Estava eu escrevendo algumas palavras sobre o passamento do bardo Leonard Cohen, mas resolvi dar um tempo, pois esse assunto de morte recentemente tem mexido muito comigo. E eis que, na sequência, fico sabendo do desaparecimento de Fidel Castro e das verdadeiras batalhas nas redes sociais entre amigos que o acham santo e outros que o creem demônio. Quase ia dar um pitaco, mas acelerei em minha mente o filminho desse entrevero, cansei minha beleza e abortei o projeto antes de o pôr em prática. Corta pra tarde do domingo do histórico 27 de novembro: lá estou eu feliz da vida com um dos poucos acontecimentos bacanas deste ano, a saber: a conquista do Brasileirão pelo Palmeiras, depois de 22 anos de espera – num jogo contra o Chapecoense! Dias depois, fico sabendo do acidente aéreo que dizimou esse time. Resolvi juntar todos esses assuntos num só texto então, como uma forma de homenagem:
É impressionante como a gente tem um apego com alguns ídolos, como se eles não fossem seres humanos e sim objetos pessoais nossos, brinquedos, camisetas, livros, discos... Ou pior: bichinhos de estimação. Queremos que eles fiquem sempre perto, ao alcance da mão. E não aceitamos de jeito maneira que morram, mas não pensando neles... pensando em nós mesmos e no vazio que vão deixar em nosso peito, naquela cratera que se abrirá no lugar onde antes existia a presença física deles. Mas quanta bobagem! Muitas vezes, nem chegamos a conhecer nossos ídolos, ou, na melhor das hipóteses, tocá-los, nem mesmo vê-los de perto. E, acrescento, dependendo do ídolo, o melhor mesmo é manter a distância, pois há muitos por aí que depõem contra a própria obra. A boa fantasia é aquela que não sai do campo da imaginação.
Na verdade, eles, os ídolos, fisicamente falando, nunca existiram de verdade pra nós; não passam de seres utópicos que inventamos dentro de nosso ardor de fãs. Sim, porque raramente o ser de carne e osso que se esconde atrás do ídolo é o que pensamos que ele fosse. Por essas e outras, eu, particularmente falando, tenho um medo danado de conhecê-los, de falar com eles. Vai que o cara me dá uma patada e meu castelo de areia vai ao chão vítima de um insensível e devastador tsunami... Não! Definitivamente! Lugar de ídolo é o mais distante possível. Não gosto nem de ir ao camarim depois do show. Vez ou outra, por força das circunstâncias (e pela proximidade com alguns deles), acabo indo, mas tal ato nunca parte de mim. Vá lá, vê-lo no palco (ou pelo telão do estádio) já tá de bom tamanho. Mas exigir que ele não morra já é um pouco demais, né? E aqui peço perdão pelo contrassenso (pouco + demais). Os ídolos morrem.
Assim como o padeiro, o mendigo, o presidente, o eleitor, o viciado, o careta, a vizinha, o gato da amiga, a formiga que inadvertidamente pisamos, o coxinha, o petralha, o neutrão, o papa, John Lennon, Cazuza, Lázaro (este, duas vezes!)... O que nos deveria ficar de consolo é que pelo menos a obra de um grande artista sobreviveu. E sobreviverá. Há pouco tempo, perdemos Vander Lee, no auge da criatividade... e ainda um menino... E agora, com quase o dobro da idade de Vander, eis que nos deixa o bardo Cohen. E eu fico aqui pensando se não terá sido de raiva pelo Nobel dado a Dylan ou quem sabe de frustração pela vitória de Trump. É, eu só posso chegar à conclusão de que os gênios são alérgicos a tempos idiotas. Esses períodos têm o poder de afastá-los, seja via exílio ou causando-lhes o falecimento mesmo.
E nós outros nos quedamos aqui, quedados, de queixo caído, reouvindo os velhos discos que jaziam empoeirados num canto da sala. Afinal, mais terrível que a morte é a insensibilidade do fã. Dia desses, no fêici, li um fã passando um pito em Guilherme Arantes porque este faz anos não emplaca um sucesso radiofônico... Como se a culpa fosse do ex-rapaz que apenas queria tanto estar no escuro de seu quarto à meia-noite, à meia luz, sonhando. O cara ainda exclamou: "Volta, Guilherme!" E, claro, o ídolo não deixou barato. Respondeu na chincha: "Preciso voltar de onde, se nunca fui, estou ainda no mundo dos vivos? Será que não querem de volta um outro tempo? Lembrem-se de que cobraram muito de Jesus, milagres e mais milagres, até na cruz foi desafiado a salvar a si mesmo, para provar, comprovar etc. E até hoje cobram Dele que volte, mas jamais entenderam sua mensagem." Não é foda? Descanse em paz, velho Cohen! Você já fez demais. Agora, vá ser monge em outros templos.
