domingo, 17 de maio de 2015

A Palavra É: 4) Verme

O grande problema do mundo é que dá poder aos vermes e tira poder dos homens. Se o que importasse realmente fossem a capacidade, a aptidão de cada indivíduo, tudo estaria nos eixos, cada um desempenhando o papel pro qual veio ao mundo... mas não, sempre há pessoas erradas nas funções erradas, e de olho em seus atos, esperando um vacilo seu pra dizer que o verme é, na realidade, você. Desde sempre foi assim. O poder vinha do berço (e ainda vem, embora mais camuflado), daí o pirralho remelento crescia cheio de afetação e arrogância, achando que o mundo (quadrado) girava ao redor de seu umbigo. Os vermes são assim: arrogantes, traiçoeiros, covardes. Vez em quando, até se fazem de bonzinhos pra ganhar a confiança de quem está abaixo deles, mas basta um deslize e verá como rosna um verme como se fosse uma fera.

O verme, quando sobe, tem dificuldade em cumprimentar quem está abaixo dele, talvez pelo motivo de não querer se lembrar do buraco de onde veio. O verme não olha nos olhos do interlocutor por medo de que este descubra quem na verdade ele é. Por isso o verme chafurda na lama de seu sucesso eternamente amedrontado, como um ator que sabe que está aquém de sua personagem e ainda assim aceita o papel. Os vermes me dão vontade de vomitar. Conviver com vermes me faz quase me sentir um deles. Por isso, às vezes, quando me puxam o tapete e a casa cai sobre mim, sinto-me quase feliz, pois sei que vou ter a paz de espírito de me ver livre de ao menos esses vermes de hoje. O triste é que vermes os há por todas as partes, daí que cedo ou tarde nos deparamos com mais deles.

Um verme é uma espécie de empata-foda. Veio ao mundo pra dificultar ao homem seu acesso ao que é seu. O verme não fode, não sai de cima, nem deixa o homem foder (só se foder). O verme ostenta sua mulher, não a considera sua igual, mas apenas um acessório que vai lhe dar brilho. O verme é aquele que critica seu erro, mas não o sabe consertar. Fala grosso e alto pra impor respeito e, assim, sufocar seus próprios medos. O verme é um professor analfabeto, é um maestro que não sabe ler partitura, é um técnico de futebol que era ruim no vôlei, é um escritor que não sabe escrever três palavras sem errar a concordância ou a vírgula (ou ambas), em suma, é o que sempre mandou pelo simples fato de nunca ter sabido fazer. É o que só se sente superior quando te humilha.

O verme é aquele que sonha em ser o dono da empresa e faria todo o possível pra estar no lugar do patrão, mas, enquanto não encontra uma artimanha pra isso, gasta seu tempo treinando em desbancar quem está abaixo dele hierarquicamente. O verme fala mal do país e não vê que o país está mal porque produz milhões de vermes como ele em cargos dos mais altos escalões. O verme não dorme, ou, se dorme, fá-lo com um olho aberto. Por quê? Porque, se não confia nem nele mesmo, como pode confiar na pessoa com quem compartilha a cama? Vai que num descuido ele ronca e um punhal se crava em seu coração... O verme mais morre de medo de morrer quanto menos tem vida própria. Afinal, o verme não passa de um mal necessário ao sistema capitalista, pra que tudo continue como está. O verme é a ordem do caos.

O verme é o protetor dos fortes e opressores. Estufa o peito tal qual um pombo, é vaidoso de sua mediocridade. Tem cabelos sebosos pra combinar com o ser gorduroso que é. Se resolve escrever um poema, o mais reles deles, olhará o papel milhares de vezes e, com lágrimas nos olhos, recitará em voz alta a merda que acaba de fazer empostando a fala e caprichando na dicção como se fosse um grande ator interpretando Shakespeare. O verme é um perigo quando se mete a fazer arte! Um verme cantando é o apocalipse. Escrevendo, é garrancho em língua morta. Atuando, transforma tragédia em comédia (e vice-versa). O verme, na verdade, nem tem culpa de ser verme, afinal cada um é o que é. Ele bem que tenta ser diferente, mas, em qualquer coisa a que se dedique, continuará sendo... verme.

