domingo, 11 de novembro de 2012

Trinca de Copas: 13) Dose Tripla de Élio Camalle (+ Ana Paula Xavier)

Seguramente o cara com quem mais filosofei, briguei, bebi, discuti, compus, joguei conversa fora, ri (chorei?) e outros tantos verbos atende por Élio Camalle (em segundo lugar, pra evitar ciumeiras, vem outro camarada, Antônio Carlos, com quem fiz tudo isso, menos compor). Assim que, quando no começo deste ano ele se mandou pra uma temporada na França, sua ausência (como na canção de Chico César) se fez mais presente. Claro que ele deixou a meus cuidados seu pupilo Gabriel, mais uma coisa é uma coisa e outra coisa é algo completamente distinto.

Daí que, desde essa época, pra aplacar um pouco tal ausência, planejava escrever-lhe este texto, mas as coisas de menor importância acabaram me tomando um tempo muito grande, e só agora, depois de seu regresso, consegui transformar o desejo em realidade. Acima disse que Camalle foi o cara com quem mais compus, e isso é certo, pois já passamos há muito das cem canções. Escolhi, portanto, três delas pra serem as protagonistas destas linhas. A escolha dessas três especificamente se deveu pelas histórias por trás delas, visto que há canções belas que não trazem alguma história interessante. A elas, pois:

1) BETTY, UM BLUES

Minhas viagens ao Japão sempre foram inspiradoras. Da primeira vez, enchi mesmo um caderno com anotações várias, meio como um improvisado diário. E enchi outro só com letras, muitas das quais virariam belas canções no futuro, como, por exemplo, Hiroshima (parceria com Clarisse Grova) e Teimosia (musicada por Adolar Marin).

Uma delas, contudo, nasceu de uma experiência ímpar. Um belo dia Kana encontrou uma fita de VHS de um filme francês que ela amava: Betty Blue. Como tínhamos a tarde livre, resolvemos vê-lo. Em meu caso era mais ou menos ver mesmo, pois o filme, obviamente, era falado em francês e, mais obviamente ainda, as legendas estavam em japonês!

Mas foi um exercício prazeroso, com Kana (a contragosto) me ajudando de quando em vez na compreensão da trama. Resumindo mal e porcamente, o filme conta a história de um jovem que é uma espécie de zelador de bangalôs aspirante a escritor que conhece uma bela garota (a tal da Betty) que põe sua vida de cabeça pra baixo. Bem, não vou contar tudo, pra não tirar a graça, basta dizer que o filme é bem sensual e tem cenas de alto impacto.

E o impacto foi tão grande, que acabei dedicando-lhe a letra em questão, que, já de volta ao Brasil e após mostrá-la a Camalle, foi por este musicada. Nervosamente musicada, eu diria. Camalle, sem ter assistido ao filme, captou-lhe a essência por meio do desespero da melodia e da interpretação. Como diria um marqueteiro, ouçam a canção e vejam o filme!


BETTY, UM BLUES

Betty, me bate de novo
Com raiva, gozo e amor
Betty, teu cheiro de rosa
Há no meu corpo em brasa
Mas teu riso na casa
Silenciou

Vem, Betty, traz teus incêndios,
Escândalos, seios e tua fé
Vem quebrar meus móveis
Escrever meus livros
Eu sou um personagem de você

Vem, Betty, pintar o sete
Comete teus erros outra vez
Vem cega, vem nua,
Sem filho em sem cura
Traz tua loucura
E minha lucidez

***

2) EU

Minha querida e sumida amiga Ana Paula Xavier há alguns anos me escreveu pedindo autorização pra postar em seu blogue um texto meu. Autorizei, oficourse, e em seguida ela me mandou o link pra que eu lhe fizesse uma visitinha. Não só fiz como, já que eu tava lá mesmo, resolvi dar uma espiada em outras publicações suas.

Foi aí que me deparei com um instigante texto com o sugestivo título de Me, Myself and I. Acho que meu texto acabou sendo um balde de água fria pra Aninha, pois depois dele ela nunca mais postou nada, mas, acreditando que meu bloguinho não vai ter o mesmo fim, devolvo a gentileza e publico aqui seu texto, pois vale a pena:

(
18/10/2008
Me, Myself and I

Diante da tragédia que se abateu sobre São Paulo ontem, que eu prefiro não comentar pq todos os meios de comunicação já estão fazendo isso exaustivamente e de maneira nauseante, comecei a procurar, nem que fosse por alguns momentos, algo q me isolasse de tanta atrocidade.

Antes já havia procurado um texto antigo pra mostrar pra B., e me deu vontade de voltar aos meus arquivos e reler algumas coisas.

Quanto de mim eu encontrei nesses 5 ou 6 anos de textos! Revi e revivi todas as histórias - as que eram ali contadas e as da minha vida q corriam em paralelo enquanto eu as escrevia. "Você nunca está arruinado se tem uma história boa pra contar e alguém pra ouvir".

Deu saudade. Mas não saudade dos fatos, de uma época, deu saudade de mim. Tô com tanta saudade de mim agora... De uma EU que talvez tenha ficado perdida em algum ponto do trajeto, enquanto eu provavelmente me consumia com coisas menores, alguma mesquinharia ególatra, quem sabe. Quero minha EU de volta. Pode ser que EU não more mais em mim, tenha se mudado, mas quem sabe EU deixe eu me visitar. Podemos tomar chá, cantar um pouco, ficar próximas, talvez íntimas... EU mal me conhece!

Vou tentar. Boa sorte pra mim.

Pra nós.

