sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Crônicas Desclassificadas: 5) Sem Novidade

Dia desses ouvi de um cara que conheci um relato que achei que dava um bom conto. Hoje aproveitei o silêncio das noturnas horas pra pô-lo no papel, ou melhor, na tela. Ei-lo:



Sem Novidade

Então, nessa época eu trabalhava de segurança. Armado e o escambau. Era no esquema de 12 por 36, tá ligado? Quer dizer, eu trabalhava 12 horas e descansava 36. Ou seja, dia sim, dia não. Eu era do turno do dia. Era tranquilão, sem crise, nunca deu beó comigo. De vez em quando vinha uns noia, mas eu colava neles e mostrava a ferramenta, tá ligado?, e era sem novidade. Mas moleza mesmo era o turno da noite. A casa fechava dez horas, tá ligado?, 22 horas. Daí era só sossego. Dava pra tirar altos cochilos, só precisava fazer umas ronda de vez em quando pra cumprir com o riscado. Mas era suave. Eu sei disso porque o fulano que me rendia me contava, porque de dia não tinha essas parada de cochilo, não. Nem na hora do almoço!

Tava tudo beleza, sem novidade, até uma noite em que deu meu horário (7 da noite, que eu trabalhava das 7 às 7) e o maluco da noite não apareceu. O patrão falou pra eu segurar a barra mais um pouco, devia ser o trânsito, sei lá, qualquer parada dessas. Eu falei que não tinha tempo ruim, que eu tava ali era pra trabalhar. Daí que eu fiquei até a casa fechar. E o maluco não apareceu. O patrão ligou no celular dele, mas tava desligado. Então ele me chamou de quebrada e falou pra mim se eu ficava a noite toda, que daí eu ganhava dois dias de descanso. Dava até pra descer pra praia, daí que eu falei que é lógico que eu ficava e tal. O patrão falou pra eu fechar tudo e se mandou. E, quer saber? Eu achei foi bom. De repente, era minha chance de mudar pra noite e tal. Ganhar uns adicional noturno de boa. Sem novidade. Lá prumas 11h30 eu fiz uma ronda, tava tudo sem novidade, de maneira que eu resolvi dar um cochilo, afinal, tava já fazia umas 18 horas no ar, que eu tinha levantado às 5h30.

Acordei com um barulhão e tomei um puta dum susto, quase que caio da poltrona onde tava dando meu cochilo. O coração disparou, mas eu respirei fundo, pus a mão na cintura e relaxei. Afinal, eu tava maquinado, e quem tá maquinado tá com deus. Liguei a lanterna e fui, lanterna numa mão, cano na outra. Lá no final do galpão tinha o interruptor e eu acendi e fui logo gritando "quem tá aí?", engrossando a voz, que era pra impor respeito. Nada. De repente, escutei outro barulhão, era uma barra de ferro que alguém tinha jogado atrás de mim. Quando virei pra ver, escutei do outro lado passos de gente correndo. Daí eu gritei "parado aí, vagabundo, se não quiser virar pastel de carne". E não é que o fulano falou mais grosso, querendo me assustar? Falou "se você tem amor à vida, joga a arma". Ah, rapá, aí eu me enfezei, o sangue subiu, e aí eu gritei que "eu não tenho nada a perder, não, malandro! Pra ir pro inferno é dois palito, é eu ou você". 

Foi aí que eu vi que tinha uma escada armada e o camarada de um pulo só já tava no quinto degrau. Olhei pra cima e vi umas telhas faltando. Era por ali que ele tinha entrado. Mirei. Dar um pipoco no meliante e mandar ele pra caixa-prego era sem novidade. Só que aí eu não contava que eu não ia conseguir. A real é que eu nunca tinha atirado em ninguém antes. Deu um cagaço, sei lá. Vacilei. E, naquele atiro-não-atiro, só vi as perninha do vagabundo sumir no breu. Pensei comigo que "é melhor assim, pra não dar merda". Só que aí eu caí na besteira de achar que o vagabundo ia se empirulitar e perdi a concentração. Foi quando eu ouvi um zum raspando minha orelha. Ah, malandro, não pensei duas vezes e sentei o dedo. Três tiros. Escutei um "ai" e vi duas telha caindo no chão. Corri pra entrada, mas, naquela montoeira de chave, demorei pra abrir o portão principal. Quando eu saí, só vi dois maluco numa moto virando a esquina.

Liguei pro patrão. Em 20 minuto ele tava lá, com mais dois fulano. Um era delegado, amigo dele que eu já conhecia de vista. Me fizeram um monte de pergunta, depois meu patrão me agradeceu e falou pra eu tirar uns dias de folga. Ele viu meu estado. Dá até vergonha contar, mas eu tava verde, tremendo dos pés à cabeça, foi preciso até tomar água com açúcar e tal. O delegado falou que eu tinha acertado o malandro, pois no chão tinha uma poça de sangue e também na escada e nos cacos de telha que tinham caído.

Quando eu voltei pra trabalhar, uns dia depois, meu patrão me chamou na sala dele e deu a fita. Falou que passou uns dia e o segurança da noite nem apareceu nem deu sinal de vida, daí ele resolveu ir na casa dele. Quando ele chegou lá que tocou a campainha, a mulher do cara atendeu e falou que ele tinha se acidentado e tava hospitalizado. Meu patrão pediu o nome do hospital e foi lá visitar ele. Quando ele chegou lá, soube pelo médico que o fulano tinha sido encontrado na calçada em frente ao hospital, desmaiado e se esvaindo em sangue. Tinha sido vítima de um tiro que pegou bem na bexiga. O pau tinha ido pro saco. Moral da história: foi o tiro que eu dei que acertou nele.

Não tive mais clima pra trabalhar lá. Pouco tempo depois, pedi minhas contas. Agora eu tô sossegado aqui onde eu tô, nessa outra função, mais tranquila, sem novidade. Só tem que tempos depois eu encontrei o outro segurança do dia, que revezava comigo de dia, e ele me contou que o fulano tinha sido abandonado pela mulher e tinha voltado pra casa da mãe. Agora tinha que usar sonda, tá ligado?, pra mijar. É, situação triste. O patrão nem deu queixa, achou que o castigo já era mais que suficiente. E eu tô por aqui, seguindo a vida, tocando o barco. De vez em quando dá um remorso, tá ligado? Mas fazer o quê? Antes ele do que eu. Traíra tem mais é que se foder. Onde já se viu armar presepada pro próprio companheiro de trampo? Tô na minha, consciência tranquila. Sem novidade. Mas é de noite, quando eu deito na cama que apago a luz... Aí é que o bicho pega! Tenho uns pesadelo, malandro, que não é mole! Tá ligado? Sonho direto e reto com um maluco vindo pra cima de mim segurando uma sonda numa mão e na outra um cano e me mandando chumbo. E no sonho ele sempre me acerta.


São Paulo, 11/11/2010.
***

Inspirado em fatos reais.

4 comentários:

  1. Léo, vc é doido!( isso foi um elogio)

    Muito bom!
    beijo!
    :)

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  2. Hahaha!!! Bem-vinda de volta!

    Beijos doidos do
    Léo.

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  3. Engraçado.
    Não curto tiro,polícia,e coisa e tal.
    Mas li até o fim!
    Acho que "fiquei ligada"! eheheh
    Isso é só porque vc escreve prendendo o leitor.
    Acho legal isso!
    bj

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  4. Que elogio bom de receber, Irinéa! Obrigadíssimo!

    Beijos "ligados" do
    Léo.

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