E não é que o imorrível Fidel Castro também zarpou? Goste-se dele ou não, uma coisa é certa: poucos homens públicos despertaram tantas paixões no século XX (e em princípios do XXI) quanto ele. Eu mesmo já o amei, depois odiei, e atualmente me contento em respeitar seu legado, embora aqui e acolá discorde do método. Explico: eu era comunista desde criancinha, desde antes mesmo de saber que raios significava ser comunista. Anos depois, viajei a Cuba e duas semanas zanzando pra cima e pra baixo abalaram seriamente meu comunismo particular e intransferível. Depois, li muito sobre Fidel, livros, blogues, matérias de jornais; vi filmes, documentários, entrevistas sobre ele... E hoje entendo o quão complexa foi sua batalha. Diria mais: acho que a mais dura delas se deu depois que ele chegou ao poder. Com o embargo imposto pelos EUA, a coisa ficou preta na bela ilha.
E, pior, tudo o que sabemos sobre Cuba vem revestido de certa tendenciosidade. Seja da parte de seus detratores, seja da de seus defensores. E acabamos não sabendo deveras o que acontece por lá. Claro, Fidel não foi santo, e não há guerras sem assassinatos, mas tampouco o vejo como demônio. Dia desses, em Cuba, em cerimônia realizada em homenagem ao "Comandante", Lula disse: "Estou triste, porque se foi o maior homem homem do século 20." Eu não chegaria a tanto, mas entendo que o local e o calor do momento influenciaram a fala de nosso ex-presidente. Assim como entendo também que Fidel foi um sujeito que passou a vida bancando seu sonho. Podemos culpá-lo por muita coisa, mas, se imaginarmos como esse líder de um país minúsculo peitou durante décadas o império estadunidense, só isso já é de se tirar o chapéu. Descanse em paz, Fidel! Ou não... Vai saber se você não partiu decidido a implantar o socialismo no céu... ou no inferno...
Pra terminar, gostaria de deixar registradas aqui umas poucas palavras pra tratar da tragédia que vitimou o time da Chapecoense. Já de cara, egoisticamente falando, o desastre azedou as comemorações da conquista do Verdão, que calhou de se dar justamente sobre esse time. Mas isso é até mesquinho se comparado com a gravidade do desastre. Essas mortes inúteis são um bizarro quadro carregado nas tintas vermelhas pra fechar a tampa de um ano que sem maiores esforços seguramente irá entrar pra História como um dos piores do século XXI. E nem vou entrar na discussão sobre quem teve ou não a culpa. Confesso que de uns anos pra cá fui esfriando um pouco como torcedor, mas esse episódio me levou a derramar fartas lágrimas. Aqui, não se tratava de jogadores, mas de seres humanos. Sem falar que a tragédia levou a tiracolo o grande Mario Sergio, ex-jogador e então comentarista esportivo. E, por falar em ídolos, um dos meus nesse esporte bretão.
E o pior é que ainda houve muita gente querendo contabilizar em cima do ocorrido. Mas tampouco quero perder meu tempo dando cartaz a essas pessoas. Melhor que se emporcalhem por si sós la lama de sua existência. Queria, em vez disso, terminar num tom até esperançoso, porque essa tragédia ao menos serviu pra mostrar que a humanidade ainda tem salvação. Tirante um ou outro ser pernicioso, o que se viu foi um verdadeiro exemplo de como as pessoas comuns ainda são capazes de gestos de grandeza e bondade em momentos cruciais. E essas pessoas são a maioria. Quando elas se derem conta disso, o mundo muda. No entanto, como isso vai demorar, nós certamente não veremos tal mudança, mas já é um consolo. Vai, Chapecoense, mostrar seu futebol nos campos celestes! Que, enquanto não chega nossa vez, continuamos por aqui dando nossos dribles nessa grande várzea que é a vida.
PS1: Este famigerado ano levou também um querido parceiro, Waldir da Fonseca, mas tratarei dele em breve.
