sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Crônicas Desclassificadas: 59) Mexericos dos candinhos

Eu nem era nascido, foi lá por meados dos anos 1960, quando a voz de Roberto Carlos ecoou nas rádios cantando "A Candinha vive a falar de mim em tudo/ Diz que eu sou louco esquisito e cabeludo/ Que eu não ligo para nada, que eu dirijo em disparada/ [...] Ela diz que eu sou maluco e que o hospício é o meu lugar/ Mas a Candinha quer falar [...]". Ao que me consta, Mexerico da Candinha (mesmo nome da canção acima) era uma coluna semanal voltada a fofocas de artistas numa revista chamada Rádio, na qual vez em quando sobrava alguma alfinetada na direção do Rei. E a coisa chegou a tal ponto, que ele teve que extravasar "dedicando-lhe" a supracitada canção.

Foram-se os tempos em que coisas como mexerico, fofoca, disse me disse, intriga, conversa mole, bisbilhotice, boato, zum-zum-zum, balela, ruído, rumor, burburinho, bulício, velhacaria, tagarelagem, papagaiada, lero-lero, xeretice, picuinha, papo furado, alcovitagem e outras patifarias recaíam sobre o sexo feminino. O século 21 conseguiu avanços nessa área, e, se a mulher saiu do portão e já pode exercer com desenvoltura cargos outrora considerados masculinos, o homem, por sua vez, tem se esmerado em transitar com maior desprendimento nas artes da reportagem da vida alheia.

Tenho cá comigo minhas teorias. O macho provedor vive dias difíceis; a mulher se emancipa mais e mais a cada dia, já não carece do braço protetor do homem-leão, outrora rugidor rei da selva de pedra. Ela já pode ser chefe de família, dirigir seu próprio carro, comandar sua própria empresa, relacionar-se sexualmente (e sortidamente) sem a necessidade do casamento, chega mesmo a optar em muitas ocasiões por uma relação com uma pessoa do mesmo sexo, fatores que tendem a transformar o homem em elemento descartável nessa cadeia alimentar.

Assim que ele, obsoleto e mal pago (quando muito, resumido a banco de sêmen), volta-se ao útero materno, à infância, quando por um nada cometia intrigas entre os coleguinhas. Hoje o homem, essa criatura de pelo na cara e uns pares de décadas nas costas, tornou-se um bichinho de pelúcia meio mal-ajambrado que, à falta de um seio materno, mama em garrafas e, sem berço, chora em calçadas ou praças públicas. A competição não lhe é justa, e ele se sente um remelento e emporcalhado garoto de bermuda ostentando na mão, no lugar de um sorvete, um copo de cerveja.

Ele, que ainda anteontem pavoneava com riqueza de detalhes o ato de exagerar acerca das generosas medidas de seu membro reprodutor, hoje se conforma com as medidas (ainda mais generosas) de sua língua. Ela representa hoje seu puro estado de macheza, ela é o pau de sua bandeira. Por meio dela ele, que não ambiciona mais sucesso algum da vida, transforma-se em um Hemingway, em um Jorge Amado, e, por que não?, em uma Glória Perez! Ostentando uma pança de responsa, tipo capa e espada, sente-se a serviço dos quixotes do cotidiano, tendo, em lugar da arma branca, uma long neck na mão direita.

Passou a acompanhar telenovelas como se fossem a final do campeonato, aguçou o escutador de tanto malhá-lo nas academias botequísticas, onde levanta uma Caracu com uma mão e um ovo com a outra, anda atento aos sons que escapam da vizinhança (às vezes com um cone entre o auscultador e a parede-meia), um verdadeiro noticiarista dos cadernos "cidade" ou "cotidiano" do bairro, de deixar os profissionais de facto no chinelo. E, quando conhecedor das engrenagens das tais redes sociais, faz ecoar seu talento pra além-fronteiras e chega a se sentir uma espécie de correspondente estrangeiro. Acha-se útil e importante, afinal, profissão é profissão, e o homem não nasceu pra ser amador em nada, mesmo que se trate de ignóbil e peçonhenta empreitada! 

Mais filho de Caim que de Adão, com todas as costelas (inclusive a devolvida após o vencimento do prazo de validade), virou um voyeur canastrão, mais digno de personagens rasas de pornochanchada que de filmes de HitchcockSherlock lóki, usa, biônico, seu binóculo, sobretudo na direção daquela espécie de macho que ainda consegue, a duras penas, algum retorno profissional ou afetivo. Não raro vai, palito de dente no canto da boca, flatulento, de unhas sujas e pelo no nariz, em cima dos gays ou dos metrossexuais, bufando e babando de inveja, tentando decifrar-lhes os segredos do sucesso.

Meus caros (e parcos) leitores, a que ponto chegou o cabisbaixo e corcunda tataraneto do homo sapiens? Nem consegue mais a dignidade de ficar ereto. Rasteja em busca das pequenas glórias da difamação, e isso lhe basta. Trocou a gravata sóbria pela gravata de língua, tupiniquim qualidade de Pinocchio e Cyrano que, em vez do nariz (ou de outros órgãos), alardeia o crescimento desta víbora silábica (e, em seu caso, sibilante) que mal consegue respirar fechada dentro de sua cavidade bucal! Não à toa cada vez mais mulheres procuram outras mulheres e os homens não corrompidos por tal desolador (e desolado) vírus procuram outros iguais. Tenho cá pra mim que em alguns anos só restará ao homo lingua a extinção, visto que a ciência ainda não conseguiu um meio que garantisse a proliferação da raça por meio do sexo oral.

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P.S. Deixo Edu Lobo (nos versos de Cacaso) dizer o que calei:



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