sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Ninguém me Conhece: 83) Teju Franco, um guerrilheiro trovador

Por Vanessa Curci
Estava havia anos querendo dedicar ao moço umas linhas por aqui, mas, sagitarianamente teimoso que sou, esperava que ele antes tomasse vergonha na cara e gravasse um CD pra que enfim "merecesse" ser por mim laureado. Contudo, ele, geminianamente teimoso, nem o gravou, e o próprio CD vem paulatinamente perdendo importância como medidor de carreiras. Há até bem pouco tempo, um cantor/compositor tinha como marco zero de sua trajetória o primeiro trabalho gravado; hoje em dia, um disco, aliás, um CD é mero acessório, pouco mais que um luxuoso cartão de visitas que quando muito facilita a marcação de um show em determinado estabelecimento. Perdeu lugar pra bons vídeos no youtube ou ações mais ousadas dentro (e fora) do universo virtual. Assim que, vencido na teimosia, resolvi deixar de esperar por caducos milagres e lhe dar flores em vida.

A primeira vez que ouvi falar a seu respeito foi no Festival Cultura, realizado em 2005, que acompanhei com interesse por ter alguns amigos que nele se classificaram. E confesso que, ao vê-lo, pela tela da tevê, adentrar o palco, tive um verdadeiro choque. Ali estava uma canção genialmente original, que subvertia a estética tradicional da velha MPB e flertava harmonicamente com certo caos musical que me pareceu a cara de nossos tempos. E mais: vi um intérprete à vontade, sem medo de dar vida a um personagem canastrão, visto que sua própria canção assim lho exigia. Não era, contudo, minha preferida, mas tive quase certeza de que ela levaria alguma premiação. Enganei-me. Eram outros os tempos, e canções que bulissem minimamente com o establishment da indústria musical não eram bem-vindas. A ditadura do Mercado exercia a censura de um modo mais inteligente. Ah, refiro-me à canção Seresteiro a Perigo.


1) Seresteiro a Perigo (Teju Franco)

... E, claro, a seu autor, o então Edu Franco. Sinceramente, torci pra que ele aproveitasse o bom momento e gravasse um disco. Não o fez. No entanto, como ele frequentava os mesmo lugares que eu e era amigo de alguns de meus amigos, acabamos nos trombando nos recantos do submundo musical paulistano e lentamente fomos amadurecendo uma amizade que se demonstraria duradoura. Naquele primeiro momento, reparei que a musicalidade de Edu ia mais longe do que sua Seresteiro deixava transparecer. Hoje, quando penso nessa canção, quase não o imagino e chego mesmo a me espantar em saber que ele a compôs. Explico: essa canção é bem-humorada, despretensiosa, com ecos de Premeditando o Breque e Língua de Trapo, e o som de Edu, harmônica, melódica e poeticamente falando, está mais pra Jobins & Chicos... com aqui e acolá pitadas de rock'n'roll.

Acho que sei explicar por que Edu nunca gravou um disco. Talvez eu esteja redondamente enganado, mas, como diz uma velha canção, a dúvida é o preço da pureza. Portanto, se não posso afirmar, posso ao menos presumir que tenha sido por dois motivos. O primeiro: suas canções pediam arranjos elaborados e rica instrumentação, e Edu, que sempre foi um músico mambembe, desses que jogam o violão nas costas e saem por esses grotões brasucas afora tentando a sorte, não chegou a sossegar o facho nalgum sítio por tempo suficiente pra economizar uma grana e direcioná-la a um trabalho discográfico. Pelo contrário, seu ciganismo sem amanhã lhe transformava os dividendos em mero papel que só tinha valor se passasse de sua mão pra de outrem. E assim foi, nessas suas gastanças e andanças, colecionando amores, porres, queimando pneu e colhendo temas pra suas belas canções.


2) Whatsapp Solidão (Teju Franco)

O segundo motivo é ainda hoje (creio eu) o mais representativo; Edu tem dois amores e nunca se decidiu definitivamente por um deles: a música e a política. E não sei se necessariamente nessa ordem. Claro, a política, de um modo ou de outro, está viva na obra de todo criador. O problema é que em se tratando de Edu ela está muito viva FORA de sua obra. Ele é um desses camaradas militantes que por vezes se confundem com um subversivo da década de 1970 que foi puxado a fórceps pra fora daquele período e caiu de cabeça neste. Sua paixão, não fosse embasada numa incrível capacidade intelectual, poderia parecer, a olhos desatentos, de uma utopia pueril. Mas não o é. Edu é um dos camaradas mais inteligentes com quem já tive o privilégio de conversar. E, como se não fosse pouco, é dono de uma prosa escrita de dar inveja a muito articulista por aí.

