quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Trinca de Ouro: 9) Dany López (com Zeca Baleiro), Gabriel de Almeida Prado e Tavito

1) CAJA NEGRA

Preciso tomar cuidado ao começar a falar sobre este querido cantautor e multi-instrumentista uruguaio chamado Dany López, senão não paro mais. Já escrevi sobre ele por aqui em diversas oportunidades (quem quiser saber mais sobre o muchacho e sobre como nos conhecemos, clique em seu nome), portanto dessa vez vou me ater a nossa parceria. Dany foi um cara que me abriu uma puerta importante, pois foi o primeiro nativo de língua espanhola que se aventurou a musicar uma letra minha no idioma dele. Na verdade, após me conhecer, Dany gostou de minhas letras em português (sim, ele se vira bem na língua de Camões) e me pediu que lhe enviasse alguma pra que ele tentasse musicar.

Orgulhoso pelo convite, pensei com meus botões: "Por que não lhe enviar uma na língua dele?" O problema era que, na época, eu não tinha nenhuma. Resolver a questão foi razoavelmente simples: escolhi uma de minhas muitas letras e a verti pro espanhol. Assim, concluí, ele, em vez de uma, ganharia duas, além da possibilidade de cantá-la nos dois idiomas. O processo de feitura é que não foi tão fácil assim; na época, meu traquejo em espanhol não era lá essas coisas (ainda não é), mas o desafio me seduziu; no mais, escrever é sempre mais fácil que falar (ao menos pra mim). Pus mãos à obra e, pouco tempo depois, havia chegado a um resultado bastante interessante. 

Mandei-lha, com muitas expectativas, mas poucas esperanças, e não é que em pouquíssimo tempo ele me enviou uma gravação com nossa Caja negra? E mais: alguns anos depois, avisou-me que a estava gravando em seu disco novo e me perguntou se eu poderia intermediar uma participação de Zeca Baleiro. Sua ideia era que o moço das balas cantasse um pedaço em português. Convidei-o, ele ouviu a canção, gostou e aceitou o convite, mas com um pedido: havia gostado mais da versão em espanhol, a qual preferia cantar. Não posso esconder que me senti envaidecido. Acompanhei, inclusive, a gravação, dando uns pitacos de vez em quando, pra deixar sua interpretação mais, digamos, "uruguacha". Consegui, contudo, que ele recitase uma estrofe em português, como vocês notarão.

Este mês, lá em Montevidéu, Dany lança seu segundo disco, Polk (uma mistura, segundo ele, de pop e folk-lore), e deve cantá-la. Mas, pra quem não estiver por lá (e pra quem estiver também; por que não?), segue a gravação do disco – ah, visite seu blogue e saiba mais sobre esse hermoso trabalho (aqui).


CAJA NEGRA
Dany López – Léo Nogueira

Cuando todo acabe, salgo andando
Tranquilo, a mi lado el acaso
También cuando estoy solo, voy en bando
No tengo rabo preso, no tengo sueño raso

Aún me restan cielo, puentes, plazas
El pie, el pozo, el polvo, encrucijadas
El horizonte que allá me abraza
El resto, no me cuentes; yo sigo mi pisada

Voy a abrir mi caja negra
A silbar para la luna
La vida sin reloj me alegra
Cuando todo acabe… la calle es oportuna

Morada es lo que va con uno
Mirada es la cola del cometa
Quien no tiene un hogar, experimente:
Atajo es ir en frente, desvío es línea recta

Voy a abrir mi caja negra…

***

2) MARAVILHAS NO PAÍS DE ALICE

Já escrevi sobre Maravilhas no País de Alice (aqui) pouco tempo depois que eu e Gabriel de Almeida Prado a havíamos composto. Volto a ela agora porque chegou da prensagem há alguns dias A Língua e a Alma, primeiro disco do mano Prado e no qual essa canção está inserida. Na época de sua feitura, publiquei uma gravação caseira, agora todos podem ouvir o resultado final. Vou só resumir como ela veio ao mundo. Aliás, vir ao mundo é um termo acertado, pois se não tivesse vindo ao mundo também sua musa inspiradora, Alice, nossa canção, naturalmente, não teria existido.

