terça-feira, 11 de setembro de 2018

A Palavra É: 45) Espera

Por Francisco Daniel
Auri, mina que não tá no gibi, minha prima, gatinha dupiru, obra-prima de seu Mané e dona Du — cujo mais novo mano, o sagitariano Dênis, que não dá boa rima (não me condenes), quando moleque brincava de ser um calhambeque sem breque —, escolheu assim meio no breu, sem querer querendo, a palavra que ora lhes vendo... pero gratuitamente: a polivalente "espera", que sabe fazer das suas e se virar em duas. Ora submissa e passiva, dessas que não veem outra alternativa que não sofrer, se foder e ainda ver prazer em esperar pela redenção eterna... talvez depois de quebrar o pescoço mais que a perna; e ora a ativa, que, enquanto espera, é radioativa e solta elétrons na saliva, pertencente ao grupo dessa pouca gente que, enquanto espera, quase põe abaixo a esfera.

Sim, porque achar que a espera é o fim em si é o fim da picada. Mais vale um desespero honesto, o resto são favas contadas. Eu espero não só porque tenho esperança, mas porque a cada dia recomeço do zero, feito criança. E, enquanto isso, vou em frente (que atrás vem gente — e adiante, e dos lados) também em sábados, domingos e feriados. Me persigno, leio o horóscopo de meu signo, descreio, piso o pé no freio e em seguida (até porque assim é a vida) acelero. Claro, vez por outra meto no texto um parêntese, mas tudo dentro do contexto... ou às vezes só pra irritar (oh, céus; oh, azar) terceiros. Pra não dizer segundos. Tá, não é nenhum fim do mundo... E, se for, descanse em paz. Aliás, isso já dizia certo lobo que desesperou e perdeu o rock'n'roll... e a poesia.

Como eu disse certa vez, tanto tempo faz — em parceria com um cara que sabe do samba e do jazz, Adolar Marin, um tipo menos do não e mais do sim —, esperar é profissão de fé. Só sabe quem é. E quem tem. Mais do que quem quer ser/ter. Porque se dedicar à espera pode ser também uma quimera, uma janela paralela que se abre (abracadabra) com sabre, de par em par (embora seja ímpar) somente pra que a gente veja um horizonte gris, feito um infeliz parente da loucura e do desespero. Mas, calma, tudo tem cura. Basta ter tempero. E alma. E não se afobar, que nada é pra já (já dizia certo compositor petralha). Até porque, se a vida é uma navalha, com os anos o fio da lâmina vai perdendo a ânima, e o corte fica cego — mas não é só por isso que sossego.

É porque aprendi a ler torto em linhas retas, desacreditar das metas e me embrenhar nas boce... digo, nas matas, dar a cara a tapa e a boca a tetas, ler o atlas em braile como quem vai a um baile e não dança (nem segura a criança); ouso dizer — com mórbido prazer — que sou o mais otimista dentre os pessimistas. Mas isso não me resume, só lança pistas. O mais é perfume barato; e pra mim mais vale o que não reza o contrato. Prefiro o atrito e o grito a ser grato a uma simples crença que só acha que o que compensa é a espera pela espera. Aí pra mim já é cela. Dou nela, que não reverbera, não corrobora. Se é pra esperar pra desesperar, melhor ir logo embora. Se o jogo tá decidido no tempo primeiro, pra que esperar o derradeiro?

Não, essa não é minha espera. A espera derrotada que mal vê a hora da derrocada pra se sentir liberta. Tá, sei que a morte é certa, mas, entretanto, e enquanto isso, temos pela frente feitiço, presente, futuro, juros e mora, e o privilégio de (só pra escapar do tédio), em vez de se atirar do prédio, procurar saber onde a saudade mora. Pode não ser agora, pode não ser amanhã, pode até não ser nunca. Pois é, mas finalmente num dia de agonia numa espelunca qualquer acordamos com a lembrança de um cheiro de mulher — dessas que vivem presentes em nosso passado —, e a coisa vem fluente, como se a distância fosse aqui ao lado, e, de repente, num rompante, a espera nos revigora, o antes e o amanhã viram agora, o tempo já não passa... e é aí que reside toda a graça.

