quarta-feira, 27 de junho de 2018

Esquerda, Volver: 20) Eu, política e Copa do Mundo

O futebol é o ópio do povo... Será? Essa afirmação vive em nossos corações e mentes há muito tempo. Já disseram que a religião era o ópio do povo etc. Sem entrar no mérito de se é ou não é, vou mais além: e se for? Igualmente não seriam as drogas, o álcool e as artes em geral? Alguém (mais de um) já disse que a poesia não serve pra nada. No entanto, tantos se dedica(ra)m a ela — não é, Lúcia Santos? Não é, Vlado Lima? E, afinal, num mundo tão cruel e injusto como o nosso, um pouco de ópio (no melhor dos sentidos) não seria de certa forma bem-vindo, seja em forma de religião, seja em forma de futebol, seja em forma das tantas artes que pipocam mundo afora...?

Isto posto, pra começar preciso admitir que faz aí mais de uma década que, palmeirense frustrado (manja o cara que gosta da mina, mas percebe que a mina não gosta do cara?), desisti de acompanhar pela tevê os jogos de meu time de coração em parte por saber que o futebol havia virado mais resultado e menos arte (logo pra mim, que sempre fui todo arte) e escolhi saber de tudo no dia seguinte (quiçá qual marido traído?) pelos jornais. Isto esclarecido, acrescento que, sim, sou de esquerda. Sim, tenho lá minhas considerações sobre o salário dos jogadores, mas sobretudo tenho MAIS considerações ainda sobre a grana que envolve todo o universo do futebol. 

Contudo, e ainda sabendo que o futebol move uma grana "preta" mundo afora, vejo-me obrigado a admitir que sou um apaixonado por Copas do Mundo. Ditaduras à parte, CBF à parte (CBF, hem???), e ainda com muita angústia por ver a amarelinha sendo usada por certa parcela da população, (des?)politizando-a... Aliás, e por falar em política, a primeira Copa de que me lembro vagamente é a de 1978, em que a Argentina foi campeã, e sobre a qual hoje sabemos o quão futebol e política andam juntos. Podemos dizer que a guerra perdida das Malvinas, em que a ditadura argentina agonizava, foi um espelho reverso dessa de 1978 — que também nos remete à Itália fascista. 

Entretanto, uma antes, a de 1974 (da qual não trago nenhuma lembrança por ter então menos de 3 anos de existência), trouxe-me uma perda familiar: minha mãe pendurava no varal roupas que acabara de lavar justo num dia em que o Brasil jogava... sabe-se lá contra quem; e eis que o cachorro do vizinho invade nosso quintal e faz que ela, grávida de sete ou oito meses, se pendure numa árvore e, após muitos gritos que se confundiram com os dos torcedores, só desça muito tempo depois, após uma queda que lhe matou o bebê e que me fez perder uma irmã. Como bônus familiar, acrescento apenas que o médico lhe disse que ela a partir daí não poderia mais engravidar. Cinco anos depois, nasceu, de parto normal, o caçula que vingou. A teimosia de minha mãe pulula em minhas veias. 

Perda familiar à parte, a primeira vez que acompanhei a Copa de corpo, alma e coração foi justamente durante a melhor de todas... pós-Pelé. Convenhamos: a de 1982 (tinha eu então 11 anos e meio); a única Seleção Brasileira cuja escalação sei de cor até hoje. Eram eles: Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior, Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, Serginho Chulapa e Éder Aleixo. Fora um maravilhoso banco de reservas, que contava com, entre outros, (o goleiro) Carlos, Juninho, Paulo Isidoro (cujo nome inspirou o da personagem de meu primeiro romance), Edinho, Batista, Roberto Dinamite, Dirceu & cia. limitadíssima. Ah, claro, e sob o comando de Telê Santana, um técnico mais avançado que a maioria dos que hoje aí estão. 

E que parou nos pés de Paolo Rossi e sua limitadíssima (em outro sentido) Itália. Como frisei acima, o mundo (e o futebol) não é justo. Tivesse ganho o Brasil, hoje a Europa nos copiaria o estilo; ganhou a Itália, hoje o Brasil se esforça por se europeizar. De 1982 pra cá, continuei acompanhando, mas, com tantos Lazaronis, Parreiras, Scolaris, Dungas e outros defensores do futebol de resultado, começou a me bater uma angústia: por que tantos bons jogadores e tantos técnicos medíocres? Tá, Scolari foi campeão, Parreira também, e em certa coletiva chegou a cuspir uma frase que adotei, "o povo é uma caixa de ressonância", mas, frases de efeito à parte... cadê o espetáculo? Ou, como prefiro, a arte?

