quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Crônicas Classificadas: 10) Toninho e eu

Vida de crítico musical no Brasil não é fácil. Os compositores gostamos sempre de ver nosso lado, mas não há quem se ponha no lugar deles. Certa vez, em entrevista à Folha de S.Paulo, Chico Buarque chegou mesmo a afirmar que "em jornal, crítico de música geralmente é crítico de letra. É compreensível que seja assim; a letra vai impressa, o crítico destaca este ou aquele trecho... funciona assim. Eu cada vez mais dou importância à música e tenho vontade de dizer: 'Olha, só fiz essa letra porque essa música pedia. Isso não é poesia, é canção'. Enfim, fico um pouquinho chateado com essas coisas, mas sei que é difícil mesmo. Como é que vai imprimir uma partitura no jornal e explicar aos leitores? Não dá, eu sei". Não vou entrar no mérito da questão, só acho que, assim como o compositor, o crítico é um pouco vítima do momento. A imprensa atual não lhe dá liberdade. Resta a este tratar dos artistas que interessam ao mercado (caso queira manter o emprego). E tais artistas, ou grande parte deles, não primam especificamente pela qualidade musical (pensando bem, nem pela letrística). Tampouco seus fãs-leitores interessam-se pelas questões melódicas e/ou harmônicas. Resta aos críticos que optam pela liberdade recorrer aos blogs. Exemplos de peso são Mauro Dias e Pedro Alexandre Sanches.


Dentre todos, porém, nunca conheci ninguém como Toninho Spessoto, que nos abandonou no apagar das luzes de 2010. Spessoto era de um ecletismo ímpar, e sempre primou por dar espaço àqueles que não o encontravam na mídia capitalista. Em seus muitos programas de rádio e TV, procurava convidar sempre esses artistas, aos quais chegava a conceder programas inteiros recheados com deliciosas entrevistas que demonstravam seus imensuráveis talento e carisma (e olha que nem me referi a seu peso). Spessoto possuía a capacidade de deixar à vontade os convidados, com o que conseguia arrancar-lhes importantes revelações. Sentia verdadeiro prazer em em descobrir e divulgar talentos. Foi o único, por exemplo, que se deu ao trabalho de, ao ouvir os CDs de Kana, escrever a respeito deles.

Quando soube da notícia de que ele havia partido sem nem esperar pelo Natal, fui tomado por um desejo de escrever-lhe um texto, como um carinhoso adeus, visto que o conhecia, tinha-lhe admiração e era seu colega no grupo virtual M-Música. Porém, ao ler ali o emocionado (e emocionante) texto da cantora Marianna Leporace, mudei de ideia, pois o que eu havia pretendido ela o lograra. Sobretudo, ao mesmo tempo que seu depoimento me emocionou, lavou-me a alma saber que ainda existem grandes cantoras que têm o que dizer e intimidade o suficiente com as palavras pra fazê-lo, e bem. Mas em outro momento tratarei mais acerca de Marianna. Por ora deixo que ela mesma o faça, por meio de seu texto, que, embora trate de Toninho, diz muito sobre ela.

Toninho e eu
Por Marianna Leporace

Conheci Toninho Spessoto em Tatuí, interior de São Paulo, em junho de 2001. A cidade é conhecida pelo atuante Conservatório de Música e pelos festivais competitivos de música que realiza há muitos anos. Estava eu lá pra defender uma canção de Marcilio Figueiró e Simone Guimarães, sem saber que a viagem me reservava um encontro importantíssimo!

Toninho, grande jornalista especializado em música, foi cobrir o festival. Eu havia acabado de lançar o primeiro CD da minha carreira chamado São Bonitas as Canções, que fiz com a pianista Sheila Zagury, com as parcerias para teatro de Edu Lobo e Chico Buarque. A compositora Cristina Saraiva nos apresentou formalmente em um café da manhã, assim pude dar meu CD de presente ao crítico especializado. Nesse café passamos horas e horas a fio batendo papo, falando de música e da vida. Ali percebi que estava diante de alguém mais do que especial, de um forte candidato a "amigo de infância", de alguém que não estava conhecendo naquele momento, mas reencontrando nessa vida terrena (sim, acredito nisso piamente).

Foram dois dias leves e alegres, conheci muita gente, mas confesso que Toninho ocupou o maior espaço das minhas lembranças. Dali partimos, cada um pra sua cidade, pros seus afazeres, mas a semente havia sido plantada.
O contato passou a ser quase diário por e-mail particular e através da M-Música, a fundamental lista de discussão na internet da qual nos tornamos membros quase que simultaneamente, logo depois do nosso primeiro encontro.

Toninho foi se tornando rapidamente um grande amigo, um irmão, que passou a me chamar para todo o sempre de “mana”. Éramos de fato irmãos espirituais e havia entre nós uma relação cúmplice de muita confiança, lealdade e companheirismo.

