sábado, 21 de janeiro de 2012

Crônicas Desclassificadas: 30) De Elis a Teló

Eu tinha prometido a mim mesmo não meter a colher nesse (insosso) caldo a respeito da questão Michel Teló, mas, como quebrar promessas é meu hobby, cá estou eu mordendo a língua (ai!). Mas o que me fez vir aqui tecer essas palavras não foi o moço do "ai, se eu te pego", e sim a relação na linha do tempo entre sua música e a efeméride dos 30 anos da morte de Elis Regina. Ah, quase ia me esquecendo: também ajudou a leitura de texto de Pedro Alexandre Sanches (Afinal, o que Há na Música de Teló?em seu recomendável blog Farofafá. De tudo o que li a respeito do fenômeno Teló até agora, as palavras de Pedro foram as mais sensatas. Maaaaas...

... Quando perdemos muito tempo com coisas que não são relevantes, é sinal de que "alguma coisa está fora da ordem". Há tanta gente boa sobre quem não se escreve uma linha, então escrever sobre um rapaz que canta uma canção que sob nenhum aspecto pode ser considerada novidade, evolução ou sei-lá-o-quê é sinal dos tempos. Ok, ok, o jornalismo precisa tratar dos "fenômenos". Ainda mais atualmente, quando cada vez menos pessoas leem jornais, o que torna a busca por leitores mais importante que a informação em si (visto que esta está, gratuitamente, a um clique do "rrrato" daqueles).

Mas... Como eu não sou repórter, tô me lixando pra saber se Luíza voltou do Canadá ou de Cabrobó, se fulano do BBB estuprou beltrana etc. Mondo, mondo cane, mondo, mondo cane... Da mesma forma que não vejo por que gastar tantas linhas tratando de, como direi?, música ligeira. Meu bom e velho Guilherme Rondon, este, sim, tem o direito de falar sobre Teló, visto que foi por ele gravado e deve estar recebendo uma grana de direitos autorais (no meu caso, faria o mesmo). Mas os demais...

E onde entra a pobre da Elis na farofa? Sim, ela entra justamente como representante de um padrão de um tempo que já se esvaneceu, infelizmente. Ao tratar do caso Luíza, o âncora do Jornal do SBT, Carlos Nascimento, mandou a pérola: "Nós já fomos mais inteligentes". Claro que depois o quiseram "desgabaritar", pois o moço, funcionário da emissora em questão, terminou o programa com um "Fiquem agora com o Programa do Ratinho". Ratos à parte, é aí onde entra Elis...

... No "já fomos mais inteligentes". Elis, a menina pobre e suburbana, sulista sem maiores estudos e completamente alienada, acabou se tornando um símbolo da resistência contra a ditadura e uma figura-chave no processo de aceleração da abertura política no Brasil à época, por cantar as dores e esperanças de um povo que era obrigado a calar. Por dizer o que pensavam, pessoas morriam, sumiam, eram presas, torturadas ou mesmo expulsas do país do "ame-o ou deixe-o". As canções, então, eram ferramentas imprescindíveis nessa luta por liberdade. Já hoje...

Hoje somos "livres", podemos dizer (e compor) o que nos dá na telha, ter acesso à informação em tempo real, baixar canções, filmes, livros(!), mas caímos num grande vazio. O vazio do não ter por que lutar, da falta de causa. Nosso umbigo nos engoliu. Acho que todo artista tem o direito de escolher o caminho que lhe aprouver, afinal, "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é", em outras palavras, cada um sabe onde o sapato aperta. Mas assistir ao vídeo oficial de Ai, Se Eu te Pego e ver aquele bando de mulheres bonitas (com cara de classe média) fazendo a dancinha sacana e machista da canção, confesso, foi demais pro meu coração de compositor. As mães (ou vós) delas, anos atrás, cantavam "Caía a tarde feito um viaduto/ e um bêbado trajando luto/ me lembrou Carlitos"...

Caetano, recentemente, no Altas Horas, ao responder a uma pergunta feita por um jovem da plateia acerca da baixa qualidade da música brasileira atual, saiu-se muito bem, como de costume, ao alertar pro fato de que a música comercial sempre, em todas as épocas, teve mais espaço que a considerada de nível. Disse mesmo que a canção que ele e seus pares fazem é que é a exceção. Concordo. Ele só se esqueceu de dizer que em outras épocas (e a época da ditadura estava entre elas) as emissoras de rádio e tevê (que funcionam por concessão do governo) eram, sim, mais democráticas no que se refere à variedade de estilos.

Lembro-me de que (tenho certeza de que já falei isso aqui, mas, vá lá...) quando era garoto ouvia na mesma emissora de rádio Chico Buarque, Roberto Carlos e Amado Batista. Ou seja, cada um escolhia o que queria ouvir. Hoje isso é praticamente impossível, pois desde criança o cidadão é "obrigado" a escolher se é sertanejo, pagodeiro, roqueiro e por aí vai. E eu pergunto: por que raios todos têm que ser rotulados? O indivíduo não pode ser eclético? Uma coisa é escolher entre laranja, mamão, banana, maçã; outra coisa completamente diferente é escolher entre as laranjas qual lhe parece mais suculenta.

