Sinto uma legítima inveja quando vejo algum barbado (refiro-me a um adulto; a barba aqui no caso é pura retórica) contar com riqueza de detalhes sobre períodos ou passagens de sua infância. Eu não vivi minha infância. Melhor dizendo, eu não me lembro de ABSOLUTAMENTE NADA de minha infância. Quando revejo velhas fotos, fico deveras assombrado ao ver aquele moleque que, dizem, eu fui em situações e locais sobre os quais não me vem a mais vaga lembrança. Pior, muitas vezes me autoengano, sugestionado por parentes que contam sobre esse ou aquele fato, e com tamanha familiaridade, tanta proximidade, como se tais fatos tivessem ocorrido ontem, que chego mesmo a acreditar que me lembro deles(!).
Mas a verdade mais verdadeira é que eu NÃO me lembro deles. E, já que estamos falando em sinceridade, muitas vezes cheguei a pensar que sou uma espécie de ET, uma ex-vagante massa disforme e gasosa, uma alma pelada, enfim, um invasor de corpo. Manjam aquele livro (que depois foi levado às telas) chamado Invasores de Corpos? Numa cidadezinha de interior, de repente algumas pessoas passam de repente e sem nenhum motivo aparente a ter um comportamento estranho, e uma determinada personagem começa a suspeitar (suspeitas que se confirmarão depois) de que na verdade essas pessoas tiveram seus corpos invadidos por algum espírito ou entidade alienígena. Pois bem, tenho as mesmas suspeitas de que foi meu caso.
Um belo dia, pré-adolescente, meti-me neste corpo que ora me pertence. Como cheguei a essa conclusão? Fácil: um dia, na escola, durante um jogo de futebol, vi-me de repente na posição de goleiro e comecei a agarrar as bolas mais difíceis, os chutes mais violentos à queima-roupa, se não me engano defendi até mesmo um pênalti. E, ao final da partida, fui abraçado por meus companheiros de time, tratado como um herói. E o quico? É que essa é minha primeira lembrança genuinamente viva, como se eu tivesse estado em coma e de repente despertasse. Tudo é meio nebuloso, não é uma recordação nítida, mas é minha, sou eu ali agarrando no gol. E lembro mesmo que saí da partida com os joelhos esfolados, pois se tratava de um jogo de futebol de salão – e em quadra de cimento.
Talvez Freud explique e a autoajuda dê dez segredos pra solução do problema, talvez seja um bloqueio causado por algum trauma de infância, um bullying mal-absorvido etc., mas, na real, eu tô convencido de que sou um invasor de corpo. Ao contrário de um abduzido, sou o que aduziu. E o mais triste é que me considero uma espécie de criminoso que, não podendo voltar atrás em seu crime, se autoflagela, penalizado pela vítima, no caso a inocente criança que morava aqui antes de mim. Pra onde terá ido? Terá sido dolorosa a desencarnação? Terá sido a fórceps ou terá rolado uma compensação significativa na vida eterna pós-matéria do impúbere pixote? Morará ele agora no purgatório pagando pelos pecados de seus antepassados ou terá subido sem escalas pro pavimento superior?
Tudo são dúvidas. E tenho cá pra mim que esse é o motivo pelo qual sempre me achei um sujeito um tanto desencaixado dentro desse mecanismo que é o viver em sociedade. Fosse na escola, no trabalho, e mesmo na vida familiar, as lembranças que guardo num baú antigo no sótão do cérebro (naturalmente posteriores a meu 7 de setembro particular, que foi aquele jogo de futebol) são em sua maioria de frustrações, humilhações, desajustes, inadequações, como se eu fosse uma livro de gramática numa aula de matemática ou, pior, uma personagem (menor, claro) de Cervantes numa propaganda de refrigerante. É assim, quero me adaptar, mas sinto a falta de meia dúzia de parafusos que caíram em desuso, não fazem mais parte do padrão de produção. Resumindo: sou um ET!
E – horror dos horrores! – se a infância daquelas fotos é de outro sujeito, cadê a minha? Onde estão registradas as lembranças da infância que tive num planeta distante qualquer em outro corpo, com outros pais, numa realidade paralela? Terei vindo de Krypton? Serei um Superman às avessas? Terei bebido muito chá de kryptonita e por isso hoje sou o mais fraco dos human... digo, dos extraterrestres? Meu planeta terá sucumbido numa explosão e serei o último de minha espécie? ... Pensando bem, não terá sido algo a se lamentar. Ah, agora entendo o motivo pelo qual, nos filmes de ficção científica, sempre torci pelos alienígenas.
Aliás, vocês, humanos, são muito cruéis com essa mania tola de achar que sempre que são os mocinhos. Com uma ou outra honrosa exceção, a incontestável verdade é que faltam na vasta obra cinematográfica mundial filmes sob a ótica dos meus. Sempre os extraterrestres são os vilões e os estadunidenses saem à caça pra salvar a humanidade. Que empáfia! E quem salvará os marcianos? Onde é que tá nossa Sigourney Weaver, nosso John Wayne, nosso 007? Mas vocês não perdem por esperar! Se a vida imita a arte, cedo ou tarde será a vez de meus irmãos virem me buscar, e aí não haverá mocinho hollywoodiano que impeça. Será como num samba que diz que "no dia em que o morro descer e não for Carnaval, ninguém vai ficar pra assistir o desfile final". E esse dia não tarda! Nem que a nave chegue pilotada por Luke Skywalker ou Jesus!