:)
)

Não é bonitinho? (Ana, você ainda lembra que tragédia teria sido essa?) Bem, vocês já devem ter adivinhado, né? Abri uma página nova no word e transformei esse texto em versos. Coincidentemente, na mesma tarde apareceu em casa o velho e bom Camalle, pau pra toda obra, e, ao ver a letra impressa sobre a mesa, tascou-lhe uma melodia, que é a que vamos ouvir agora. Relevem a qualidade da gravação, foi feita nos estúdios da popularíssima Tosco Records, mas a canção é boa. Ah, o link do finado blogue da Anahttp://aminhacara.blogspot.com


EU
Élio Camalle – Ana Paula XavierLéo Nogueira

Cadê você, Eu?
Será que me esqueceu?

Faz tempo que eu não vejo Eu
Que Eu não vem me visitar
Essa saudade me doeu
Eu quero Eu no seu lugar

Sem Eu, eu sou outra pessoa
E essa que hoje me possui
Não me parece gente boa 
Eu quero ser a Eu que eu fui 

Quem sabe, Eu tenha se mudado
Quem sabe Eu tenha se perdido
Ou Eu não more mais em mim 
Eu quero minha Eu de volta 
Eu quero minha Eu sem falta 
Sem Eu, o que será do Mim?



P.S. Mantivemos o EU no feminino, como no texto de Ana, mas pode ser perfeitamente cantado no masculino, afinal, "Eu", cada um tem o seu.



***




3) O QUE VOCÊ NÃO SABE


Camalle é um tipo que tem facilidade pra transformar literatura em canção, e em algumas dessas canções ajudei não só como parceiro, mas como o provedor dos livros. E um deles foi justamente Lolita, de Vladimir Nabokov, que lhe emprestei e que o fascinou (assim como também a mim). Tempos depois, aliás, muito tempo depois, visitou-me ele, Kana não estava, daí, entre umas e outras pintou aquela vontade de compor (força do hábito). Tentamos algumas coisas, mas estávamos sem ideias, até que...

... lembramo-nos de Lolita e de como há Lolitas por aí. Reconhecemos mesmo uma em particular que era de nosso convívio e que flertava meio como quem não flerta, fazia-se de morta pra escutar o papo nas rodas e tinha um olhar... como direi? ... "oblíquo e dissimulado"? Não, não sei se chegava a tanto, mas era um olhar que podia significar sinceramente tudo, ou muito pelo contrário.


Achamos que esse mote dava música, e embebidos (entenderam o duplo sentido?) do senso do gavião ante a ninfeta, tascamos em meia hora mais ou menos a O que Você não Sabe, que é uma de nossas parcerias preferidas, pois, além de ter uma melodia belíssima, ousa pôr em xeque a suposta experiência do macho predador ante o "frágil" alvo. No mais, esse encanto que algumas púberes exercem em barbados não é de hoje. Em alguns países, como o Japão, por exemplo, a coisa beira a patologia.



Mas deixemos patologias de lado ("enquanto os patos vão pro sul") e vamos ao que interessa, a canção. Antes, só pra finalizar, acho que aquelas Lolitas devem andar hoje envolvidas em causas ambientais, ocupando Sampas, clamando pelos direitos das mulheres, mostrando o peito em sinal de despeito, enfim, devem andar muito ocupadas. Espero, carinhosamente, que o futuro lhes seja gentil e lhes ensine algo que lhes venha a ser de valia quando as qualidades temporais forem esvaecendo. Até porque a roda do tempo não para, e ao redor das novas rodas há sempre novas Lolitas. "Essa moça tá diferente..."



O QUE VOCÊ NÃO SABE

Por­que você faz cara de ilha
Quando eu sou o mar
De frente pra oitava maravilha­­ 
Até as ondas perigam naufragar 

Porque você faz caras e bocas
Quer me fotografar
Sem ar, sem artimanha, sem as roupas 
De Casanova, de Don Juan, sei lá... 

O que você não sabe do prazer 
É que tesão não crê em RG 
O que você não sabe, quer saber? 
É que eu sei mais, e menos que você



A título de esclarecimento: os "porquês" acima são afirmações, por isso não estão separados, ok?



***

PS: Se você chegou até aqui é sinal de que aguenta mais! Então, pra finalizar, deixo-o com uma, digamos, faixa bônus: uma canção (que muito me emocionou) que Camalle dedicou a nossa amizade quando, d'além-mar, no intervalo entre um vinho francês e outro, lembrou-se de nossa história:


CARO AMIGO LÉO
Élio Camalle

Caro amigo Léo, se a canção morreu
Tiremos o véu do velho carro blues
Vamos de Balão ganhar o festival
De todo coração: Aqui pros urubus!

Caro amigo Léo, é a nossa oficina
A sina oficial de todo cancioneiro
Pinga com limão e viva a autoestima
Sob o pontilhão da Treze com a Brigadeiro

Caro amigo Léo, boca de siri
Eu tive um déja-vu
Você será pop star writer!
Caro amigo Léo, basta de piti
Esconda o pit bull
É a hora e a vez de Mr. Ryder

***

4 comentários:

  1. ah! e qto ao blog, as postagens pararam pq eu perdi a senha e acabei fazendo outro! ahahahhahahahah.... mas tem um monte de coisas lá q eu gosto muito.

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  2. então... repetindo o comentário q sumiu..rs...eu disse que ADOREI! essa parceria muito me orgulha. e sobre a tragédia, me referia à morte da menina Eloá ao vivo e à cores em rede nacional no horário nobre. isso me deixou abalada por dias. beijos!

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    1. Ô, Aninha, o orgulho é meu!

      Sobre a Eloá, lembrei. Que phoda, hem?

      Beijos,
      Léo.

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