terça-feira, 20 de junho de 2017

Crônicas Desclassificadas: 185) Vale a pena brigar com o público? — para Teju Franco

Meu parça Teju Franco fez show recentemente e, findo o espetáculo, resolveu manifestar via facebook sua desaprovação ante algumas sentidas ausências na plateia, entre elas a minha — ele me havia convidado a recitar algo, porém caí de cama e, bem na hora do show, jazia com quase 39 graus de febre. Mas minha situação não o sensibilizou, assim como as desculpas (esfarrapadas ou não) dos demais faltantes. Imagino que ele deva ter pensado que mentíamos todos, e não lhe tiro a razão, pois admito já ter dado uma desculpa qualquer pra não ir a algum show. Contudo, desta vez não foi o caso, até porque eu já havia dado meu sim. Se não quisesse, ou pudesse, ir, teria dito na lata.

No entanto, o tema não deixa de ser sensível também a mim, então resolvi filosofar um pouco acerca dele. Caro Teju, o público é, em geral (com raras exceções), uma categoria cruel de ser humano. E quanto mais o acuamos mais ele foge de nós. Quando vira obrigação, quando rola uma intimação antes, mesmo que fulano ou beltrano vá ao show, essa atividade envolverá cada vez menos prazer. Será algo como ir ao banco pagar uma conta. Capisci? Público gosta de glamour, de exuberância, coisas que um artista famoso tem mais condições de oferecer. Não tem dó de pagar 200 pilas pra ver um ídolo renomado, mas pensa duas vezes quando o assunto é pagar vintinho pra ver qualquer um dos nossos.

E por quê? A literatura de autoajuda pode nos dar alguma luz. Mesmo os fãs de boa música são às vezes vítimas do medo do fracasso. Ser fã de um artista que lota grandes espaços insere esse mesmo fã num patamar de vencedores. É bonito ser fã de, por exemplo, um Chico Buarque ou um Caetano Veloso e pagar, sei lá, 300, 400 reais (ou mais) pra vê-lo numa dessas tantas casas com nome de banco, tirar selfie durante o show, fazer alguma filmagem, depois (ou mesmo durante) postar nas redes sociais e mostrar pra todos os amigos nosso status de vencedor. É bonito ir a um show e ver a casa lotada. Sentimo-nos fazendo parte dessa casta de privilegiados.

Agora, se somos convidados a ir ver fulano ou beltrano numa casa pequena e correndo o risco de chegar lá e ver meia dúzia de gatos pingados, esse medo do fracasso alheio (que vira também nosso) já é por si só um fator que nos inibe, que nos faz pensar duas vezes antes de sair de casa numa noite fria, enfrentar condução ou pagar um Uber ou ainda um estacionamento... rola o medo de beber e ser pego no bafômetro... ou, pior, e se só for eu de público e o show for cancelado? Muita gente dá uma olhada no evento no face e vê que a quantidade de pessoas que confirmou é ínfima, daí pensa: "roubada!"

É, meu caro Teju, e não há nada que possamos fazer pra lutar contra isso, porque não depende de nossa escolha ser famoso ou não. E você sabe tão bem quanto eu que tampouco depende exclusivamente da qualidade musical do artista. Há muito mané famoso e há muito gênio desconhecido. Mas pro público, se o mané é famoso, é gênio; se o gênio é desconhecido, é mané. E ser um mané é algo quase contagioso, é como se fosse uma lepra. Tanto que já percebi que alguns parceiros meus que galgaram alguns degraus na escadaria da fama fizeram o possível e o impossível pra se afastar dos que ficaram lá (aqui?) embaixo.

Não sei se é apenas o público que é cruel, eu poderia dizer que, antes, ele é vítima desse mecanismo de lavagem cerebral. Pense você: todos os seus amigos vão ver aquele cara chato, com voz esquisita e letras papo-cabeça e você não vai? Você vai ver aquele anônimo... e sem companhia? Público gosta de muvuca, de badalação. O que explica, por exemplo, o sucesso de uma casa é ela estar sempre cheia. Daí, o boca a boca faz o resto. Agora, se uma casa está sempre vazia, isso é sinal de que ela vai continuar vazia, pois quem passar em frente dela vai suspeitar de que algo não anda bem lá dentro. Simples assim. Já o fazer enchê-la é que são elas...

Mas não adianta choramingar. Nós fazemos o que sabemos e não temos muita escolha. Talvez, a busca pelo profissionalismo seja um diferencial. Às vezes, vemos o show de algum artista que, independente de sua qualidade musical, tem uma preocupação com a cenografia, com a luz, com o figurino etc. Isso põe seu show um pouco acima de um simples recital sem maiores cuidados que os musicais. De quebra, vivemos tempos em que os fãs são intransferíveis. Antigamente, bastava que Elis ou outra cantora consagrada gravasse alguém pra que esse compositor "herdasse" o público da intérprete em questão. Hoje, não.

Hoje, o público de Zeca Baleiro não necessariamente se estenderá a seus parceiros; se Marisa Monte gravar uma canção sua, Teju, você ganhará uma graninha de direitos autorais, mas continuará desconhecido... quer dizer, a não ser que tenha uma verba separada pra investir em divulgação e contabilizar em cima da efeméride. No mais, nada vai mudar. E não adianta estrebuchar, muito menos querer "multar" o público, ainda que isso seja só uma válvula de escape bem-humorada. Meu conselho é: seja grato àquelas pessoas que curtem seu som e vão a seu show e trate de levantar a bola delas em vez de perder energia fazendo uma caça às bruxas contra o resto da humanidade que não te viu tocar aquela nossa. Azar... "A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar."



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4 comentários:

  1. Eu acho que nunca existiu esse tempo em que um artista herdasse os fãs de outros.

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    1. Sei não, Rossana... Então você não acha que quando Elis, por exemplo, gravava um Belchior, um João Bosco etc., isso não alavancava suas carreiras? Eu creio que naqueles tempos bicudos a música exercia um fator agregador. Já hoje, quando o individualismo faz escola, foi o tempo que nos transformou em bicudos...

      Beijos,
      Léo.

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  2. O artista encontra seu público investindo dinheiro nisso! Não tem romantismo, não.

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    1. Como cê tá pragmática hoje! Se se acostumar, daqui a pouco mata a poesia. rsrs

      Beijos nada pragmáticos,
      Léo.

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