Na verdade, eles, os ídolos, fisicamente falando, nunca existiram de verdade pra nós; não passam de seres utópicos que inventamos dentro de nosso ardor de fãs. Sim, porque raramente o ser de carne e osso que se esconde atrás do ídolo é o que pensamos que ele fosse. Por essas e outras, eu, particularmente falando, tenho um medo danado de conhecê-los, de falar com eles. Vai que o cara me dá uma patada e meu castelo de areia vai ao chão vítima de um insensível e devastador tsunami... Não! Definitivamente! Lugar de ídolo é o mais distante possível. Não gosto nem de ir ao camarim depois do show. Vez ou outra, por força das circunstâncias (e pela proximidade com alguns deles), acabo indo, mas tal ato nunca parte de mim. Vá lá, vê-lo no palco (ou pelo telão do estádio) já tá de bom tamanho. Mas exigir que ele não morra já é um pouco demais, né? E aqui peço perdão pelo contrassenso (pouco + demais). Os ídolos morrem.
Assim como o padeiro, o mendigo, o presidente, o eleitor, o viciado, o careta, a vizinha, o gato da amiga, a formiga que inadvertidamente pisamos, o coxinha, o petralha, o neutrão, o papa, John Lennon, Cazuza, Lázaro (este, duas vezes!)... O que nos deveria ficar de consolo é que pelo menos a obra de um grande artista sobreviveu. E sobreviverá. Há pouco tempo, perdemos Vander Lee, no auge da criatividade... e ainda um menino... E agora, com quase o dobro da idade de Vander, eis que nos deixa o bardo Cohen. E eu fico aqui pensando se não terá sido de raiva pelo Nobel dado a Dylan ou quem sabe de frustração pela vitória de Trump. É, eu só posso chegar à conclusão de que os gênios são alérgicos a tempos idiotas. Esses períodos têm o poder de afastá-los, seja via exílio ou causando-lhes o falecimento mesmo.
E nós outros nos quedamos aqui, quedados, de queixo caído, reouvindo os velhos discos que jaziam empoeirados num canto da sala. Afinal, mais terrível que a morte é a insensibilidade do fã. Dia desses, no fêici, li um fã passando um pito em Guilherme Arantes porque este faz anos não emplaca um sucesso radiofônico... Como se a culpa fosse do ex-rapaz que apenas queria tanto estar no escuro de seu quarto à meia-noite, à meia luz, sonhando. O cara ainda exclamou: "Volta, Guilherme!" E, claro, o ídolo não deixou barato. Respondeu na chincha: "Preciso voltar de onde, se nunca fui, estou ainda no mundo dos vivos? Será que não querem de volta um outro tempo? Lembrem-se de que cobraram muito de Jesus, milagres e mais milagres, até na cruz foi desafiado a salvar a si mesmo, para provar, comprovar etc. E até hoje cobram Dele que volte, mas jamais entenderam sua mensagem." Não é foda? Descanse em paz, velho Cohen! Você já fez demais. Agora, vá ser monge em outros templos.
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E não é que o imorrível Fidel Castro também zarpou? Goste-se dele ou não, uma coisa é certa: poucos homens públicos despertaram tantas paixões no século XX (e em princípios do XXI) quanto ele. Eu mesmo já o amei, depois odiei, e atualmente me contento em respeitar seu legado, embora aqui e acolá discorde do método. Explico: eu era comunista desde criancinha, desde antes mesmo de saber que raios significava ser comunista. Anos depois, viajei a Cuba e duas semanas zanzando pra cima e pra baixo abalaram seriamente meu comunismo particular e intransferível. Depois, li muito sobre Fidel, livros, blogues, matérias de jornais; vi filmes, documentários, entrevistas sobre ele... E hoje entendo o quão complexa foi sua batalha. Diria mais: acho que a mais dura delas se deu depois que ele chegou ao poder. Com o embargo imposto pelos EUA, a coisa ficou preta na bela ilha.