Meu CD ganhou uma crônica linda, assim como todos os meus trabalhos que vieram depois. Ele passou a ser o redator oficial dos releases dos meus CDs. Era o primeiro a ouvir as minhas gravações ainda antes da finalização. Sabíamos tudo um do outro, dos agitos profissionais e pessoais, de tudo que realizávamos. Por intermédio dele conheci um universo de artistas novos e histórias incríveis da música universal. A vida era maravilhosa com a presença dele. A ele eu e a música independente devemos muito. 

Sem ele o mundo musical fica bem mais pobre, porque além de escrever lindamente e com total conhecimento de causa, Toninho cantava que era uma loucura. Sinto muito não termos gravado nosso dueto em Alfie, de Burt Bacharach. Mas como acredito que a vida não acaba nunca, ainda teremos nossa chance...

Para quem acredita que não existem coincidências na vida:

No dia em que ele partiu, eu, muito triste, entrei no supermercado em frente a minha casa. Era véspera de Natal. Quando dei por mim, a música que tocava na rádio era I Say a Little Prayer, o que já seria por si só incrível, por ser Bacharach o autor favorito do Toninho. Mas o que me causou o maior impacto é que quem interpretava a canção era eu, no registro que fiz pra série de CDs chamada Pop Acústico!!! Eu, que frequento esse supermercado desde criança, jamais ouvi uma gravação minha na rádio de lá (acredito que seja uma rádio comercial), e me ouvi pela primeira vez naquele momento em que havia acabado de saber de sua partida, cantando uma de suas canções favoritas. Essa foi nossa despedida temporária. Ele certamente estava ali me fazendo esse carinho, e eu senti isso.

Mano, ainda vamos nos encontrar muito por essas estradas musicais que nos unem. Vamos ser muito felizes juntos, sempre juntos!

Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 2010.

***

Visite o blog de Toninho aqui.

Ouça o trabalho de Marianna aqui e aqui.

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11 comentários:

  1. Sim! Ainda há grandes cantoras! E ainda nem sequer a ouvi cantar...

    Abraço.

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  2. Salve, Samuel! Sim, elas ainda existem. Ouça a moça!

    Abraços do
    Léo.

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  3. Nossa, Leo...estou extremamente comovida! O Toninho era um grande amigo, parceiro de composição, de risadas, um dos maiores incentivadores do meu trabalho e do trabalho de muitos amigos...
    Mari, seu texto está lindo! E sim, ele se deu ao trabalho de se despedir de cada um de nós ao seu modo!!!!
    Beijos!
    Andressa Dantas

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  4. Muito obrigada, Léo,
    Por muitos motivos é uma honra ter um texto meu publicado em seu blog.
    Mas o fato de vc, escritor e poeta que tanto admiro, ter visto alguma qualidade nos meus escritos, me deixa realmente lisonjeada!
    Obrigada tb ao Samuel, pelo comentário gentil.

    Ja me tornei seguidora do blog.
    Um beijo grande
    Marianna

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  5. Andressa, muito obrigada!
    Toninho nos fará muita falta, não é?
    Um beijo grande
    Marianna

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  6. É, Andressa, perdemos todos uma voz que falava de nós, uns olhos que nos enxergavam e uns ouvidos que nos ouviam. Mas, como disse a Marianna, deve estar conosco ainda, de um novo modo.

    Mari, queria ter você em meu blog de algum jeito. Quando li seu texto, apesar da comoção, fiquei quase feliz, pois podia te apresentar por aqui também como a pessoa esclarecida que é e com a opinião que tem.

    Beijos do
    Léo.

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  7. Léo e Mari, é por essas e outras que amocêis. E que viva, reviva e sobreviva a vida e a esplendorosa obra do nosso imorredouro Toninho, imperador eterno de Povolindolândia!!!

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  8. Amém, Etel! Saiba que na Povolindolândia tem avenida com seu nome!

    Beijos do
    Léo.

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  9. Leo,
    Só tenho a te agradecer por isso. Adorei fazer parte do seu blog dessa forma, com um texto, falando um pouco da minha história com o Toninho, enfim...fiquei muito feliz.

    Seu blog é o máximo e admiro muito o respeito que vc tem pelo trabalho dos seus pares, dos seus parceiros e amigos. Eu me identifico muito com o seu movimento e quero ficar por perto!

    Etel, amo vc e toda a nossa Povolindolândia!!!

    beijos
    Mari
    P.S. Como é que eu consigo colocar a fotinha ai ao lado do meu comentário????

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  10. Oi, Mari! Sou eu quem agradece.

    Quanto à foto, acho que você tem que ir ao seu e-mail cadastrado pra deixar comentários aqui. É um gmail? Tente lá.

    Beijos do
    Léo.

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