domingo, 13 de outubro de 2013

Grafite na Agulha: 5) Caetano Veloso é foda!

Extra! Extra! Venho trazer boas novas! Ainda há vida inteligente... Não, não, reconstruamos a frase (vida inteligente sempre houve): ainda há coração pulsante na velha emepebê! E, quando digo pulsante, quero dizer, obviamente, que pulsa. Sim, porque venho notando que, no que se refere a grande parte dos discos dos velhos papas emepebísticos, tem se instalado uma leseira ali. Seus gametas, como diria o velho e indivisível Zé Ramalho, já não se agrupam mais em seu som. Mas eis que de repente um tiozinho grisalho resolveu descer do (des)conforto desse fusca (onde, segundo ele, só cabiam o próprio e mais uma meia dúzia), tirar seus pés do riacho e pisar o solo escaldante de uma estrada por onde ele havia tempos não passava mais.

Sim, senhoras e senhores, falo do homem velho celoso, digo, Veloso. Alguma coisa deve estar fora da ordem, fora da nova ordem caetânica. Se eu entrasse no campo da psicanálise, em meu caso (ignorante que sou) não seria mais que achismo, mas que algo está acontecendo por ali, ah isso está! Não sei se é seu confesso medo do envelhecimento ou da morte que de repente se travestiu de terror, mas o fato é que Caetano, nesse seu Abraçaço, meteu um Lázaro nas ideias e, redivivo, chegou pisando devagarinho, mas firme, e mostrando que ainda está pleno de paudurecência, pero sin perder la ternura.


Antes, um aparte. Já que falei em psicanálise, vou pôr o bloco de meu achismo na rua. Afinal, acho que o achismo ajuda a gente a ingerir melhor a carne dura do tempo. Falemos de criação. Há uma eterna disputa entre o velho e o novo, o vigor e as rugas. Uns dizem que os novos inovam (¡vaya redundancia!) ao passo (de cágado) que os velhos agonizam. Na verdade, nem tanto ao mar, nem tanto à margem. A juventude tem a seu favor que pra ela a criação é novidade, então, como não há ainda o medo do ridículo, a ousadia é maior. Já os experientes descartam, de cara, certos caminhos que, sabem, não levarão a bom porto. Eu diria que os dois extremos se complementam. O problema não é a idade, são o comodismo, o cansaço, a preguiça... Sintomas aguçados por uma vida amorosa rotineira e uma conta bancária gorda. Ou seja, não é a idade, estúpido!

Voltando a Caetano, por isso digo que ele saiu (caiu?) da zona de conforto (terão ajudado as quedas dos palcos?). Abraçaço é um discaço. É Caetano em sua essência. Nu com sua música, em contato carnal como havia muito ele não tinha. Aquele tesão inenarrável de quem quer (e sabe) prolongar o ato, nem que seja por medo de que possa vir a ser este o orgasmo derradeiro. Cada canção é uma lança na carne do Cristo pregado na cruz. Cada canção é urgente. Feita antes por gente que por mito. Cada canção é um grito. Alguns chegados me confessaram que sentem saudades de Morelenbaum, outros, de melodias mais sofisticadas. Eu, não. Ou melhor: cada caso é um caso, o fato de Livro ser um discaço não desmerece a coragem de Abraçaço. Como teclam por aí, "prontofalei"!
 
Eu fiquei feliz porque me deparei com um criador sem medo de se reinventar, como citei acima em referência aos jovens: sem medo do ridículo (aliás, acho que essa é uma qualidade também dos velhos). Alguns compositores vão envelhecendo junto com seu público. E aqui dou um exemplo que é perigoso, mas a vida tem seus riscos: sempre preferi Chico a Caetano, mas percebo naquele certo cansaçaço. Em seus últimos discos a sofisticação beirando o erudito dos arranjos dá a impressão de tratar-se mais de um disco de Tom que de Chico. Claro, Chico é gênio, e em todos os discos mais recentes há lampejos de genialidade, mas nem a fã mais radical poderá negar que a verve de anos atrás ficou pra trás. Ou melhor, ela ainda existe, mas foi parar em seus livros. Chico hoje tem ambições maiores, e uma canção não passa de uma tuitada.

Mas isso porque Chico não gosta de dar entrevistas, daí as palavras ficam acumuladas em seu peito, e de lá escapam por meio de suas personagens. Já Caetano, ao contrário, não tem o menor pudor de se expor e tratar sobre quaisquer assuntos. Daí que, sim, de peito esvaziado de dizer bobagens inteligentes (ou inteligentes bobagens), ainda encontra prazer no orgasmo precoce de uma canção. Mesmo quando se trata de um prazer dolorido, como é o caso da canção Triste, nova obra-prima do moço que diz que o lugar mais frio do Rio é seu quarto.

Só um aparte: no dia em que Caetano fez o show de lançamento do CD Zii e Zie, no qual cantava a canção Lobão Tem Razão, este (o lobo), pra variar, havia dado uma entrevista na qual falara alguma groselha, e Caetano comentou no show, sarcástico, que Lobão não tinha razão. Agora sou eu quem tem que dizer que Caetano não tem razão no que se refere à polêmica das biografias. Mas isso vai ficar pra texto posterior, se eu me animar. Por ora, como estou falando do Abraçaço, preciso dizer que Caetano, sim, tem razão. E mais: a arte gráfica, à parte da música, é de uma ousadia ímpar. 

Pra finalizar, já que, no final das contas, todas as verdades são relativas (principalmente as absolutas), pode ser que Caetano estivesse simplesmente farto quando compôs as canções desse disco. O importante (pra mim) é que me senti, mais que abraçado, engolido por esse abraçaço, a ponto de querer escrever sobre ele mais urgentemente do que quis escrever sobre discos melhores. Afinal, melhor, pior, tudo depende do momento em que os ouvidos de um coração resolvem se abrir. Minha verdade (tropical) em relação a esse disco é que, ao ouvi-lo, fui eu quem quis abraçar Caetano.

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AbraçaçoCaetano Veloso (2012 – Universal)

1. A Bossa Nova É Foda
    (Caetano Veloso)
2. Um Abraçaço
    (Caetano Veloso)
3. Estou Triste
    (Caetano Veloso)
4. O Império da Lei 
    (Caetano Veloso)
5. Quero Ser Justo
    (Caetano Veloso)
6. Um Comunista
    (Caetano Veloso)
7. Funk Melódico
    (Caetano Veloso)
8. Vinco
    (Caetano Veloso)
9. Quando o Galo Cantou
    (Caetano Veloso)
10. Parabéns     
    (Caetano Veloso Mauro Lima)
11. Gayana
    (Rogério Duarte)
  
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Ouça o CD na íntegra:


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2 comentários:

  1. "De momento" nao descartei o verbo "caetanear" O velho/moço é um poço sem fim de possibilidades. Belo texto

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    1. Valeu, Pedrão!

      E olha que suas palavras dão uma bela letra, hem? Me aguarde!

      Abração,
      Léo.

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