quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Grafite na Agulha: 48) A vida selvagem dos Wings

Meu amigo Erico Baymma, que nasceu em Minas, mas é cearense de coração (e de vivência), compositor inspirado e cabra dono de uma escrita das mais finas, presenteou-me (a meu blogue — e mais especificamente esta coluna — e a seus leitores) com um depoimento belíssimo sobre o disco em questão. Queria ter tempo pra fazer um prefácio melhor, mas, como ele me pediu encarecidamente que publicasse esta prosa antes do dia 7 corrente (data em que o disco em questão será mundialmente relançado dentro de uma caixa com os dois primeiros discos do Wings, entre outras coisas), passei por aqui rapidamente pra viabilizar a publicação. Divirtam-se com o texto e o disco.


A vida selvagem dos Wings
Por Erico Baymma

Convidado pelo Léo Nogueira para escrever sobre um trabalho musical de significância definitiva em minha formação pessoal e musical, havia prometido fazer três releases, pensando em uma época em que fui bombardeado por três trabalhos bastante diferentes entre si, significativos no mercado e para a música, mas lembrei-me do primeiro disco que me pegou quando ainda tinha cerca de 10 a 11 anos, que ainda é um dos meus preferidos, em som e capa — a qual considero ainda uma das mais bonitas, sem dúvida (como pode ser vista pela fotografia acima). Também me lembrei de outro disco que mudou completamente a minha forma de ver e ouvir a música, sobre o qual falarei em um texto à frente. Pois, aguardem os próximos.

Wild Life, lançado no fim de 1971, considero ainda ser o álbum “definitivo” de Paul McCartney, que funda para este disco o grupo Wings. No início de 1972, as rádios de Fortaleza, talvez as rádios de todo o país, explodiram com o hit Tomorrow. A música tocava direto e inicialmente nada se falava sobre quem seria, o que me inquietava, pois o “som grudento” da canção (o “grudento” não tem nada de negativo, pelo contrário, expõe a qualidade de um dos maiores melodistas de todos os tempos) nos pegava e a vontade irrefreável era a de descobrir quem seria o tal que lançava o disco. Apenas no final de março para abril se começou a falar que era Paul McCartney & The Wings, o que somente aumentava a “necessidade” de possuir aquele álbum, ainda somente pela canção hit. À época, o menino de 11 anos ia quase todos os dias à loja Mesbla para ver se o tão querido disco havia chegado.

Havia um delay entre os lançamentos aqui no Nordeste de mais ou menos seis meses. Inclusive, as novelas que passavam também tinham esse retardo. Se acontecia isso com as novelas que haviam tomado o mercado brasileiro, como a produção de Selva de Pedra, romance de Janet Clair (reconhecida autora de novelas de audiência máxima, 100%), imagine-se o tempo que se levava para a chegada dos discos estrangeiros.

Esperei seis meses, então, para, no dia da chegada, esperar por três horas até que desempacotassem a caixa em que viria o tão esperado álbum. Não posso descrever a alegria e a emoção com que peguei meu exemplar e fiquei admirando a beleza da capa, que mais satisfazia tamanha espera. Não desmaiei, qual um Proust frente à “obra mais linda do mundo”, mas o êxtase era claro, a capa era um quadro em que McCartney, Linda & The Wings estão num lago maravilhosamente repleto de flores e folhas de árvores, sobre o galho de uma das quais estão todos encostados ou sentados. Uma curiosidade: para comprar o tão desejado álbum, consegui descobrir o segredo do cofre familiar e pegar exatamente a quantia para a compra. Era inevitável, era emocionante e, apesar do “banditismo precoce”, foi motivo de riso na família.