Ele só estará plenamente realizado quando tiver transformado toda a humanidade em uma legião de vermes, assim se sentirá um monarca, porque, ao passo que todos os outros terão aprendido a ser vermes, ele, ao contrário, será um verme de nascimento; ser verme está em seu DNA, será, pois, um verme com selo de qualidade, aquele que dirá que o original sempre será superior à imitação. Nesse dia, poderá recitar, cantar, dançar, fazer chover, o caralho a quatro, e, em tudo o que fizer, será melhor que os demais, pois será o original. O verme sonha com o socialismo dos vermes, aquele em que todos se nivelarão por baixo, no qual cada ser humano terá o direito de fazer tudo, qualquer coisa que lhe dê na veneta, desde que não seja o que sabe fazer.

Desculpem o desabafo. Hoje, tomei até a liberdade de escolher eu mesmo a palavra sobre a qual escreveria. Faço isso pra não me transformar eu também em verme. Visto que ando nuns dias em que temo acordar e me ver convertido numa barata, como o Gregor Samsa d'A metamorfose de Kafka. Escrever pelo menos me faz vomitar meus vermes em vez de deixá-los dentro de mim, crescendo como se fossem solitárias. Claro que sei que tudo isso é inútil, os vermes continuarão sendo vermes e, como tais, continuarão se proliferando; mas, se a vida é uma eterna luta perdida contra a morte, sigo no meu direito de lutar contra moinhos enquanto a lucidez que o delírio me dá me permite. No mais, não estou ofendendo ninguém. O verme sabe que é verme, e quem não é verme sabe identificar um só de bater o olho nele.

Mas, além do verme há o alarme, o blastoderme, o conforme, a derme, a epiderme, o firme, o germe, o Hermes, o inerme, o juliforme, o leucoderme, o multiforme, o numiforme, o Osbourne, o paquiderme, o quer-me, o rir-me, o sentir-me, o trouxermes, o uniforme, o ver-me, o xantoderme, o zoniforme e uma série de outras rimas feias pra dedéu, que uso só pra combinar com o tema. Mas, sejamos honestos, o verme tem lá seus talentos. Afinal, vencer na vida sem saber fazer absolutamente nada não é pra qualquer um! O verme, apesar de parasita, costuma viver do próprio trabalho, que consiste em fazer dinheiro à custa do suor alheio. Sua força reside na falta de caráter, qualidade que o faz se adaptar magnanimamente a qualquer tipo de situação. A diferença entre o homem e o verme é que aquele não precisa deste, já este vive daquele.

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PS: Trilha sonora — TitãsBichos Escrotos (Nando Reis – Arnaldo Antunes – Sérgio Britto)


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6 comentários:

  1. Oi Queridão,
    Só mesmo você para escrever e descrever tão bem certas personalidades. Mas, vi um comentário de um leitor, tão azedo e pesado a respeito dessa raça, que vou bem ali tomar um vermífugo (sem receita médica)! Beijos

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    1. Oi, queridona!

      Eles estão por toda parte. Devemos ter os olhos bem abertos, pois basta um momento de distração pra tropeçarmos num.

      Beijos,
      Léo.

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  2. Eita, Léo!
    Espero nunca me ver, como verme.
    Escolho os caminhos para isso, mas às vezes dá um medo de me perder....rsrsrsrs.

    Texto ótimo!

    Beijão e sucesso, sempre e cada vez mais.

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    1. Oi, Vanessinha (pode me chamar de Leozinho, não vai ser um MC da vida que estragará o prazer do diminutivo. rs)!

      E veja que você, sem querer, compôs um quase anagrama (tinha escrito palíndromo, depois editei. rs): "me ver"/"verme". Tá vendo? Da pra se fazer arte até de verme. Hahaha!

      Beijos,
      Léo.

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  3. kkkk...Ah! Tá bom Leozinho.
    Quaaaase, sem querer.....rsrsrsrsrsr!
    Adoro anagrama, de vez em quando faço até umas coisas.
    Se você tivesse escrito palíndromo eu teria ido buscar o significado, mas aí eu fui de um jeito ou de outro......sou dessas....kkk.

    bjbj

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    1. Hahaha! Eu também. O pai dos burros é um de meus livros mais procurados. rs

      Bj,
      Léo.

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