Alice é sobrinha de Gabriel; e a sugestiva escolha do nome por seus pais me deu a ideia de brincar um pouco com ele, subvertendo a narrativa do famoso romance juvenil Alice no País das Maravilhas. Em princípio, eu havia composto a letra como um soneto no qual não constava o nome Alice, apenas sonoramente ("ali se"), mas, quando Gabriel o musicou e me mostrou, o resultado da melodia exigia que fizéssemos umas alterações na forma, de modo que abandonei a ideia do soneto em prol da canção. E, a pedido de Gabriel, o nome foi incluído na letra, e, como vocês poderão ouvir, de forma bem categórica. Pra finalizar, queria apenas deixar registrado como me faz bem o ato de compor, principalmente em casos como este, em que a canção serve também como presente de boas-vindas pra um novo ser. A ela, pois:


MARAVILHAS NO PAÍS DE ALICE
Gabriel de Almeida Prado - Léo Nogueira

Mas e se você fosse por ali, Alice
Atrás do toque desse tique-taque
Ali! Se você fosse por ali, Alice,
Atrás. Se toque nesse tique-taque
Num buraco calhasse de cair
Pra ir atrás de seu coelho de fraque

Mas se você tratasse de crescer, Alice
E, de repente, não coubesse em si
E ali, se se tratasse de crescer, Alice,
O de repente é não caber em si
Perdida na floresta do viver
Sem chaves, mas com mil portas... que abrisse

E ali, se você vir por entre a fresta
Tem gatos, lebres, loucos nessa festa
Crescer é mais difícil que ser filha
Porém, você é mais que o seu tamanho
E embora o que eu disser pareça estranho:
O mundo é mau, mas é uma maravilha...
Alice

***

3) PONTO FACULTATIVO

Concretizar uma parceria com Tavito foi pra mim a realização de um sonho. Ele foi o primeiro parceiro com projeção nacional que teve a humildade de olhar pra baixo e perceber talento em meus rascunhos. Claro que contei com um importantíssimo empurrão da também parceira Clarisse Grova, quando ambos moravam no Rio e ela costumava participar de seus shows. Tavito, com sua habitual generosidade, abria espaço pra que Clarisse interpretasse uma ou outra canção dela, que, como cantasse sempre alguma parceria nossa, foi fazendo-o tomar conhecimento de significativa parcela de meu trabalho antes mesmo de me conhecer. Daí, quando nos conhecemos, em realidade já nos conhecíamos, pois somos da classe de compositores que têm o hábito de se revelar em suas canções.

Pouco tempo depois, já em São Paulo (havia me encontrado com ele por vez primeira num evento no Rio) enviei-lhe uma letra e fui cuidar da vida. Até que, certa madrugada, ao abrir o e-mail, deparei-me com meus versos transformados numa linda e doída canção que me levou às lágrimas e foi a primeira entre um punhado de belas irmãs. No entanto, como Tavito segue sendo um compositor ativo e com um invejável time de parceiros (graças a Deus!), tive que esperar um pouco pra ter outro sonho realizado: ver uma de nossas parcerias ser gravada por ele, o que aconteceu em seu mais recente trabalho, o luminoso Mineiro. E é justamente de lá que extraio a gravação que segue:


PONTO FACULTATIVO

Hojea noite não galopa
Com a lua na garupa
Ao contrário, a noite chora
As estrelas não têm brilho
E o poeta, sem idílio,
Joga poesia fora

A cidade está opaca
O mar, alto, de ressaca,
Verte as dores na avenida
Protestante não protesta
Não há velório nem festa
E anda, a bela, adormecida

O seu vigário não reza
Não tem cor, a natureza
Nem um vira-lata uiva
Segue, a lua, na penumbra
A beleza não alumbra
Nem com cabelos de ruiva

A madrugada é baldia
O silêncio é melodia
Que adia o clarão da aurora
É ponto facultativo
Hoje eu não morro nem vivo
Porque você foi embora
(Por que você foi embora?)

***

4 comentários:

  1. Ah! muito bom Léozinho!
    Traduzi (+/-) a letra, dessa com o Dany, achei linda e a voz dele também, do Zeca não preciso falar, né?
    As outras duas são ótimas, com o Gabriel e com o Tavito!

    bjbj e sucesso!

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