sábado, 20 de janeiro de 2018

De Sampa a Tóquio: 13) Praça 11 é um pouquinho de Brasil

Se você estiver perambulando por Tóquio e de repente bater aquela saudade doída do Brasil, recomendo dar um pulo no Praça 11, tradicional cantinho brasileiro no coração da capital japonesa. É aquele local onde você vai encontrar sempre uma boa caipirinha, um ou outro prato tupiniquim e, se tiver sorte, pode ainda assistir a um bom show de música brasileira. E se estiver REALMENTE com sorte pode ser que justo nesse dia estejam se apresentando por lá nomes tão variados quanto Paulinho Moska, Leila Pinheiro, Grupo Fundo de Quintal, Filó Machado, Arlindo Cruz, João Bosco, Nelson Sargento e muitos outros. E repare que citei apenas alguns entre tantos nomes que já marcaram presença por ali e deixaram sua assinatura na parede central da casa.

Aliás, conseguir uma data ali é um privilégio; quem tocou lá não deixa de acrescentar o fato a seu currículo. E olhe que a casa é até razoavelmente pequena, se pensarmos nos padrões brasileiros; mas pras dimensões toquiotas até que está de bom tamanho, que é pra todo mundo ficar juntinho sentindo mais calor humano. Falando nisso, Kana também se apresentou ali um punhado de vezes. Numa delas em que presenciei senti o maior orgulho, pois a casa estava abarrotada, com gente em pé; e vi mesmo rolarem umas lágrimas quando ela emocionava geral com seu pequeno sucesso Kaeroukana. Se não me engano, nessa noite também paguei o mico de — na falta de um convidado especial de peso — cantar com ela nossa Bye Bye Japão — nada é perfeito.

Mas hoje, comecinho da madrugada de 20 de janeiro (meu relógio me avisa que é exatamente 0h35), queria abrir espaço pra tratar de outra turma. Lembram que falei de sorte no parágrafo inicial? Pois bem, ontem resolvemos encarar o frio e ir lá ver qual era a de um tal de Marcelo Kimura, que não conhecíamos, mas de quem tínhamos ouvido os mais elogiosos comentários. Britânicos, fomos os primeiros a chegar. Marcelo passava o som com um velho amigo nosso, o baterista Satoshi Ishikawa (aniversariante do dia), que já tocou com Kana em outros carnavais: abro um parêntese pra citar que foi ele quem a acompanhou num show que pra mim foi memorável, no Café Milton, em Shiroishi, no dia em que eu, em parceria com o saquê, compus a homônima Pedra Branca (Shiroishi) — saiba mais aqui.

Voltando a Marcelo e Satoshi, soubemos por ambos que o trio estaria desfalcado. Enquanto no Brasil o desgoverno que nos humilha perante o mundo agora nos "presenteia" com uma insólita epidemia de febre amarela que remete a princípios do século XX, por aqui é a influenza que tem nocauteado desavisados, entre eles o baixista (que também já tocou com Kana) Kiichiro Komobuchi, que, mal-influenziado, desfalcou o time. Entretanto, sua ausência foi amenizada pela sintonia e pelo entrosamento da dupla Marcelo & Satoshi, que, pra continuar no campo semântico futebolístico, nos momentos mais brilhantes do show lembrava as tabelinhas de Sócrates e Zico em 1982 — sem o baixo do meio-campista Falcão, mochiron.

Satoshi eu já conhecia e já sabia que o cara manda bem bagarai, mas Marcelo foi, mais que uma grata surpresa, uma espécie de abalo sísmico (benigno, se é que isso existe) que fez tremer o chão sob os pés do público ali presente. O malandro pôs pra ferver seu sangue brasuca e não se furtou a dar um verdadeiro olé, jogou pra galera e mostrou um futebol-arte de encantar os olhos... e ouvidos. Digo mais: excelente instrumentista, com pegada suingada e chei' das bossa' (e dos sambas), mas com uma atitude (como ele próprio brincou) heavy metal, se tivesse optado por proporcionar "apenas" um show instrumental já deixado o público sair no lucro, mas não é que o muchacho ainda mostrou que sabia soltar a voz que nem gente grande?

Além disso, seu alerta de Spectreman o fez convocar, na ausência de um baixista, as participações de dois feras que complementaram o entrosamento da dupla titular; são eles: o brasileiro Dario Sakumoto, que tirou a maior onda no cavaco e na percussão (shizen no nagare, né, Dario?); e o japonês Kazuhiko Obata, grande violonista que ajudou o time que já estava ganhando a dar um verdadeiro vareio. A energia e a vibração do então quarteto me fez recordar momentos de memoráveis noites no velho Bixiga. Sem falar que o carisma e a presença de palco de Marcelo incendiaram a fria noite, fazendo o público local, ávido de brasilidade, participar de uma viagem-relâmpago ao Brasil, viagem essa que durou cerca de duas horas, mas que ao final deixou todos como se tivessem saído de uma noite de carnaval na Lapa carioca.

Pra não dizer que tudo foram flores, a praça era 11, mas o show foi dez... e só não foi igualmente 11 porque o repertório deixou a ousadia de lado e apostou na segurança dos clássicos. Enfim, o time jogou pra torcida. E eu até entendo; o público japonês que vai ver um show de música brasileira não volta pra casa satisfeito se não ouvir pela enésima vez, por exemplo, Garota de Ipanema. Se bem que reclamo de barriga cheia cheia, porque Marcelo tem digital e deu certo frescor a este e outros clássicos malhados. Só foi tímido ao mostrar canções de sua lavra — se não me falha a memória, uma ou duas apenas. Por aqui, ainda é uma barreira difícil de transpor isso de mostrar ao público que além de Tom Jobim & cia. o Brasil tem mais a oferecer. Mas desculpem qualquer coisa; cheguei agora e já tô querendo mexer em time que tá ganhando... Talvez pensando em abrir uma brecha nessa zaga pra meter de trivela uma ou outra letrinha. Afinal, centroavante sem fome de bola não estufa a rede.

Sayonara!


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PS: Pesquisando, fiquei sabendo que o Praça 11 já tem mais de três décadas de serviços prestados. Que venham outras tantas! O Brasil com S agradece.

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