segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Trinca de Ouro: 6) Dose tripla de Kana (+ Paquito D’Rivera)

Há alguns dias chegou o quarto CD da Kana, Em Obras. Ontem chegou o terceiro, Imigrante, com um atraso de quatro anos! Mas o importante é que chegou, agora oficialmente, e agora nosso, pois o compramos da Koala Records, de Vasco Debritto, que estava sem condições de lançá-lo. Pra comemorar, resolvi postar aqui uma canção de cada disco acima e mais uma, do Imitação, com suas respectivas histórias. A elas, pois:

1) EM OBRAS

Já escrevi aqui que com o não lançamento do Imigrante Kana andava bem desmotivada, um tanto deprimida com a estagnação de sua carreira, até que Zeca Baleiro não só letrou uma melodia dela, como a gravou em seu O Disco do Ano. O Amor Viajou é o nome da cria. Isso lhe devolveu a motivação que andava faltando e lá fomos nós de novo pro velho Art Brasil, de Omar Campos (onde Kana gravou também seus dois primeiros discos), dessa vez pra gravar o quarto CD, Em Obras.

E é justamente dessa canção que eu gostaria de tratar. Certa vez Zé Rodrix me falou que "os homens morrem, mas as obras são imortais". Fiquei com aquilo martelando na cabeça por muito tempo, até que um dia Kana me encomendou uma letra pra uma melodia nova, e eu vi nela a oportunidade pra tratar desse tema. 

Depois de pronta, cheguei a oferecer parceria a ele, pelo mote, mas ele não aceitou. Aliás, ele tinha muitos motes e era generoso, saía espalhando por aí. No Caiubi muita música nasceu de motes dele, como o grande samba Arsênico, de Élio Camalle e Zé Edu Camargo. Bem, o  acabou nos deixando antes do tempo, e nós, como forma de agradecimento, decidimos dedicar o disco a ele e a Zeca Baleiro, duas pessoas vitais na feitura desse trabalho.




EM OBRAS
Kana – Léo Nogueira

Nem a grana 
Nem a graça 
A coragem 
A couraça
Um milagre 
Uma miragem 
O petróleo 
Nem o sal

Nem a hóstia 
Nem a drágea 
Nem os santos
Nem a sorte
O acaso 
Em cem anos
Nem a ciência salvará o que é mortal

Picasso, Kafka, Victor Hugo, Gaudí,
Janis Joplin, Cássia Eller, Portinari, Elis

Nem miséria 
Nem desgraça 
Covardia
Carapuça 
O cinismo 
Nem a chantagem
Nem a língua, nem a lâmina, a guerra, os ais

Shakespeare, Chaplin, Pixinguinha, Da Vinci,
Kurosawa, Frida Kahlo, Tom Jobim, Noel

Nem blasfêmia 
Nem contágio 
Nem o demo
Nem a praga 
O ocaso 
Nem cem anos
Morrem os homens, mas as obras são imortais


PS: Essa canção foi anteriormente gravada por Mariana Platero (ouça a versão dela aqui), contudo, como a prosódia de Kana não estivesse boa em algumas partes, fui obrigado a trocar alguns imortais por outros (risos).

***

2) THE MAGIC CITY - ECLIPSE

Kana é grande fã do saxofonista e clarinetista cubano Paquito D'Rivera e passou anos querendo cantar uma música dele, só que era instrumental, daí me pediu que lhe fizesse uma letra. Quando ouvi a música fiquei muito emocionado, pois era linda! E me remeteu a algo nostálgico, certa saudade de um tempo bom que existe mais em nossas recordações do que no passado.

E acabei fazendo uma letra que falava do Bixiga que eu conhecera quando jovem e que frequentara. Hoje sou morador do bairro, mas muito daquela atmosfera se perdeu, muitas casas boas fecharam, como o Boca da Noite, o Villaggio Café, o Café do Bexiga (mais recentemente o Novo Lua Nova... Este, contudo, espero que reabra, com Haddad na prefeitura)...

Enfim chegou a oportunidade, pelas mãos de Vasco, de gravá-la, finalmente. Consegui o contato de Paquito, enviei-lhe a canção, e ele não só gostou como autorizou que a gravássemos. O problema era que a música estava editada nos Estados Unidos, onde ele vive, e a negociação com eles foi tensa. Tive que pedir ajuda a uma editora argentina que cuida da obra de Paquito na América do Sul, mesmo assim perdi uns bons dois meses nessa brincadeira. 

