segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Um Cearense em Cuba: Quarto Dia

2006
JUNHO
QUARTO DIA
Miércoles, 21.
    
Hidoi!”. Palavra que em japonês significa horrível. Dita por Kana, ao nos vermos a sós no Hotel Inglaterra, o mais antigo de Havana. Mais precisamente, existe desde 1875. Um hotel quatro estrelas. Talvez por isso a frustração da Kana. Se fosse no Brasil, um hotel com essa qualidade levaria duas estrelas chorando.

    
Mas vamos por partes. Preciso antes dizer que acordamos, tomamos nosso café-da-manhã, fomos uma última vez à praia. Voltamos, tomamos banho, arrumamos a bagagem, descemo-la, deixamo-la num quartinho ao lado da recepção e fomos almoçar. Após o almoço, fomos uma última vez tomar o mojito de Manuel. Conversamos, tiramos fotos e, num dado momento, perguntei-lhe se todos aqui estudavam inglês. Ele me disse que sim, todos. Inclusive as criancinhas. Para melhor atender ao turista, me disse. Porta entreaberta, criei coragem e perguntei-lhe como era a política de Cuba. Ao que ele me respondeu que era melhor mudarmos de assunto, falarmos talvez sobre futebol… Seu rosto, sempre tão sorridente, fechou-se numa quase carranca. Visto que eu insistisse, detalhou muitas informações, mas tantas, que não sou capaz de descrevê-las todas aqui. Vou tentar me aproximar. Em primeiro lugar, disse que o cubano era um cidadão privilegiado, por ter acesso a educação, trabalho, alimentação. Perfeito? Não, não era, mas qual sistema é? Perguntei-lhe se podia sair do país, ao que ele respondeu que sim, mas somente mediante um termo de responsabilidade de algum residente no país a que ele quisesse ir. Por exemplo, se lhe apetecesse conhecer São Paulo e me pedisse esse termo de autorização, eu ficaria responsável por ele no Brasil e responderia judicialmente por qualquer coisa fora da lei que ele porventura viesse a fazer. Disse que, se não fosse assim, seria muito fácil para um cubano ir para os EUA. De Cuba diretamente não se vai, mas um cubano bem poderia ir até o Brasil e lá comprar uma passagem para os EUA. Disse, por fim, que a maioria dos cubanos não deseja abandonar o país e que essa coisa de conhecer outras nações não é de suma importância. Importante são alimentação, moradia, emprego, educação… Bebemos o último mojito, pedi-lhe pra experimentar rum puro, ao que ele me preparou duas doses, uma da clara e outra da escura. Como estava um calor de rachar, a bebida, tomada assim pura, me desceu amarga pela garganta. Talvez por isso sempre eles usam o rum junto com outros ingredientes, e gelado.
    
Às três da tarde chegou o micro-ônibus que nos levaria de volta pra Havana. Conhecemos um casal brasileiro que havia se hospedado no Meliá e nos contou maravilhas da culinária e da música, o que quase fez Kana chorar. Disse que da próxima vez viria passar uma semana no hotel Meliá de Varadero.
    
O guia, Lázaro, um sujeito simpático e de fina inteligência, acompanhou-nos na viagem, destilando seus conhecimentos. E o camarada tinha tanta presença de espírito, que praticamente não percebemos passar as duas horas e meia. Foi como se ele tivesse escutado nossa conversa com Manuel e pego o fio de onde este havia parado. Uma sucessão de informações. Pena que muito se perdeu. Começou dizendo que, no começo do século passado, um franco-americano de sobrenome Dupont viera se instalar em Varadero. Comprou quatorze quilômetros de terreno por centavos e depois os revendeu a preço de ouro. Além disso, montou um restaurante de comida francesa, que existe até hoje, e é um ponto turístico muito procurado, além de ter uma cozinha maravilhosa, segundo ele. Porém, deu-se que veio a revolução e Dupont foi expulso, cedendo, contra a vontade, claro, suas terras e construções ao governo. Assim sucedeu com muitos outros também. Este foi apenas um exemplo em Varadero.

