segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Crônicas Desclassificadas: 179) O homem e seu toque – um Midas ao contrário

Devia haver uma lei que proibisse o homem de se utilizar das coisas. Estas, em geral, são belas, até que vem unzinho qualquer, põe suas mãos sobre elas e... violà! Adeus, beleza! O homem nasceu pra estropiar tudo. É por isso que o mundo anda como anda hoje. A parte mais importante do homem são os olhos, que podem ver e ver e ver à vontade e nem por isso têm o poder de gastar as coisas. As coisas deveriam ficar intactas. Vejamos, por exemplo, o caso da lua. Que linda! Quantas canções de amor já inspirou, e continua lá, bela, impávida, intocável, majestosa. E por quê? Porque o homem não teve a capacidade ainda de pôr suas mãos sobre ela. Quer dizer, fora um astronautazinho mequetrefe que foi lá, fincou uma bandeira e foi embora. E o homem é tão pequeno perto da lua que nem a bandeira dá pra ver daqui.

Mas voltemos pra nosso planeta. Aqui, nada sossega, pois cedo ou tarde lá vai o homem com sua mãozona danificar a beleza. Como no caso da flor. Tão bela quando olhamos pra ela lá paradinha em seu lugar sem mexer com ninguém! Ao contrário, além de bela, ainda nos brinda com seu perfume! Precisa o mentecapto ir lá arrancá-la de seu habitat pra dá-la de presente a alguma pretendente? Dias depois, a coitada murcha e em seguida morre. Uma tristeza... Da mesma forma, acontece com as aves. Lá vai o besta meter as aladas criaturas dentro de uma gaiola pra amenizar a própria solidão. E as pobrezinhas ficam lá reclamando, choramingando ou mesmo grasnando, e o desinfeliz acha que elas estão contentes e cantantes. Insensível criatura!

O homem é uma espécie de Midas ao contrário; tudo o que toca descamba. Até as mulheres definham. La vão elas jovenzinhas, cheirosas, sestrosas, com seus shortinhos cavados que são o verdadeiro design de Deus (né, Costa?), ingenuamente maliciosas, sem saber que basta um daqueles olhares que caem sobre elas conseguir o que cobiça e babau! Tempos depois, perdem o brilho, o vigor, embucham ou embarangam e nunca mais voltam a ser o que eram. Ah, as mulheres! Deviam simplesmente passar, ser vistas e depois virar canção, como a tal da Garota de Ipanema. Se os dois autores gaviões tivessem posto suas garras sobre ela, teriam danificado a escultura, e quem perderia (além dela) seríamos nós, que nos teríamos visto privados dessa lindeza de canção.

Em um guarda-chuva fechado há uma elegância, uma imponência, uma nobreza... Já um guarda-chuva aberto é um estropício babando água por todas as pontas (às vezes, por dentro inclusive); sem falar em quando bate aquele vento indiscreto e expõe as guarda-chuvosas vergonhas diante de todos. Triste ocaso. Quando isso acontece, o ingrato do homem não pensa duas vezes. Joga a carcaça do pobre no cesto de lixo mais próximo, sem nenhum decoro, nenhum respeito. E era uma vez nobreza. Como com um livro. Na estante, que digno está, cheio de pompa com sua lombada vertical. O homem vai lá, o escangalha, o rasura, o rabisca, o rasga, devora seu conteúdo, depois se desfaz dele, cospe no prato que comeu, devolve-o à estante ou, pior, manda-o prum sebo. E minutos depois, sem a menor cerimônia, já está abufelado com outro.

E quanto aos automóveis, motocicletas, bicicletas, triciclos etc.? É um verdadeiro estupro! Veja um maravilhoso carro zero idiotamente se expondo na concessionária, sem saber que poucos anos depois – rodado –, não valerá metade do que vale agora. Sim, porque o homem, em se tratando de veículos, lhes dirige um amor fugaz. Durante um tempo rola até um cuidado, um carinho, mas basta a demonstração dos primeiros sinais de cansaço durante o ato pra que o miserento que se diz seu dono o passe pra frente o mais rápido possível. As motos, então, têm pior sorte, pois são mais usadas e menos amadas e num tempo infinitamente menor. Aliás, o bicho homem já tem esse inato DNA da destruição desde que se entende por gente. Reparem nas crianças e percebam como adoram quebrar tudo o que estiver ao alcance de suas mãos. É mentira, Terta?

E, com o tempo, vão apenas aperfeiçoando a arte. Emporcalham praias desertas, violentam belezas naturais, derrubam árvores, secam rios (ou neles atiram dejetos), envenenam peixes e outros animais marítimos, esterilizam solos, esquartejam animais, asfaltam a terra e não a deixam respirar (depois vêm as chuvas e, com elas, as enchentes), lançam poluentes pelo ar e destroem a camada de ozônio, jogam lixo nos bueiros, atiram pontas de cigarros na calçada... paro? Tô ficando deprimido! Pensemos em coisas visualmente mais bonitas, como as frutas. Observem a imagem saudável de um abacate, depois pense nele só casca e caroço. Ou um coco oco jogado na areia, ou o bagaço de uma laranja partida ao meio. Ou a casca da banana no chão, provável causa de acidentes. Ou...

O homem destrói até seu cérebro, de tanto pensar bobagem. Depois fica gagá, senil, e esquece toda a merda que o fez chegar até ali. Sem falar nos homens que escravizam outros homens depois os despedem e contratam homens mais jovens pra fazer com eles o que haviam feito com os antecessores. E dizem as más línguas que a carga horária de trabalho vai aumentar ainda mais... mas não vou falar de política. Hoje, não, ao menos. Basta dizer que os homens, depois de destruir tudo, apegam-se a Deus canibalisticamente e assim, chamando-o de Pai e, não tendo mais com o que brincar, projetam sua frustração naquele a quem dizem Criador e querem que Ele venha aqui consertar a lambança de seus "filhos". O que não deixa de ser um modo de destruírem quem os criou. Fosse eu Deus, entraria com a contrapartida. E fim!


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PS: Ligeiramente inspirado (não confundir com plagiado) em fragmentos do romance Niebla, de Miguel de Unamuno.


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2 comentários:

  1. Respostas
    1. Jajaja! "El mundo fue y será una porquería ya lo sé." Pero es una maravillosa porquería, verdad?

      Besos,
      Léo.

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