segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A Palavra É: 29) Luz

No princípio, era o breu (antes ele do que eu), mas depois um deus poeta explodiu luz no universo, iluminando versos por linhas tortas (quem sabe até em horas mortas), fosse a Via Láctea não uma espiral no céu, mas sim um varal de galáxias de papel num caderno eterno onde cabe toda a poesia que passou a nascer de noite e de dia (da noite pro dia), a poesia do sol e da lua, a do farol quando o escuro se acentua, a das estrelas e a que brota dos olhos só de vê-las. E eis que a luz descobriu sua função: a de apagar a escuridão... e ainda hoje conduz, sem capuz, capaz de quase cegar, de tanto iluminar céu, terra e mar. A luz, aliás, fez mais, iniciou a onda (visto que a Terra é redonda) de contrastes (vós nisso já pensastes?). Sem querer, ela foi responsável pelo inenarrável "nós e eles" (pero no hay virgen en los burdeles).

Sim, se é redonda a Terra, ninguém erra ao dizer que, quando é noite no Japão, aqui não. Quando em Manhattan é inverno, por aqui pode tirar o terno, é verão. E assim os contrastes são. Como o bem e o mal, o açúcar e o sal, o homem e a mulher, a faca e a colher, quem vai pro inferno e quem vai pro céu, o crente e o infiel etc. e tal. E, por falar em crente, taí um tipo de gente que se acha especial, iluminada, e que sem fé o homem não é nada. Respeito, embora ache que descrer não é defeito. Penso assim: melhor que eu crer em Deus é Ele crer em mim (mas, sim, eu creio... ainda que com receio). No mais, muitos deles estão a serviço de satanás. Quer crer, creia, mas deixe quem não crê em paz! Não venha aguar a ceia de quem não mexe com ninguém só porque não diz amém. Quem mata em nome de Alá pensando que quando morrer vai chegar lá... Ó, ilusão! Abraçá-lo-á o vão.

Pior que quem não teve infância é quem arrota ignorância. O camarada pode acender todas as luzes (cruzes!), mas vai continuar no escuro (juro!). Já dizia o velho Platão que tem cego que só crê na escuridão. Quer dizer, o pior cego é o nó-cego. Por isso dizem que em terra de cego quem tem um olho vai embora. Pra não ver a hora de ser chamado de feiticeiro. Pois, de janeiro a janeiro, quem não enxerga enverga, já quem vê demais pode perder a paz. Vivesse hoje Platão, diria que a neocaverna é a sala de estar, onde está a televisão. Quem acha que a luz só vem da tela faz jus a ela. Quem vive de costas pra realidade não gosta da verdade, prefere o reflexo. E acha complexo o que lhe escapa ao juízo — porque, como cantou o poeta, Narciso acha feio o que não é espelho. E acha difícil o artifício de se erguer, quem vive de joelhos.

Entretanto, há vários tipos de iluminação. Há quem a traga no canto, na interpretação. Há a luz da ribalta, que salta aos olhos de quem, do lado não iluminado, assiste a tudo embasbacado. Há a luz de velas, tão tênue quanto bela, que embala os apaixonados casais, que querem muito mais que alimentação; querem paixão, canções, néon e o som das respirações se misturando quando batendo no compasso do abraço que induz os donos das bocas a nem precisarem de outra luz que não a que deles emana. Porque, na hora do nirvana, menos é mais, e a luz bem faz em se notar pela quase ausência, como dizem sobre Deus os homens da ciência. Paciência, luz! Afinal, assim como o avestruz enterra a cabeça no chão, há quem de luz não careça por levá-la no coração, pois dizem que o amor é uma espécie de luz interior.

E, por falar em amor, quem sabe dele melhor não é unzinho qualquer, e sim a mulher, esse estranho ser que num dia é fera e no outro gera. Só quem concebe sabe. Muito sujeito é artista, criador, mas não passa de turista, de amador, perto do ato maior da criação que é a gestação. Do nada, gerar uma vida. Isso, sim, é poesia, magia, encanto. Entretanto, é pra quem pode, não pra quem faz graça. O resto não passa de pequena ode. A argamassa da criação, a composição da existência, vale mais que qualquer canção. Vai além da inspiração e da competência. E que aqui se consagre: o ato de dar à luz produz, mais que arte, um milagre. E sem santo! E tanto que põe a beleza da procriação em harmonia com a própria natureza. Quem pode cria. Quem não pode... sem trauma! É só bater palmas.

Mas luz também é um sinônimo de bem. Não à toa associamos o mal às trevas, que ao "lado negro da força" nos leva. Só que nem tudo é tão simples assim, já dizia o gênio da lâmpada de Aladim. Muitas vezes, a gente de bem não se contém e acha que, por ser boa, está acima do bem e do mal. E quem se julga melhor que todos não passa de engodo: não é melhor que ninguém. Sua luz é antinatural, artificial, e basta uma pedra certeira pra acabar com a brincadeira. Luz, quem tem, não precisa nela lançar holofotes. Está além e deixa que quem enxerga bem o note. Quem é do bem sabe que é normal ter um lado mau. Só isso basta pra não se meter a besta e se achar o tal. Todos somos iguais, nada mais. Ademais, toda noção de luz é vaga, pois mesmo a mais incandescente um dia... apaga.

Sin embargo, ao largo da luz há o andaluz; o tocador de blues; o camarada que morreu na cruz; aquele que apenas deduz; os argumentos que expus; quem não sabe o que faz; aquele que apagou a luz e acendeu o gás; os hindus; o que induz; nomeando o camarada da cruz: Jesus; os africanos e seus lundus; os nordestinos e seus mandacarus; os que gostam de ficar nus: os que arremessam obus; as feridas que expulsam pus; os que são cheios de quais-quais; quem vê a placa e não reduz; quem seda e quem seduz; a "luz do sol, que a folha traga e traduz"; os que nos sobrevoam: os urubus; os que cedem a vez; os que não usam xampus; e os que terminam os textos assim, num zás!

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PS1: Quem escolheu a palavra foi Fernando Cavallieri, cuja obra tem luz própria.

PS2: Em contraponto à luz, a trilha sonora ficou por conta de: Gabriel de Almeida Prado, A Escuridão Também Conduz (Gabriel de Almeida PradoLéo Nogueira) — já tratei dela aqui.


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