Se eu tivesse que apontar um defeito em sua escrita, seria um quase elogio: como o sujeito é dono de uma prosa prolífera, que beira a verborragia, e seu pensamento (assim o imagino) é rápido, os dedos de quem faltou às aulas de datilografia por vezes não o conseguem acompanhar, de modo que a pontuação sai capenga, com vírgulas jogadas ao léu como sementes em solo infértil. Mas pra isso existimos nós, os revisores; a profundidade e a clareza de raciocínio que lhe são tão naturais vejo hoje em dia em poucos. Inclusive, preguiçoso que sou (e descrente dos jornalões), não raramente me pego visitando seu perfil no facebook pra me manter antenado com o que de mais importante está rolando no mundo da política. Ah, um detalhe não de todo irrelevante: o moço é formado em jornalismo. E confesso que, sempre quando leio seus escritos jogados nessa terra de ninguém que são as redes sociais, sinto uma grande pena por esse desperdício de talento.

3) Super-Herói, o Artista (Adolar MarinTeju Franco)

Por causa dessa série de fatores (aliados a outro fator importante: $), Edu andou afastado da música durante um tempo, mas ano passado justamente a política tratou de trazê-lo de volta, num estranho e raro caso em que uma amante leva o amado pela mão à mão da outra amante. Explico: o momento político pelo qual passamos então, e que se estende até hoje (a saber: o golpe), levou-o a juntar uma trupe (da qual também fiz parte) e sair por aí apresentando novas canções de protesto. Essa junção de mentes destoantes ganhou o apropriado nome de MPB Universitária e, embora tenha tido fôlego curto como movimento, foi responsável pelo nascimento de belas canções e também pelo fato de ter o moço ganho com ele energia nova. Assim, nasceu-lhe excelente safra de canções, e assim inclusive conseguimos, depois de todos esses anos, engatar algumas belas parcerias.

E eis que Edu está de volta ao jogo – derrubou, é pênalti! Suas novas canções trazem um letrista afiado e antenado com seu tempo; seu timbre grave e glamourosamente anasalado continua arrasando corações (pro bem e pro mal); e ele está tão animado que trocou o genérico Edu pelo polêmico Teju. Só não abandonou o velho vício de cantores de bar de chiar os esses como fazem os cariocas, mas isso não diminui o valor de sua obra e a sagacidade do intérprete. E, pra terminar, falta avisar que Edu, aliás, Teju faz show neste sábado, 11/2, no Brazileria, acompanhado pelo fera Douglas Froemming (saiba mais aqui), e mostrará canções suas solitariamente ou em parceria com sujeitos como eu, Sérgio Ricardo e outros esquecidos da listinha do Constantino. Ok, se você atrasou e visita este texto em data posterior à do show, não há de ser nada, curta a página do moço, que divulgarei abaixo, e fique por dentro do que ele pretende aprontar doravante. Por falar nisso, ei, Kid Vinil... Ops... Teju, já que você é jurássico mesmo (no sentido elogioso da palavra) e não vai de jeito maneira gravar um CD, por que não grava logo um LP? Nem que seja pra eu curtir em meu aposentado toca-discos, com chiado e tudo, seus belos lados B. Que tal?


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Curta a página de Teju aqui.

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10 comentários:

  1. Parabéns pela prosa apresentando o cigano musical Teju. Que ele continue Franco nas suas convicções musicais e políticas. CD pra quê, né não...

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  2. Caprichou, Léozíssimo!
    Adorei este texto, como adoro o trabalho do Teju.
    Sensa!

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  3. Ahahaha, Leozito, para de me entregar aí kkkkkk

    Obrigado pelas palavras querido. Na verdade, estou começando a minha carreira artística agora, agora que estou parando de viver de música, da música de sobrevivência como bem definiu Yamandu Costa, dos bares da vida, da noite descamisada sem nome próprio; o Edu ficou com a parte da noite e das faltas e desserviços que você bem observou, o Teju começa outra historia, a do compositor, e são tantas emoções e canções como diz o nosso rei do ie ie ie, mas me permita responder às suas carinhosas palavras depois do show, tem uns pontos para por nas suas vírgulas rsrs: o guerrilheiro que já desbundou em 1980 por não aguentar a caretice da esquerda (que agora evoluiu e tá bem mais moderninha, nem acham mais que a canábis é uma substancia da CIA), a pitada de rock é maior que uma pitada apenas, é a alma de tudo o que crio, e os arranjos elaborados eu resolvo bem com um trio de rock mais o meu violão, o CD não tardou por conta de uma produção mais cara, o CD tá montado em minha cabeça dessa maneira econômica, me basto com um quarteto de Liverpool rsrs, pois, apesar de amar Chico e Jobim, minha alma é caetânica e Rita Lírica srsrs, valeu meu querido, sorte minha ter parceiros como você e essa turma bacana que formamos em Sampa nesse momento, que turma! Grande beijo.

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  4. Eu adoro o Edu, o Teju, o Franco! Bacana, Leléo! Ele, também meu professor de política, merece muitas palavras!

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  5. Sempre muito bom ler o que você escreve, sempre doce para as pessoas sobre quem escreve, se eu fosse paulistana faria tudo para entrar na sua roda de amigos.Abraço da Mi.

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    1. Você já, o é, Mi. Esse negócio de distância é um mero detalhe.

      Abraços,
      Léo.

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