sábado, 27 de janeiro de 2018

A Palavra É: 37) Opressão

A opressão vem chegando de mansinho, devagar, sem pressa e sem pressão, sorrateira, rasteira como uma cobra e discreta como um cágado, e, quando de repente dá o bote e envolve o oprimido com seu abraço quebra-ossos, primeiro causa uma sensação de mal-estar, enjoo, comprime o peito do sujeito, asfixia-o e lhe propicia uma forte pressão no cérebro que corta imediatamente o fluxo sanguíneo do pobre, não permitindo que seu pensamento respire. Assim, sequestrado o o oxigênio, começa a vir em seguida uma leseira, quase um "barato", como uma droga que vai corroendo por dentro, uma solitária que vai crescendo dentro do bucho do desgraçado e que pede cada vez mais alimento, fazendo que tudo o que seu hospedeiro ingira vá parar na bocarra da imunda.

E é aí que começa o vício, a adição. Sim, porque, como tudo na vida, quando nos acostumamos com algo, desenvolvemos com esse algo uma relação de apego, praticamente dependência. E, todos sabemos, dependência pode ser interpretada também como uma forma de amor. Nessa hora, o oprimido passa a desenvolver um comportamento ao qual podemos nomear síndrome de Estocolmo. A quem não souber do que se trata sugiro uma pequena pesquisa; é interessante. Pra resumir, basta dizer que se trata de um estado psicológico que faz que uma pessoa submetida por determinado tempo a intimidação ou maus tratos desenvolva um sentimento de simpatia ou mesmo amor por aquele que a vitimou.

E é esta a fórmula de sucesso do opressor: conseguir lobotomizar o cérebro de sua vítima a tal ponto que esta passe a achar que o que aquele lhe oferece é um bem, algo do qual ela necessita perdidamente. Inclusive, em certas ocasiões, quando o oprimido não é um completo idiota, consegue até perceber que foi enredado numa teia de aranha, mas, ou por preguiça ou por costume, acaba não tendo forças pra tentar escapar dela e opta por, numa espécie de cadeia alimentar, por sua vez oprimir também a quem nessa cruel hierarquia se encontre abaixo dele. Seria como se o masoquista de um se vingasse sendo o sadista de outro. Isso pode parecer raro, mas é mais comum do que pensamos. Se olharmos atentamente a nosso redor, poderemos encontrar na fauna vários exemplos.

Um exemplo lapidar é o daqueles que se dizem crentes, fiéis, mas que se posicionam politicamente ao lado de quem tiraniza as classes mais baixas. O que demonstra que, além de tudo, essas pessoas, por mais que leiam a Bíblia, não conseguem ter discernimento suficiente pra entender o legado de Jesus. Ficam batendo naquela surrada (com o perdão da redundância "bater no surrado") tecla de que Ele deu a vida pra nos salvar, mas não estão nem aí pra miséria do próximo, querem mais é pagar o dízimo pra que Deus lhes dê um carro zero e um sobrado que de preferência esteja a poucos metros da igreja. E são os primeiros a atirar a primeira pedra em quem não pensa como eles.

Entretanto — e parafraseando o velho Belchior — "deixando a profundidade de lado", há outros muitos exemplos na superfície, como aquele em que o opressor nos conquista com presentinhos, como o capitalismo faz, pondo no mercado uma infinidade de produtos dos quais não necessitamos, mas nos fazendo crer que, ao contrário, são-nos imprescindíveis. O que nos faz torrar toda a (pouca) grana que ganhamos com futilidades que, no mais, roubar-nos-ão (com o perdão da mesóclise) outra coisa preciosíssima: tempo. E uma pessoa sem tempo não pode pensar. E, em não pensando, não pode se dar conta de que... está sendo oprimida. E não existe opressão pior do que aquela que te faz parecer que está feliz. SQN.

Falando nisso, entre as muitas táticas do opressor está e de iludir o oprimido fazendo-o crer que quem o oprime é quem na realidade o está ajudando. Essa hipnose faz o fulano que com muito custo conseguiu ascender — estudar, subir na vida, ganhar um salário melhor etc. — vestir amarelo e sair pras ruas pedindo a cabeça de quem o ajudou nessa ascensão. Sim, porque a ideia é que um pobre que sai do nível de pobreza e chega à classe média passe a pensar como pensam os que pertencem a essa classe — como, por exemplo, uma empregada doméstica que tem também uma empregada doméstica. É quando o ex-pobre passa a esculhambar quem ajuda os pobres, dizendo que bolsa isso ou bolsa aquilo eterniza a preguiça.

Mas além da opressão há a apreensão; a benção (assim sem acento, como grafam alguns); a compreensão; a decepção; a ejaculação (e não só a precoce); e, falando nisso, a felação; a graduação; a homologação; a impressão; quem sai de sua jurisdição; a legislação (em causa própria); a marginalização; a negação; a ostentação (sobretudo daqueles que até havia pouco nada tinham pra ostentar); a pasteurização (principalmente de ideias); quem é contra a quotização (mas a favor da idiotização); os que vivem felizes comendo ração; Sansão (depois de um belo corte de cabelo no Dalila's); quem é tão bom que nunca cai em tentação; a universalização (da mesmice); a vacinação (contra sei lá o quê); a salutar xingação; a não menos salutar zoação; e... e... e agora vocês me dão licença que esta prosa me deu vontade de ir ali oprimir alguém.

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PS1: Desta vez, quem me sugeriu a palavra foi a amiga Rosimar Aparecida, em resposta a um comentário meu no fb (não confundir com Friboi).

PS2: Trilha sonora: Marcio Policastro, Síndrome de Estocolmo (Marcio Policastro – Gabriel de Almeida Prado)



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