquei sabendo que, após o inesperado sucesso de Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, foram tantos os pedidos que ele recebeu pra compor um Bloco 2 (até o Rei lhe pediu), que o moço de Cachoeiro não aguentou o tranco e pirou o cabeção, entrando num caminho autodestrutivo. E, mesmo tempos depois, após um casamento que o abrandou por uns tempos, nos shows se recusava a cantar seu maior sucesso. Cito esse exemplo pra valorizar ainda mais a arte de Sonekka. O cara é tão craque, que se dá o luxo de gastar sua galinha de ovos de ouro fazendo canções às dúzias. Já o critiquei por isso, mas, como dizia o supracitado Sampaio, "quem manda em mim sou eu, quem manda em você é você".

No mais, acho que nem Sonekka tem a fórmula. Imagino que ele não saiba, quando começa uma canção nova, o que vai resultar daquilo. Talvez os hits lhe surjam mesmo desse ofício de exercer a teimosia. Mas a verdade é que conheço poucos com tantas canções de indiscutível qualidade e que, ao mesmo tempo, grudam no ouvido. E ele tem a capacidade de, por meio de sua melodia, valorizar letras menores. Não é o caso desta. Aliás, não é o caso destes. Afinal, Ricardo Soares é um camarada de quem não conheço nenhuma canção feia. Seja só ou em parceria, o cara é fera, daqueles que conseguem fazer mais com menos. E, pra completar o tripé, Zé Edu Camargo é um baita letrista que encontra nas melodias de Sonekka o casamento perfeito pra transformar suas letras em pérolas. Se separados esses três já dão o que cantar, juntos então...

Sinceramente, se o Brasil estivesse à altura de seus compositores, esse trio já estaria rico de tanto essa canção tocar no rádio. Comprovem:

APOCALIPSE

O céu fica mais azul a cada dia
Quando no meu canto eu canto o meu blues
Se no sul há tornados a varrer
Eles nascem aqui dos meus suspiros

Terremotos abalam o Japão
Quando sozinho eu chuto pedras na rua
E quando eu penso em você e eu
Surgem nuvens no céu e manchas na lua

Todas as minhas lágrimas correm pro mar
Por isso que o mar é salgado, meu amor, 
De tanto eu chorar

Você foi embora, levou o meu sono
E fez um rombo na camada de ozônio
É um tsunami, é o fim do mundo
Ou apenas um delírio profundo*


*Este "profundo" é à revelia de Ricardo Soares, que conste dos autos.

***

2) LOGRADOURO

Pescador da Lua (2003)
Não lembro onde foi nem quando, recordo apenas que, quando ouvi essa canção pela primeira vez, fiquei em choque. Na hora, confidenciei a mim mesmo que acabava de ouvir uma das canções mais maravilhosas jamais compostas. Senti um misto de deslumbramento e inveja, afinal, como nunca escondi, sou dado a invejas... mas só as musicais. Tô me lixando se fulano tem um carrão ou um baita apartamento, mas se beltrano faz uma canção mortal, fico completamente fora de mim. Mas é uma sensação fantástica, a pontinha de inveja vira apenas a dorzinha necessária pra que o prazer seja, como diria meu parceiro Fernando Cavallieri, inefável! Ademais, em tempos de ódio o mundo anda precisado de mais canções maravilhosas. 

Quanto à inveja, não careço de análise, resolvo a questão tentando compor algo melhor. Raramente consigo, mas ouvir uma bela canção que nos desperta a criatividade é um duplo presente. Não à toa, quando vou a shows de artistas que admiro, sempre levo comigo papel e caneta, pois sei que é grande a possibilidade de sair dali com alguma ideia de letra. Outro hábito que desenvolvi pra acalmar o coração é tascar nessas canções uma versão em espanhol. Foi o caso desta, mas, confesso, não consegui superar a beleza da original. Aliás, não é segredo que considero Rafael Alterio um dos melhores melodistas da canção brasileira contemporânea. Portanto, juntando sua arte com a de Kléber Albuquerque, outro gênio de nosso cancioneiro, o resultado não poderia ser outro. Ambos deviam fazer mais parcerias, pois a química que possuem é imbatível.

