sábado, 11 de setembro de 2010

Um Cearense em Cuba: Terceiro Dia

2006
JUNHO
TERCEIRO DIA
Martes, 20. 

Samui!”. Palavra que em japonês significa frio. Foi dita pela Kana ao entrar na fonte da Cueva de Saturno. Não, amigos, não é nenhum parente transviado da família Cueva. É que cueva em espanhol significa cova, gruta. Mas este foi somente o segundo passeio do dia. O primeiro foi um snorking (ou snorkeling!), quer dizer, o bem e velho mergulho, com seus aparatos. O passeio foi muito bom, exceto pelo fato de que meu colete salva-vidas me estrangulava a ponto de eu não poder respirar, além do que bebi muita água, apesar dos óculos de mergulho (por pura incompetência do usuário. Porém, pudemos ver uma infinidade de peixes, tirar foto com eles e os et ceteras de praxe.

A segunda parada, a Cueva de Saturno em questão, me agradou mais. Do equipamento só ficaram os óculos, mas praticamente não os usei. A fonte media em determinados pontos 20 metros de profundidade, e, apesar do “samui” emitido pela Kana, não estava fria, não. Um minuto dentro dela e já nos acostumamos.     

Estou esquecendo muitos assuntos, pois não escrevo no calor do momento, e sim procuro em minha precocemente esclerosada memória os assuntos em questão. Mas, que fazer? Não sou repórter, apenas um turista tentando filosofar quando deveria estar bebendo ou dormindo.
    
Uma coisa é certa: não vou entrar em detalhes sobre minha voraz vida sexual, mas, embora eu não precise de viagra (ainda), Varadero é um viagra natural. Um pouco caro, mas eficaz! Recomendo!
    
Enfim, voltamos, almoçamos, fomos à praia, bebemos novas modalidades de bebidas locais cujos nomes esqueci, fomos da praia à piscina, tomamos um banho e saímos pra dar uma volta pela cidade. De charrete. Chiquérrimo. Voltamos, jantamos, Kana dormiu e cá estou eu contando-lhes nossas peripécias.
    
Ainda não entrei num campo de que gosto, que é a política, não por falta de vontade e sim por falta de dados. Afinal, como já disse, não estou fazendo um tratado sobre Cuba, viemos apenas patrocinados pelo amor que Kana tem pela música cubana.
    
Por falar em música cubana, esqueci de dizer que a banda que se apresentou ontem reside no hotel. Eis um dado político interessante, uma banda ser residente de um hotel. Senti os membros dessa banda exímios executantes de sua música, mas não apaixonados. Eram como funcionários públicos cumprindo sua missão. Deve ser um pouco frustrante lidar com música como se lida com prensas. No mais, há nos olhos dos funcionários em geral uma certa opacidade, pois o hoje não será diferente do amanhã, ou do ontem. Li recentemente um artigo, se não me engano de Cristóvam Buarque, em que ele dizia que é um erro dar resultados iguais a pessoas diferentes. E foi aí o erro do socialismo. Não tenho uma opinião formada. Vejo fotos de Fidel por todos os lados, como um Saddham da esquerda, e há realmente um certo fanatismo nos nativos, mas o fato de não ver um barraco, de os portões estarem destrancados, de a educação chegar a todos… Isso é um peso enorme na balança. Principalmente quando nos lembramos dos recentes acontecimentos em São Paulo.
    
Qualquer um aqui fala inglês. Mesmo aquele que, quando o olhamos, pensamos ver um perfeito imbecil, de repente solta palavras em inglês com uma extroversão inacreditável. Bem? Não, não diria que falam bem, o sotaque é evidente, mas a maneira como falam, sem afetação, isso sim é incrível. Já estive em outros países da América Latina, e sempre notei uma certa afetação em quem fala inglês. Um ar de superioridade, a que eu chamo ignorância terceiro-mundista. Isso não há em Cuba. Tracei até um paralelo entre a gentileza cubana e a brasileira. Sem querer generalizar ou me achar o dono da verdade, senti que aqui a gentileza vem justamente da educação, ao passo que, no Brasil, quando acontece, é mais por religiosidade. As pessoas no Brasil, mesmo sem educação, são gentis, mas é uma gentileza subserviente do crente. Aqui a gentileza é extravagante. Hoje, quando saíamos do restaurante, um funcionário estava saindo ao mesmo tempo, porém, parou, curvou-se e fez uma referência marota, como quem diz, “Cedo a vez porque quero, não se esqueçam disso”.
    