Disse Lázaro também que Cuba tem uma relação muito estreita com a Venezuela, sobretudo com a China e a Coreia do Norte. Que cortou relações com Israel, e que apoia o Irã em seus testes nucleares. Esse foi o ponto em que me abismei, pois ele disse com tanta naturalidade, que me gelou o sangue. Continuando, disse que um dos maiores problemas cubanos ainda não solucionados é a questão do transporte. Que, apesar de a China ter lhes enviado mil ônibus, ainda não foram suficientes. Por isso, nas ruas é lugar-comum ver pessoas pedindo carona pra voltar pra casa após o trabalho. Disse que Cuba fabrica seu próprio petróleo, ajudado pela Venezuela, e também que há sociedade com muitos países que investem em Cuba. Por exemplo, o Hotel Meliá foi construído com dinheiro espanhol e funciona em forma de parceria, assim como muitas outras construções. Há muitas cores de placas de automóveis, a cor azul é a dos carros pertencentes ao governo, a verde é a dos pertencentes ao exército, a amarela é dos pertencentes ao povo, além da laranja, se não me engano, que pertence a funcionários de empresas estrangeiras. Há ainda a vermelha, se não me falha a memória, que é de carros recém-comprados ainda não devidamente emplacados, e a preta, pertencente aos funcionários das embaixadas.
    
E eis que passamos por Matanzas, e Lázaro nos disse que foram matados muitos porcos ali, por isso lhe deram o nome de Matanzas. E que a faculdade que eu ridicularizara na ida é simplesmente uma das mais conceituadas em medicina na América Latina, inclusive recebe milhares de estudantes estrangeiros (chineses sobretudo). Vejam como às vezes é melhor ficar calado.
    
Durante todo o trajeto não vimos outdoors, pelo simples fato de que outdoors não há. A não ser aqueles sobre a revolução, sobre Che, sobre educação e armas et cetera et cetera.
    
E, por fim, chegamos ao hidoi Hotel Inglaterra. Uma relíquia. Literalmente. As estrelas aqui funcionam por tempo de atividade, como um aposentado recebendo seu salário, pois, vejam, em Arenas Blancas as mesmas quatro estrelas davam direito, entre outras coisas, a uma piscina enorme e a uma praia inesquecível a dois minutos de agradável caminhada, ao passo que o Hotel Inglaterra
    
À noite fomos à Casa de la Música de Miramar, uma casa de shows famosa. Vocês não imaginam o quanto esperamos. Chegamos lá às 22h (e uns quebrados) da noite. A bilheteria abria às 23h. Esperamos. Às 23h pagamos, entramos, pedimos algo… Estava tocando música ambiente. De repente, um telão começou a passar música local. E dá-lhe tempo. Mais bebida. E um frio de bater os dentes, devido ao forte ar-condicionado. Eu e Kana, ainda não completamente curados daquela gripe paulista, tremíamos, enquanto víamos cubanas seminuas acompanhadas de turistas endinheirados (se é que me entendem) e com cara de bobos (como são quase todos os turistas endinheirados. Digo quase todos porque há turistas como eu, a quem o adjetivo endinheirado não cola, apenas a cara de bobo).
    
Finalmente, abrem-se as cortinas; parece que finalmente o show vai começar… Entra um senhor negro, muito charmoso, e começa a contar piadas. A única de que consigo me lembrar agora é aquela em que ele fala que um homem solteiro é um animal pela metade, já um casado é um completo animal. Ou algo do gênero. Depois, interpreta a atuação de vários policiais: o francês, o mexicano e o cubano. Muito engraçado. E fecham-se as cortinas. Já está perto das duas horas. Lembrando que chegamos às dez. Às duas e pouco começa o show. Dois teclados nos deixam antever o que virá… Enfim, um bom show, porém pra mim todas as letras falavam a mesma coisa e todas as músicas eram iguais. ¡Y viva la salsa!
    
Saímos por volta das 3h. Moídos. E com um frio de dar inveja a esquimó!

4 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk! Finalmente, la salsa!
    É, acontece...
    Show pra turistas, né?
    Besos!

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  2. Jeje! Y mira, chica, que todavía la salsa no está lista. Aún le faltan ingredientes.

    Besos con sal(sa) de
    Léo.

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  3. Por supuesto no toda salsa es buena, así como no todo samba es bueno...
    :)))))

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  4. Seguro.

    Dei um tempo pro diário porque essa semana me brotaram ganas de escrever mais sobre meus camaradas no "Ninguém me Conhece", mas nessa semana que entra volto à artilharia.

    Beijos e obrigado pela companhia,
    Léo.

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