LOGRADOURO

Canaã, Teerã, Ceará
Algum canto dessa terra
Um chão qualquer, pois tanto faz
Tennesee, Birigui, Bagdá
A paz vai quebrar a perna
Enfim vou alcançar a paz

Você verá
Eu vou ser feliz de dar dó
Vou rir até desaprumar as parabólicas

Você verá
Eu vou ser feliz de doer
Vou ver o sol nascer sem dor nem dó
Em Salvador, Sumaré, Shangrilá
Em cada curva dessa esfera
Na esquina de qualquer lugar

Você verá
Eu vou ser feliz de dar dó
Vou rir até desaprumar as parabólicas

Você verá
Eu vou ser feliz de doer
Vou ver o sol nascer sem dó nem ré
No Cariri, Piauí, Cabrobó
A solidão vai quebrar a cara
Então vou encará-la só

***


3) MIGUILIM

Epílogo (2013)
Ler Guimarães Rosa não é uma atividade fácil; há que se ter treino. É como cavalgar um cavalo bravio: as quedas são muitas. Porém, depois de certo tempo, a cavalgada se torna das mais prazerosas. Portanto, fui, mineiramente, comendo seus livros pelas beiradas. Com Guimarães não funciona aquele papo de começar a ler um autor por sua obra-prima. Pra vocês terem uma ideia, passei uns 15 anos tentando ler Grande Sertão: Veredas. Nunca avançava mais que 30 páginas. Porém, no dia em que atingi a página 31, a mágica se deu. Porém, nesse meio tempo, fui me exercitando com outros livros seus. E foi por meio da leitura de Manuelzão Miguilim que descobri o encanto roseano. Mais especificamente durante a leitura da primeira novela do livro, Campo Geral

Pra mim, Miguilim, personagem central da novela, é uma das figuras mais belas da literatura brasileira. O olhar que o menino lança sobre o mundo a seu redor é tocante e inesquecível. Sempre quis escrever sobre ele, mas nunca fui capaz. E não é que meu parceiro Adolar Marin conseguiu, e belissimamente? Ainda lembro de meu primeiro contato com essa canção. Estava Adolar em minha casa, e, em meio a uma agradável prosa regada a cachaça, eis que ele pega o violão e, à queima-roupa, tasca sua então recém-composta Miguilim. Preciso confessar que chorei de dar dó. Claro, o álcool ajudou, mas não foi só por isso, pois durante a segunda audição, tempos depois, a história se repetiu. Agora é a vez de vocês.

MIGUILIM
Adolar Marin
(por Adolar Marin Trio)

Por mais que eu tente entender,
Que me espante com tudo que veja no mundo
Por mais que eu possa fazer, 
Que ande pelos sertões de meu ser mais profundo

Há sempre uma coisa a saber, 
Um olhar curioso que investiga tudo
Então eu pergunto, 
Questiono e pergunto: por quê?

Por mais que os dias mais lindos, 
Os idos e os vindos me brilhem as retinas
Por mais, as pessoas sorrindo 
Por todos os lados, meninos, meninas

Há sempre uma coisa que pega 
No meio de tudo que acabo sentindo
Então eu pergunto, 
Pergunto e pergunto

Eu sou o Miguilim

Procuro pelo Dito e pelo não dito
Eu sou o Miguilim
Miguilim

Por mais que eu possa fazer, 
Por mais que eu tente entender
Há sempre uma coisa a saber

Eu sou o Miguilim

Procuro pelo Dito e pelo não dito
Eu sou o Miguilim
Miguilim

***

2 comentários:

  1. Lindezas essas músicas, Léo!!!
    Miguilim é realmente uma coooooisa!
    Não conhecia nenhuma dessas canções, diga-se!
    Um beijão,
    Danny.

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    Respostas
    1. Oi, Dannoca!

      Fico feliz em ter te apresentado a elas. Enjoy! E não enjoe! rs

      Beijos,
      Léo.

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