Outro exemplo segue abaixo, na forma de dois bilhetinhos que nos deixou a camareira. O primeiro, ontem: Hola. Su camarera Iris les desea una feliz estancia en nuestro hotel. Salud, suerte y amor.”; o segundo, hoje:Hola. Su camarera Iris les desea que tengan un feliz viaje mañana. Salud, suerte y amor.”. Vejam que espirituosidade! As camareiras do Brasil jamais agiriam de tal maneira. Primeiro que estariam pensando nas contas, nos filhos, na instabilidade do emprego, enfim, mil outras coisas que não a estada do turista. Isso quando não o fizessem por falta de intimidade com as palavras. Muitas delas mal assinam o próprio nome. E não vai aqui crítica a elas, e sim ao sistema que as criou e se utiliza delas. Hoje, aqui, até uma faxineira nos disse, em inglês, que o piso estava molhado!
    
No passeio de charrete não vi supermercados. Quando perguntei ao charreteiro, ele me disse que na volta me mostraria, mas ou esqueceu ou não quis mostrar. Vi uma farmácia, mas, pelo que pude ver, havia pouca coisa além das paredes azuis e nuas.
    
É evidente, no entanto, que deve passar muita coisa pela cabeça de um povo que vê diariamente a chegada de turistas de todas as partes do mundo, e ele, cubano, está aqui servindo a esse turista, mas numa via de mão única.
    
São observações confusas e escritas atabalhoadamente, sem um conhecimento profundo ou coerência, como já disse. Mas não deixam de ter seu interesse, mesmo que um interesse superficial, pois são observações de quem irá passar duas semanas neste país e deverá mudar de ideia não poucas vezes.

***
    
Uau!”. Palavra que em inglês significa uau mesmo. Dita provavelmente por um estadunidense agora há pouco, ao chegar ao hotel. Pude ouvir daqui da sacada. É típico deles esse “uau” meio imbecil de quem vê que existe vida fora dos EUA.
    
Mas não foi por isso que voltei a estas páginas. Foi apenas pra mencionar que no palco em frente à piscina hoje à noite aconteceu um concurso de Miss Arenas Blancas, com quatro moças que estão hospedadas neste hotel. Não há muito o que se dizer a respeito disso, não foi nada diferente das gincanas que acontecem nos programas do SBT. Estou meio chato hoje. Devia deixar em paz as pessoas e suas respectivas felicidades. Mas felicidade não combina com pensamento, e eu, embora meio apalermado, penso muito!
    
Ontem, num snockbar em frente à praia, conhecemos um rapaz chamado Manuel, o barman da casa. Muito simpático, travou conversa conosco acerca de muitos assuntos, sobretudo Copa do Mundo. Hoje voltamos lá. Ele nos serve um mojito caprichado, o melhor que tomei até agora, pois não economiza no rum. Pensei em abordá-lo a respeito de política, mas apareceram outros clientes e resolvi deixá-lo em paz. Talvez amanhã lhe faça duas ou três perguntas.

***
    
Ah! E minha gripe brasileira persiste, de mãos dadas com a da Kana. Vamos ver até quando suporta tanta “felicidade”.

4 comentários:

  1. Oi querido!
    Acompanhando sua viagem com curiosidade de quem tem admiração por Cuba. Mas...também espero ansiosa sua opinião política.
    Queria entender, perceber melhor.
    Vou a Cuba assim que puder. Quero sentir de perto a verve do musico cubano, mas vc me desanimou quando fala dos residentes no hotel.
    Bom, esperando mais detalhes, e seguindo com vc e Kana essa viagem!
    bj

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  2. Irinéa:

    Fui a Cuba em 2006, e estou aproveitando o blog pra resgatar este diário que escrevi lá. Estou postando-o com carinho e isenção, mantendo o que havia escrito, tomando o cuidado apenas de revisar alguns erros. Cuba é um assunto complexo, como você lerá no decorrer desses quinze capítulos/dias.

    Mas não desanime, não. Nem todos os músicos são burocráticos, como você lerá.

    Beijos do
    Léo.

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  3. Massa léo, tô acompanhando o diário-viagem. Muito bacana. Vai colocando umas fotos da cidade também no meio do texto ou no final.

    valeuuuu

    :-)

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  4. Sergim, vou procurar aqui. A qualidade não é muito boa, pois é uma câmera antiga. E, confesso, na época estava mais preocupado, infelizmente, em fotografar com palavras que com imagens. Mas vou tentar ver o que se salvou que tenha a ver com os rascunhos.

    Abração do
    Léo.

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