"Estou com medo. Sinto-me caminhando sobre um campo minado onde cada passo
pode ser meu último. Estou com medo de abrir a boca pra falar qualquer
coisa inofensiva e notar, de repente, todos os olhares de reprovação em minha direção.
Não deve estar sendo fácil hoje em dia a vida dos humoristas. Como
dizem, não há humor a favor; porém, atualmente, não é de bom-tom fazer
humor contra. Dá a impressão de que somos (incluo-me) atrasados, brucutus
insensíveis, machos obsoletos e desfalcados saídos da idade da pedra.
Sendo que quem está cheio de pedras nas mãos são eles, os perfeitos...
"Estou com medo. Com medo de chamar um amigo negro de negão; com medo de chamar um amigo gay (leia-se homossexual, please) de viadinho; com medo de chamar um amigo corintiano de maloqueiro; com muito medo de chamar um parente cearense de cabeça-chata; ando com medo de chamar estadunidense de gringo; mineiro, de come-quieto; japonês, de japa; judeu, de pão-duro; inimigo, de filho da puta; vocês podem até não acreditar, mas ultimamente tenho tido receio de chamar um baiano de... baiano! Sinto mesmo calafrios só ante a hipótese de que me escape pela boca alguma piada de português...
"Mais que medo, sinto vergonha de admitir que fui a uma churrascaria e saí de lá empanturrado, visto que posso ofender algum vegetariano; sinto vergonha alheia quando vejo alguém fumando um cigarro em público e noto mil bocas soltando, em vez de fumaça, um 'tsc tsc tsc' (e se for maconha, então, quero me esconder debaixo do hábito da freira); ruborizo só de escutar fulano dizer que é ateu, sinto vontade de saltar sobre ele e lhe tapar a boca, dizendo 'fala baixo!'; vivo rezando pra não ser atacado por algum cachorro, pois posso ter a má ideia de chutá-lo... e perigaria eu não sobreviver aos chutes dessas associações defensoras de animais...
"Ando com medo de não falar gritando; com medo de não postar minha foto de criança no facebook; com medo de não curtir o que todo mundo tá curtindo; com medo de admitir que não assisto ao BBB! Não estou nem conseguindo dormir direito de pavor só de pensar que podem descobrir que não participei de nenhuma dessas manifestações contra a corrupção. Engasgo ao vislumbrar-me admitindo que discordei de Chico Buarque. E se descobrirem que nunca consegui terminar de ler Ulisses? Medo! Muito medo! Um medo de deixar no chinelo o de Regina Duarte! Prefiro morrer a ter que gaguejar ao proferir 'I don't speak english, sorry'...
"Na verdade me dá muito medo de que percebam que o corte de meu cabelo é o mesmo há uns 20 anos; que as cores de minhas roupas não combinam entre si; que minha cueca está escondida dentro das calças; que ainda uso um ou outro par de meias que cobre as panturrilhas; que meu celular vagabundo só possui um chip; que misturo meu lixo numa mesma (e condenável) sacola plástica; que me é humanamente impossível tomar banho em cinco minutos; que não suporto acordar antes das 10h; que votei na presidente... perdão, presidenta; que...
"Vai que alguém descobre que sou palmeirense... Afe! E, pior, que não assisto aos jogos! Absurdo! Cacildis, eu nem mesmo li os tons de cinza! Uso o relógio no pulso direito. Rezo pra que jamais descubram que não ligo a tevê mais que duas vezes por semana e que, quando a ligo, não vejo um comercial sequer! Já estou começando até a ficar preocupado pelo fato de ser hétero, mesmo sabendo que não é culpa minha, apenas nasci assim. Não sofri violência infantil, meu pai não era alcoólatra nem espancava minha mãe, não tive nenhum trauma (grave)... apenas sou assim... o que posso fazer? Às vezes, quando penso nisso, sinto-me um verme, um ser inferior, ultrapassado...
"Querem saber? Estou apavorado! Se estou numa rodinha qualquer, não faço mais que mover a cabeça pra cima e pra baixo. E, se me pedem opinião, só digo o que sei que vai agradar à maioria. E depois, quando estou a sós com a minoria, digo que foi tudo mentira, que na verdade concordo é com a minoria, pra que eu não fique mal com esta. Não estamos vivendo uma época dada a originalidades. Se quer um conselho, não chame a atenção, ao contrário, procure ser igual. Ah, e o mais importante de tudo: não poste nada nas redes sociais que seja de sua autoria. Limite-se a citações (e, se forem falsas, melhor ainda). E nem pensar em usar de humor ou ironia. Além de não fazer rir, ainda periga pintar uma meia dúzia erguendo uma tese sobre seu comentário jocoso.
"Creio mesmo ter lido em algum lugar que rir, na realidade, faz mal à saúde, envelhece, provoca rugas... e, acima de tudo, ofende os sérios de plantão que porventura estejam por perto. Portanto, pro bem de nossa saúde, nada como a sisudez, a circunspecção... Senso de humor? Não passa de aspecto denotativo de seres inferiores. Depois de tantos anos sob regime ditatorial, hoje, graças a Deus, podemos respirar fundo, bater a mão no peito e dizer que somos livres... pra concordar!"
Ah, por último, antes que me julguem, em minha defesa queria apenas alegar que o texto acima não é meu, é do alemão naturalizado brasileiro Politisch Korrekt, professor de filosofia na Ufo (Universidade Federal de Orós-CE).