Isso sem falar no jabaculê. É só um camarada aparecer na telinha, todo mundo acha que é por merecimento, porque o cara é bom. Quase ninguém pensa que há alguém por trás injetando dinheiro na carreira do fulano. E ninguém mais possui o "semancol" de duvidar do "padrão de qualidade". Ou seja, se eu não gosto da música de fulano que está estourando, a culpa deve ser minha, então sou eu quem tem que se adaptar. Bem que os sucessos atuais podiam se chamar "boi music", com o slogan "não fique só, venha pra manada você também!".

Pedro termina seu texto se perguntando "por que eu deveria ter medo ou nojo de Michel Teló, ou de qualquer outra música popular brasileira? Música pop não foi feita para a gente gostar, dançar, cantar junto etc.? E, se eu não gostar, não é só mudar o canal?". Taí, era onde eu queria chegar. Cada artista devia ter na mídia o espaço de sua própria dimensão. Música pra dançar é apenas isso, música pra dançar. E o artista que se dedica a esse tipo de som não devia ser endeusado, tampouco satanizado. Devia simplesmente caber em seu tamanho. Talvez sobrasse mais espaço pra se tratar de Elis Regina... ou desse bando de Ninguém me Conhece. Né não?

PS: Perdoem o excesso de reticências...

8 comentários:

  1. To aqui num café da cidade curtindo uma angustiazinha safada e entre um café e outro li esse seu texto. Cada vez me sinto inadequado nesses tempos modernos. Vejo a idiotização tomando conta das pessoas com essa coisa toda de luiza, telló, bbb... Não tenho com quem conversar as coisas que quero conversar porque tudo termina em Luiza, Telló ou Bbb... Eu me afastei da musica atual por falta de paciencia para garimpar, é tanto pedregulho que cansa. As pedras não estão mais no meio do caminho! Elas estão em todo lugar. Cansei. Ando lendo Machado, Pessoa, Mia Couto, Drummond em voz alta pela casa, é terapia mas é tbm quase um protesto. Bjs Veleiro

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    1. Velerim:

      No final das contas, estamos todos sós rodeados de gente por todos os lados. Tenho medo de me sentir inadequado em meu tempo, afinal é nele que vivo, mas que é uma guerra injusta, ah, isso é. Mas acho que lentamente as coisas melhoram. É só cada um fazer sua parte.

      Sabe que tenho o hábito de ler também em voz alta? Mas faço isso mais quando leio livros em espanhol, pois é um modo de a língua se acostumar cada vez mais ao idioma, visto que não tenho com quem falar diariamente.

      Tô te devendo a retomada da prosa, né? Guenta, que já sai.

      Beijão,
      Léo.

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  2. Ai se te pego...ai ...ai
    Aprendi que isso se chama. Veja um pedacinho do texto de Luciano Pires:
    ...
    - Pô, não consigo tirar essa música da cabeça!

    Pois é... Dizem que os memes fazem cócegas em nosso cérebro, e a única forma de combater as cócegas é coçando. E para coçar o cérebro, só repetindo o meme. É assim que a coisa funciona. Bem, agora você já sabe. Quando se pegar cantando, mesmo que mentalmente, “Ai se eu te pego”, é coceira no cérebro. Mas não se desespere. Com o tempo, passa...



    Luciano Pires

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    1. Lucinda, querida:

      Contra essas coceiras temos boas pomadas. São melhores e mais eficazes que essa "coçada", pois, se nos acostumamos a coçar, vai que vira hábito...

      Beijos do
      Léo.

      P.S. A quantas anda nosso livro?

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  3. que buen tema de discusión!! yo, a pesar de todo ( y a costa de casi no oír radio ni ver tv...adhiero al frase de Luis ALberto Spinetta...."Aunque me fuercen yo nunca voy a decir, que todo tiempo por pasado fue mejor, mañana es mejor!"
    En fin...optimista incurable....prefiero tratar de modificarme a mi misma en el presente y ver si así el futuro puede ser distinto...claro que siempre juntandome con gente de mi onda, para tener un respiro, y no sentirme un "bicho raro"..

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    1. Hola, Marce!

      Entonces somos dos: yo también soy un optimista, pero igual me siento un "bicho raro". Contradicción? Puede que sí, pero hoy, para tener esperanzas, que que ser un bicho muuuuuy raro. Jajaja!!!

      Besos,
      Léo.

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  4. contradictorios sinónimo de humanos..ya lo dijo en un poema que no recuerdo (prometo buscarlo!) Juan Gelman , a quien te recomiendo leas!!
    Aguanten los "bichos raros" !!

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