Mas a verdade mais verdadeira é que eu NÃO me lembro deles. E, já que estamos falando em sinceridade, muitas vezes cheguei a pensar que sou uma espécie de ET, uma ex-vagante massa disforme e gasosa, uma alma pelada, enfim, um invasor de corpo. Manjam aquele livro (que depois foi levado às telas) chamado Invasores de Corpos? Numa cidadezinha de interior, de repente algumas pessoas passam de repente e sem nenhum motivo aparente a ter um comportamento estranho, e uma determinada personagem começa a suspeitar (suspeitas que se confirmarão depois) de que na verdade essas pessoas tiveram seus corpos invadidos por algum espírito ou entidade alienígena. Pois bem, tenho as mesmas suspeitas de que foi meu caso.
Um belo dia, pré-adolescente, meti-me neste corpo que ora me pertence. Como cheguei a essa conclusão? Fácil: um dia, na escola, durante um jogo de futebol, vi-me de repente na posição de goleiro e comecei a agarrar as bolas mais difíceis, os chutes mais violentos à queima-roupa, se não me engano defendi até mesmo um pênalti. E, ao final da partida, fui abraçado por meus companheiros de time, tratado como um herói. E o quico? É que essa é minha primeira lembrança genuinamente viva, como se eu tivesse estado em coma e de repente despertasse. Tudo é meio nebuloso, não é uma recordação nítida, mas é minha, sou eu ali agarrando no gol. E lembro mesmo que saí da partida com os joelhos esfolados, pois se tratava de um jogo de futebol de salão – e em quadra de cimento.
Talvez Freud explique e a autoajuda dê dez segredos pra solução do problema, talvez seja um bloqueio causado por algum trauma de infância, um bullying mal-absorvido etc., mas, na real, eu tô convencido de que sou um invasor de corpo. Ao contrário de um abduzido, sou o que aduziu. E o mais triste é que me considero uma espécie de criminoso que, não podendo voltar atrás em seu crime, se autoflagela, penalizado pela vítima, no caso a inocente criança que morava aqui antes de mim. Pra onde terá ido? Terá sido dolorosa a desencarnação? Terá sido a fórceps ou terá rolado uma compensação significativa na vida eterna pós-matéria do impúbere pixote? Morará ele agora no purgatório pagando pelos pecados de seus antepassados ou terá subido sem escalas pro pavimento superior?
Tudo são dúvidas. E tenho cá pra mim que esse é o motivo pelo qual sempre me achei um sujeito um tanto desencaixado dentro desse mecanismo que é o viver em sociedade. Fosse na escola, no trabalho, e mesmo na vida familiar, as lembranças que guardo num baú antigo no sótão do cérebro (naturalmente posteriores a meu 7 de setembro particular, que foi aquele jogo de futebol) são em sua maioria de frustrações, humilhações, desajustes, inadequações, como se eu fosse uma livro de gramática numa aula de matemática ou, pior, uma personagem (menor, claro) de Cervantes numa propaganda de refrigerante. É assim, quero me adaptar, mas sinto a falta de meia dúzia de parafusos que caíram em desuso, não fazem mais parte do padrão de produção. Resumindo: sou um ET!
E – horror dos horrores! – se a infância daquelas fotos é de outro sujeito, cadê a minha? Onde estão registradas as lembranças da infância que tive num planeta distante qualquer em outro corpo, com outros pais, numa realidade paralela? Terei vindo de Krypton? Serei um Superman às avessas? Terei bebido muito chá de kryptonita e por isso hoje sou o mais fraco dos human... digo, dos extraterrestres? Meu planeta terá sucumbido numa explosão e serei o último de minha espécie? ... Pensando bem, não terá sido algo a se lamentar. Ah, agora entendo o motivo pelo qual, nos filmes de ficção científica, sempre torci pelos alienígenas.
Aliás, vocês, humanos, são muito cruéis com essa mania tola de achar que sempre que são os mocinhos. Com uma ou outra honrosa exceção, a incontestável verdade é que faltam na vasta obra cinematográfica mundial filmes sob a ótica dos meus. Sempre os extraterrestres são os vilões e os estadunidenses saem à caça pra salvar a humanidade. Que empáfia! E quem salvará os marcianos? Onde é que tá nossa Sigourney Weaver, nosso John Wayne, nosso 007? Mas vocês não perdem por esperar! Se a vida imita a arte, cedo ou tarde será a vez de meus irmãos virem me buscar, e aí não haverá mocinho hollywoodiano que impeça. Será como num samba que diz que "no dia em que o morro descer e não for Carnaval, ninguém vai ficar pra assistir o desfile final". E esse dia não tarda! Nem que a nave chegue pilotada por Luke Skywalker ou Jesus!
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Adorei, Léozíssimo!
ResponderExcluirO planeta é Criativus.
Valeu, Nessinha, conterrânea! rs
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