"Estou com medo. Com medo de chamar um amigo negro de negão; com medo de chamar um amigo gay (leia-se homossexual, please) de viadinho; com medo de chamar um amigo corintiano de maloqueiro; com muito medo de chamar um parente cearense de cabeça-chata; ando com medo de chamar estadunidense de gringo; mineiro, de come-quieto; japonês, de japa; judeu, de pão-duro; inimigo, de filho da puta; vocês podem até não acreditar, mas ultimamente tenho tido receio de chamar um baiano de... baiano! Sinto mesmo calafrios só ante a hipótese de que me escape pela boca alguma piada de português...
"Mais que medo, sinto vergonha de admitir que fui a uma churrascaria e saí de lá empanturrado, visto que posso ofender algum vegetariano; sinto vergonha alheia quando vejo alguém fumando um cigarro em público e noto mil bocas soltando, em vez de fumaça, um 'tsc tsc tsc' (e se for maconha, então, quero me esconder debaixo do hábito da freira); ruborizo só de escutar fulano dizer que é ateu, sinto vontade de saltar sobre ele e lhe tapar a boca, dizendo 'fala baixo!'; vivo rezando pra não ser atacado por algum cachorro, pois posso ter a má ideia de chutá-lo... e perigaria eu não sobreviver aos chutes dessas associações defensoras de animais...
"Ando com medo de não falar gritando; com medo de não postar minha foto de criança no facebook; com medo de não curtir o que todo mundo tá curtindo; com medo de admitir que não assisto ao BBB! Não estou nem conseguindo dormir direito de pavor só de pensar que podem descobrir que não participei de nenhuma dessas manifestações contra a corrupção. Engasgo ao vislumbrar-me admitindo que discordei de Chico Buarque. E se descobrirem que nunca consegui terminar de ler Ulisses? Medo! Muito medo! Um medo de deixar no chinelo o de Regina Duarte! Prefiro morrer a ter que gaguejar ao proferir 'I don't speak english, sorry'...
"Na verdade me dá muito medo de que percebam que o corte de meu cabelo é o mesmo há uns 20 anos; que as cores de minhas roupas não combinam entre si; que minha cueca está escondida dentro das calças; que ainda uso um ou outro par de meias que cobre as panturrilhas; que meu celular vagabundo só possui um chip; que misturo meu lixo numa mesma (e condenável) sacola plástica; que me é humanamente impossível tomar banho em cinco minutos; que não suporto acordar antes das 10h; que votei na presidente... perdão, presidenta; que...
"Vai que alguém descobre que sou palmeirense... Afe! E, pior, que não assisto aos jogos! Absurdo! Cacildis, eu nem mesmo li os tons de cinza! Uso o relógio no pulso direito. Rezo pra que jamais descubram que não ligo a tevê mais que duas vezes por semana e que, quando a ligo, não vejo um comercial sequer! Já estou começando até a ficar preocupado pelo fato de ser hétero, mesmo sabendo que não é culpa minha, apenas nasci assim. Não sofri violência infantil, meu pai não era alcoólatra nem espancava minha mãe, não tive nenhum trauma (grave)... apenas sou assim... o que posso fazer? Às vezes, quando penso nisso, sinto-me um verme, um ser inferior, ultrapassado...
"Querem saber? Estou apavorado! Se estou numa rodinha qualquer, não faço mais que mover a cabeça pra cima e pra baixo. E, se me pedem opinião, só digo o que sei que vai agradar à maioria. E depois, quando estou a sós com a minoria, digo que foi tudo mentira, que na verdade concordo é com a minoria, pra que eu não fique mal com esta. Não estamos vivendo uma época dada a originalidades. Se quer um conselho, não chame a atenção, ao contrário, procure ser igual. Ah, e o mais importante de tudo: não poste nada nas redes sociais que seja de sua autoria. Limite-se a citações (e, se forem falsas, melhor ainda). E nem pensar em usar de humor ou ironia. Além de não fazer rir, ainda periga pintar uma meia dúzia erguendo uma tese sobre seu comentário jocoso.
"Creio mesmo ter lido em algum lugar que rir, na realidade, faz mal à saúde, envelhece, provoca rugas... e, acima de tudo, ofende os sérios de plantão que porventura estejam por perto. Portanto, pro bem de nossa saúde, nada como a sisudez, a circunspecção... Senso de humor? Não passa de aspecto denotativo de seres inferiores. Depois de tantos anos sob regime ditatorial, hoje, graças a Deus, podemos respirar fundo, bater a mão no peito e dizer que somos livres... pra concordar!"
Ah, por último, antes que me julguem, em minha defesa queria apenas alegar que o texto acima não é meu, é do alemão naturalizado brasileiro Politisch Korrekt, professor de filosofia na Ufo (Universidade Federal de Orós-CE).
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Muito legal, Léo!
ResponderExcluirJuízo!
Hahaha! Valeu, Prista!
ExcluirAbraço,
Léo.
Espetacular!!! Como sempre!!!!!!!
ResponderExcluirNem sempre, Moreirinha... rs
ExcluirAbraço,
Léo.
Perfeito, Léo!
ResponderExcluirValeu, Pedrão!
ExcluirAbraços,
Léo.