Porque esperar não é pra qualquer um. Não me refiro ao tipo comum, que só acredita no agora; muito menos ao senhor e à senhora que só acreditam no (pre)juízo final e, enquanto isso, ensaiam canções de Natal. Não! Nem futurista nem neandertal. E nem se trata de ser realista. Acho que esperar, na vera, não tem nada a ver com espera. Trata-se de saber ser turista do durante, esse instante tão eterno quanto o enquanto (quanto o encanto?), que nos torna inconsequentes, mas sabedores de que não somos sós somente, mas sementes, filhos do antes e pais do depois. Ora, pois! O mundo não é só agora. Ele já era antes de que eu fosse e (se acertar, te dou um doce) ainda será depois que você já não seja. Calma! Antes de correr pra (ou da) igreja, por que não abrir uma cerveja?

... Que, assim como o samba, também pode ser uma forma de oração. Como há a corda e a caçamba, como há a borda e o recheio, os fins e os meios, os ins e os outs. Não, não se sobressalte! Salte! O pulo do gato, é fato, vez em quando (principalmente naqueles dias em que a gente vai postergando o urgente) toma conta da gente, e a espera vira supera-ção, a quaresma vira ação, a gente sai da mesma, a gente sai do abismo, para de doer o dente do sismo, e todo catecismo, toda catapulta, enfim, toda crença deixa de ser oculta, e a fé vira pé no barro, e a gente tira um sarro, e grita "urra", e não tem medo de levar surra, e a coisa flui como se fosse fácil, como nunca foi (e como nunca fui), bem às vésperas de a espera virar prefácio.

... de um livro longo e lindo (que só lendo pra saber), bem-vindo com seus ditongos e hiatos, e fotos, e fetos, e fatos. Porque esperar é isso: não só estar a postos, mas em constante serviço. Nunca se sabe quando a espera explode. E vira ode. Entretanto, além da espera há a atmosfera; Hanna-Barbera; a catarse dentro da cratera; a turma do “quem me dera”; a outra que já era; a fera (ferida); quem gera; a hera; a Iara (né, Augusto?); os de Jericoacoara; Pedro de Lara; a casualidade mera; Nera (a mulher de Nero); a ópera e quem a opera; a supracitada quimera; o raso e a rara; quem se cura e quem não sara; a tara; a úlcera; quem vai na vera; quem prefere tomar na xícara; e, por fim, quem sabe que toda meia-noite o dia zera. Passemos ao próximo.


***

PS: Trilha sonora: Profissão de FéAdolar Marin (Adolar Marin – Léo Nogueira) — esta canção nasceu de uma troca de e-mails entre este escriba e seu amigo Sérgio-Veleiro, e em resposta a ele. A quem dediquei a canção. E, coincidência das coincidências, ele, que mora em Fortaleza, viu-a nascer quando de uma viagem a Sampa, onde eu morava. Na ocasião, Adolar nos mostrava a melodia que havia feito pra minha letra e dávamos na então nova cria os retoques finais. Detalhe: nenhum dos três hoje mora em Sampa City. Tempo, tempo, tempo, tempo. Ok, ok, ok, ok, ok.






Desta feita, acho que vale postar também a letra:

PROFISSÃO DE FÉ
Adolar Marin – Léo Nogueira
(dedicada a Sérgio-Veleiro)

Esperar é profissão de fé
É solidão até em meio ao povaréu
Esperar é pôr de molho o pé
Ver como a vida é do alto do arranha-céu
(Ver como a vida é do alto)

Quem espera não se cansa
Quando a espera se mistura
Com a ação da esperança
Esperar é coisa pura

A espera é ativa
Sempre viva, sempre a mil
A espera nos motiva
Ela corre feito um rio

Só quem não se desespera
Mesmo em meio ao desespero
Só quem vive em outra esfera
Prova todo o seu tempero

A espera põe a mesa
Porque a fome é uma quimera
E a única certeza
É que a morte nos espera

Esperar é profissão de fé...

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