E, pior, tudo o que sabemos sobre Cuba vem revestido de certa tendenciosidade. Seja da parte de seus detratores, seja da de seus defensores. E acabamos não sabendo deveras o que acontece por lá. Claro, Fidel não foi santo, e não há guerras sem assassinatos, mas tampouco o vejo como demônio. Dia desses, em Cuba, em cerimônia realizada em homenagem ao "Comandante", Lula disse: "Estou triste, porque se foi o maior homem homem do século 20." Eu não chegaria a tanto, mas entendo que o local e o calor do momento influenciaram a fala de nosso ex-presidente. Assim como entendo também que Fidel foi um sujeito que passou a vida bancando seu sonho. Podemos culpá-lo por muita coisa, mas, se imaginarmos como esse líder de um país minúsculo peitou durante décadas o império estadunidense, só isso já é de se tirar o chapéu. Descanse em paz, Fidel! Ou não... Vai saber se você não partiu decidido a implantar o socialismo no céu... ou no inferno...
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Pra terminar, gostaria de deixar registradas aqui umas poucas palavras pra tratar da tragédia que vitimou o time da Chapecoense. Já de cara, egoisticamente falando, o desastre azedou as comemorações da conquista do Verdão, que calhou de se dar justamente sobre esse time. Mas isso é até mesquinho se comparado com a gravidade do desastre. Essas mortes inúteis são um bizarro quadro carregado nas tintas vermelhas pra fechar a tampa de um ano que sem maiores esforços seguramente irá entrar pra História como um dos piores do século XXI. E nem vou entrar na discussão sobre quem teve ou não a culpa. Confesso que de uns anos pra cá fui esfriando um pouco como torcedor, mas esse episódio me levou a derramar fartas lágrimas. Aqui, não se tratava de jogadores, mas de seres humanos. Sem falar que a tragédia levou a tiracolo o grande Mario Sergio, ex-jogador e então comentarista esportivo. E, por falar em ídolos, um dos meus nesse esporte bretão.
E o pior é que ainda houve muita gente querendo contabilizar em cima do ocorrido. Mas tampouco quero perder meu tempo dando cartaz a essas pessoas. Melhor que se emporcalhem por si sós la lama de sua existência. Queria, em vez disso, terminar num tom até esperançoso, porque essa tragédia ao menos serviu pra mostrar que a humanidade ainda tem salvação. Tirante um ou outro ser pernicioso, o que se viu foi um verdadeiro exemplo de como as pessoas comuns ainda são capazes de gestos de grandeza e bondade em momentos cruciais. E essas pessoas são a maioria. Quando elas se derem conta disso, o mundo muda. No entanto, como isso vai demorar, nós certamente não veremos tal mudança, mas já é um consolo. Vai, Chapecoense, mostrar seu futebol nos campos celestes! Que, enquanto não chega nossa vez, continuamos por aqui dando nossos dribles nessa grande várzea que é a vida.
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PS1: Este famigerado ano levou também um querido parceiro, Waldir da Fonseca, mas tratarei dele em breve.
PS2: Três presentinhos:
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Lindo texto, Léozíssimo.
ResponderExcluirValeu, Curcíssima!
ExcluirBjs,
Léo.
Mi Vilela Waldir Wanderlei da Fonseca era meu amigo mesmo, me mandava suas músicas, me contou que agora só tocava piano depois da incapacidade do seu valioso braço, era um querido, consegui que gostasse um pouquinho de mim apesar de ser Tuga, a sua amiga Tuga como me chamava. Enviei-lhe os parabéns no dia em que morreu, doeu. Claro que a "gente" devia (só a boa gente), devia poder dar luz verde ou não para os entes queridos que nos deixam. Eles são propriedade nossa um pouco, a partir do momento em que se tornam figuras públicas, por isso doí quando se vão sem dizer nada e filhadaputamente sem mesmo eles desejarem, ou porque são jovens demais ou porque são excelentes. Fica a obra mas não é a mesma coisa. Abraço Leo da tuga Mi Villela.
ResponderExcluirOi, Mi! Quando uma relação se torna de amizade, ainda que por viés virtual, a coisa muda de figura. Vou copiar aqui o que respondi a outra amiga no face: "Sobre os ídolos que estão em nosso entorno, eu particularmente os vejo como amigos antes de artistas. Nesse caso, a afinidade pessoal fala mais alto, e só depois vem a admiração profissional. Até porque, continuando a tratar de minhas experiências, quando uma pessoa próxima, apesar de talentosa, não tem o coração aberto à amizade, respeito sua opção (ou dificuldade; vai saber) e mantenho certa distância. A arte é mais importante que o artista, assim como o indivíduo também o é."
ExcluirAbraço,
Léo.
Na exaltação, passou o doce dever de lhe dar os parables pela escrita deliciosa como sempre. Mi Villela.
ResponderExcluirGratíssimo, querida!
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