Erico
Fora tais pré-histórias, o que o álbum trouxe desde a primeira audição foi a observação de um Paul McCartney que havia deixado de ser o Trapalhão dos filmes a que assisti ainda em Minas Gerais; no lançamento — os Beatles se configuravam como Os Trapalhões para a mente de uma criança, pelo menos era assim pra mim —, era um Paul McCartney extremamente mais maduro — consegui fazer esse julgamento, tal era o envolvimento com o mundo da música, desde sempre. O primeiro lado era um rock “mais denso, embora lúdico”, que me introduziu ao conhecimento do rock, nem que fosse meio pop, como é a linha de McCartney. Não estava ligando para letras, embora meu inglês na época já desse conta do significado de algumas frases. Contudo, embora a densidade contida em Wild Life e Dear Friend fosse entendida, não tinha a informação contida com o que se relacionariam tais letras. Demorou alguns anos para o inglês e as informações chegarem para dizer que a letra de Dear Friend era dedicada a John Lennon, numa contra-argumentação que se seguiu por vários álbuns entre os dois principais Beatles. “Dear friend, did it mean so much to you?”, Paul diz para Lennon, devido a comentários sobre o álbum anterior, Ram, na música Too Many People. Sabe-se que a relação entre os dois foi de espinhos, embora Paul tentasse diminuir a carga de tensão entre eles.

Essa tensão entre ambos e a postura de McCartney são bem observadas no álbum Wild Life, em que faz do rock e de sua arte algo bem mais lúdico e menos tenso que a postura política de Lennon. Temos Mumbo, Bip Bop e Love is Strange, como hits dançantes e nada conectados com um rock engajado, senão com o rock em si. Love is Strange havia sido um hit que ficou no top 40 em 1957, da dupla Mickey & Sylvia. Claro que Wild Life e Dear Friend fizeram que o álbum fosse considerado pesado, se não ouvirmos as demais faixas. Mas a crítica assim o considera.

Sintetizando, Wild Life trouxe a minha querida Tomorrow, que se estendeu por todo o álbum. Sempre ouvi e também tirei as músicas no piano. Ainda hoje, 2018, tenho uma audição semicontínua e tudo toma mais peso quando finalmente McCartney resolve colocar em seu McCartney’s Archives Collection os trabalhos Wild Life e Spedway Red Rose — este traz o hit My Love, que também estourou, bem como um McCartney com os olhos vermelhos na capa, numa alusão a sua detenção por porte de maconha, no período.

Quando esta coleção Deluxe foi relançando os álbuns com material riquíssimo em torno do que foi feito à época, já esperava ansiosamente pelo Wild Life e, à medida que o álbum não saía, ficava conjecturando sobre os motivos de não ser já incluído na maravilhosa coleção. Cheguei a me aborrecer com as estratégias de marketing e com Paul, não dando bola para o que estava lançando. Agora que o álbum finalmente ganhará sua edição Deluxeconstará definitivamente no McCartney Archives Collection, a ser lançado no próximo de 6 de dezembro de 2018, as pazes estão feitas, estando somente curioso de como o “produto” será lançado no Brasil, quando as lojas estão fechando, algumas funcionando somente on-line e com restrição enorme de acervo. Provavelmente, os que, como eu, esperam tanto esse lançamento, vão ter que se dirigir às lojas internacionais para adquirir o álbum.

Como composição, letras, produção sonora e toda a produção de arte, o álbum Wild Life é uma referência, assim considerado por mim — argumento que aprendi a ter após estar entre os grandes ouvintes, músicos e pesquisadores da cultura, da música e da arte. Paul McCartneyque sorria por fazer tanta apreensão com um disco clássico do rock-pop, finalmente o liberou para compor essa coleção especial.


***

WingsWild Life (1971 — EMI)

Lado A
1. Mumbo
2. Bip Bop
3. Love Is Strange*
4. Wild Life
Lado B
1. Some People Never Know
2. I Am Your Singer
3. Tomorrow
4. Dear Friend (para John Lennon)
5. Mumbo Link
Todas as músicas de Paul McCartney e Linda McCartney, exceto * (BakerSmith).

Ouça na íntegra a versão remasterizada do disco aqui:


***


2 comentários:

  1. Leozim, fica minha gratidão por me dar o espaço em seu blog. Se prepara que ainda vem outros textos por aí. Arranja tempo! ahahhaha.
    Meu beijo e meu abraço, meu maninho! <3

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    1. Pô, tinha escrito e enviado, mas a resposta se perdeu no buraco negro do universo virtual. Pra resumir, dizia apenas que os agradecimentos são meus. E pode continuar mandando prosa. A casa é sua.

      Beijão,
      レオ。

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