E a editora só aceitou com duas condições: 1) que eu tivesse apenas 25% de seus direitos autorais, visto que eu pusera letra numa música que já existia; e 2) que mantivesse o título original. Daí que ficou essa coisa nada a ver, pois a letra, que se chamava Eclipse, não tem nada a ver com esse magic city, que, aliás, foi uma homenagem dele a Miami. Bati o pé e consegui manter meu título como subtítulo. Mas valeu a pena.




THE MAGIC CITY – ECLIPSE
Paquito D’Rivera – Léo Nogueira

Pingos de luz

A calçada meus passos conduz
Eu tropeço em ecos de épocas
Onde calei a voz


A noite traz
Uma brisa de mil carnavais
Eu atrelo uma estrela cadente
Que me faz voltar atrás

Eu vejo sob os meus pés

As pegadas que outra madrugada desfez
Sou sombra na noite a beber gotas de prata
A lua oculta aguarda a vez

Me falta um trago

E, enquanto vago,
Canções me assaltam o chão
Nas nuvens, convido pra dançar a ilusão

***

3) PEDRA BRANCA (SHIROISHI)

Praticamente todo mundo que me conhece já sabe essa história, mas esse momento de alegria me sugeriu escrevê-la. Visitei a Terra do Sol Nascente em três oportunidades, sempre acompanhando Kana em seus shows (acompanhando, ou seja, indo junto, não tocando. Hahaha!). Numa dessas oportunidades, conheci a simpática cidade de Shiroishi, que fica no norte do Japão.

Era começo de inverno, e havia nevado na cidade, deixando uma camada branca sobre telhados e calçadas. Kana iria se apresentar numa casa chamada Café Milton, em homenagem a, obviamente, Milton Nascimento. Até aí não há novidades, a novidade deu-se por conta de eu ter descoberto que Shiroishi significa, em japonês, Pedra Branca. Sou de Senador Pompeu (Ceará), mas meus avós são de Pedra Branca, ou seja, a origem da família é de lá. Dizem mesmo que as duas eram uma única cidade, mas que depois acabou sendo dividida, por motivos políticos.

Depois do show de Kana, houve uma confraternização, regada a feijoada (eles tentaram!) e saquê. Num determinado momento, já um pouco alterado, fui ao toalete e, quando lavava as mãos, recebi, literalmente, uma canção. Veio-me inteira, letra e música, como se tivesse sido psicografada. Só tive o trabalho de escrevê-la em um guardanapo, para não a esquecer. Dei-lhe o nome de Pedra Branca (Shiroishi), assim, em português e japonês, numa homenagem a essas duas cidades tão iguais e diferentes. 

Digo sempre que a compus em parceria com o saquê, daí ela já ter nascido com esse espírito internacional, embora seja um xote. Ou por isso mesmo. Até porque sua linha melódica tem um quê de oriental, como vocês ouvirão. A parte engraçada foi que a fiquei cantarolando por oras, até voltarmos pro hotel, quando peguei um MD e a gravei, pra não a esquecer. Kana ficou tão emocionada com a história, que a acabou gravando, com a luxuosa participação de Oswaldinho do Acordeon. Tempos depois, os donos do Café Milton nos pediram autorização pra incluí-la num CD comemorativo de dez anos da casa. Ô, orgulho! Por isso que dizem que tem cearense até no Polo Norte. Afe!


PEDRA BRANCA (SHIROISHI)
Léo Nogueira

Minha flor plantei lá no norte

Mas um vento forte levou-a
Minha flor voou com a sorte
E ainda agora voa
E ainda agora voa

Minha flor foi ver outras flores
De outras cores e outros cheiros
Sentir alegrias e dores
No(s) jardim(s) do mundo inteiro
No(s) jardim(s) do mundo inteiro

Havia uma Pedra Branca

Que era o centro do jardim
Mas deu lugar a pedras tantas
E quase se perdeu de mim

Num norte onde a neve cai

Tão igual e diferente
Senti que, por mais que as deixe pra trás,
Raízes vão dentro da gente

***

4 comentários:

  1. Parabéns aos dois!! Adorei as músicas, guardem um CD para mim, beijos.

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  2. Gracias, Ana! Cuando nos encontremos!

    Besos,
    Léo.

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  3. Leo.. ta muito linda a musica da Kana.. valeu a pena ter vindo te visitar.. beijos

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