Saudosista que sou, em vez de avançar, retrocedo: eu, exilado, tenho lido muitos amigos espinafrando a atual seleção por tudo o que o país tem vivido paralelamente ao futebol. E ntão, pergunto-lhes: não foi assim sempre? Ou será por acaso que as eleições pra presidente no Brasil são sempre em anos de Copa? Entretanto, o tempo passa e o legado do futebol é que permanece. Um exemplo-mor é o da Copa de 1970, em que a Seleção Brasileira foi tricampeã mundial em plena ditadura, época do "Brasil, ame-o ou deixe-o". Tá, Dadá Maravilha foi exigência de general, mas ficou maravilhosamente fora dos campos mexicanos...

E eu, décadas depois, que deixei o Brasil apesar de o amar (e nem fui pra Cuba), acompanho (quase) tudo daqui da Terra do Sol Nascente, e em horários mais que ingratos(!), e admito que prum exilado o futebol o torna mais brasileiro. Pergunte a Chico Buarque, Caetano, Gil etc. Nesse quesito, estou em boa companhia. Duvido mesmo que o ex-presidente Lula (que tinha, sim, todas as razões pra não torcer pro Brasil) esteja torcendo contra a amarelinha, apesar dos patos fiespinos. Aliás, soube que ele leu recentemente o livro Futebol ao sol e à sombra (de Eduardo Galeano), que, antes de vir pro Nihon, tive o privilégio de ganhar do bróder Zeca Baleiro. Livro cuja leitura, confesso, não terminei pois vi que a tradução ao português difere um pouco da publicação original; assim que a baixei e recomecei a leitura.

Falando em Galeano, que é uruguaio, lembrou-me (visto que estou voltando no tempo) de que um dos maiores traumas do futebol brasileiro nunca superados ocorreu justamente com a derrota pra supracitada seleção celeste em 1950, na primeira Copa no Brasil, quando o Maracanã (que então estreava e que era o maior estádio do mundo) serviu de palco pra talvez mais significativa derrota da seleção (fato mimosamente apelidado de Maracanaço), que perdeu de 2 a 1, de virada, pro Uruguai, quando nosso país ainda não possuía nenhum título mundial de futebol. O que quero dizer com isso? Quero relativizar. Eu (e a maioria daqueles que me leem) nem sonhava em nascer naquela época; então, a derrota não passa de uma página triste, nem de longe tão triste quanto aquele 7 a 1...

Pra quem quer politizar a Copa, digo que, finda, continuaremos sob os desmandos temerísticos; portanto, não será melhor tendo um hexa pra alentar nossos corações? Só pra que conste: escrevo antes do Jogo Alemanha x Coreia do Sul. E adivinhem pra quem vou torcer... Neymar, como grande parte dos jogadores brasileiros, não tem a menor consciência política; mas não é pago pra isso. Esperemos consciência política de quem a deve ter. A Lula o que é de Lula e ao Brasil — e por que não? — o hexa!

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PS: Publico o texto depois da derrota da Alemanha e da classificação do Brasil. Às vezes, o sonho dá resultados. Deixo-os com um que não deu, mas deixou lembranças de muitas alegrias — às vezes, mesmo não dando resultados, o sonho vale o vivido. Narração de Falcão:


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4 comentários:

  1. Sensacional! A voz de Falcão descrevendo essas pinturas clássicas em formato de 15 gols ao som de choro e no finalzinho desse documentário a canção da nossa eterna rainha Elis Regina, nos chamando a atenção para o país do futebol! Aliás, Regina significa rainha em Latim. Primorosa postagem, Parabéns Léo! Reis e rainhas no país do futebol e como já disseram: Quem já foi rei nunca perde a majestade! (risos).....mas isso já é uma outra história e que está sendo escrita agora! Quem viver, verá!

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    1. Gracias, Totó, pela tão rara visita! Sim, achar esse vídeo com os comentários do Falcão foi um belo bônus, né? Inclusive, acabo de ler o livro dele sobre a Copa de 82. Recomendo.

      Abraços,
      Léo.

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  2. Sei lá, néãm?? Ando até apelando para o misticismo número-cabalístico de raiz galvaõbuenista: em 2002, a seleção da CBF foi campeã e o Lula foi eleito, vaiquê!

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    1. Pô, Deisoca... não foi dessa vez... Uns amigos japoneses até vieram me zoar, mas eu respondi: o Brasil ganhou cinco vezes; quem chegou perto? Daí, eles se calaram. Bola pra frente. Agora, a copa é a eleição.

      Beijos,
      レオ。

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