sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Crônicas Desclassificadas: 8) Tratado sobre o Desamor

Um dos maiores males que acometem a humanidade é, sem dúvida, o desamor. Chega a ser pior mesmo que o egoísmo, visto que o egoísta, se não é dotado da capacidade de dar amor, ao menos é capaz de aceitá-lo. Já quem sofre de desamor guarda no lugar do coração um pedaço de gelo seco. Ouso dizer que as guerras existem por causa de cidadãos que, detentores do poder, são portadores dessa doença. Na História há muitos exemplos: Hitler, Mussolini, BushKim Jong-il...

O desamor é um vírus que se espalha silenciosamente, sem que os meios de comunicação o divulguem. Divulgassem-no, talvez os contagiados de amanhã tivessem tempo hoje de se precaver e assim buscar um tratamento preventivo. Portanto, ninguém está a salvo de contágio, pois esses infelizes que foram infectados fazem parte de nosso convívio: podem ser vizinhos, parentes, colegas de classe ou de trabalho, enfim, formam um exército de doentes com suas seringas invisíveis sempre prontas a serem fincadas em nossos desavisados corações. E o pior é que não podemos simplesmente varrê-los de nossas vidas. Tampouco podemos condená-los à pena de morte, pois se o fizermos eles vencerão por já nos terem contagiado. E condená-los à prisão perpétua é inútil, pois mesmo em liberdade eles já estão nela.

Quando o dia a dia me obriga a conviver com alguma dessas pessoas, desespero-me, pois sei que, como o desamor não tem cura, nada do que eu venha a fazer pra tocar o coração dessa pessoa obterá êxito. Uma flor, um sorriso, uma gentileza, uma palavra de afeto, mesmo golpes baixos como a bajulação... Nada! Absolutamente nada conseguirá derreter o tal gelo seco que bombeia o sangue frio que gela suas veias. Essas pessoas são como mármores ambulantes. São zumbis que, em vez de comer cérebros, se alimentam de corações (ou serão robôs programados pra não sentir?). Algumas delas até sabem fingir que sentem. Esboçam um sorriso entre dentes, choram copiosamente (sem lágrimas), enfim, são capazes por vezes de nos enganar, mas apenas porque têm aptidão pras artes dramáticas.

A propagação do desamor, embora pareça roteiro de ficção científica, é real e voraz. Agora mesmo alguém pode estar sendo contaminado bem do seu lado, sem que você, que lê estas linhas, se dê conta. O desamor não respeita classe social, raça, sexo, religião... Ninguém está imune a ele. Uma pessoa casada e com filhos pode ser por ele vitimada. E quando o desamor contagia os fiéis então? Aí é um deus-nos-acuda! É o tinhoso fazendo embaixadinhas no campo do adversário.

Conheço alguns católicos que contraíram esse vírus. É coisa triste de se ver. Uma pessoa que, supõe-se, serve a Deus, possuída pelo desamor, vira meio que um agente duplo. Enquanto bajula os ministros Dele, espezinha aqueles que estão, em sua concepção, abaixo dela. Praqueles é todo sorrisos, pra estes é uma carranca que, tivesse o poder de matar, diminuiria consideravelmente o número de servos do Senhor.

Escrevo estas linhas na função de jornalista amador que, testemunha ocular da ação do vírus, vem dar seu relato, no intuito de abrir-lhes os olhos (quiçá os corações), visto que a imprensa profissional, preocupada com vírus mais modernos, finge que não existe esta praga milenar que, se não tratada, cedo ou tarde nos terá a todos infectados.

***

Recebi hoje pelo correio o CD Código de Barras, de Mariana Platero, que contém três canções cujas letras são minhas. Uma delas, O Melhor do Show (parceria com Kana), por ser pertinente ao assunto, posto abaixo (ouça-a aqui):

O MELHOR DO SHOW

Pra quê mostrar a dor
Se ninguém pode ajudar?
‘Tão vendendo até favor
Pra quê mostrar o amor
Se ninguém sabe mais amar
Nem debaixo do cobertor?

Pó eu fui e ao pó retornarei
Mas antes posso tudo ser
Só eu sou, mas sigo minha lei
Sou plena de dor e prazer

Vou sorrindo e tentando ser feliz
Se eu choro, alguém sempre acha bom
Sobrevivo a cada dia por um triz
Mas curto, canto e faço um som

Pra quê temer a dor?
Ela sabe onde procurar
Ao te achar não tem chá nem xô
Pra quê temer o amor?
Quem tá vivo e não sabe amar
Tá perdendo o melhor do show

12 comentários:

  1. Léo, volta e meia dou um chega por aqui. Buscando em suas idéias um tanto desse antivírus. "Tentando ser feliz", lavando meu coração em lágrimas, sanguíneo em suas palavras de poesia. Obrigada, Parceiro. Bj, LaGrova

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  2. Querida:

    Sua presença, sua voz, suas palavras, enfim, tudo o que você representa é um maravilhoso antivírus!

    Obrigado por estar por perto (mesmo fisicamente distante).

    Beijos do
    Léo.

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  3. Oi Léo,
    Não resisto aos seus convites de boa leitura. Cronista do amor, desamor e tudo o mais.
    Abraço, Dimi.

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  4. Salve, Dimi!

    Sempre uma grande presença! Mas, rapaz, e aquela melodia que você havia me prometido?

    Abração do
    Léo.

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  5. Ah. o desamor... se eu me chamasse Agenor seria uma quase rima, não seria uma solução. (parodiando Drummond)

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  6. Leo amigo, lindo txt.
    Fiquei cá pensando: gelo seco não derrete. Existirão anteparos, aasim como se destila água? Passar por algum estágio intermediário (talvez envolto em doses duplas de afeto) para depois enfim se liquefazer? Serão os poetas e os casais em paixão cientistas pesquisadores?
    Abs Tony Pelosi

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  7. Léo, gostei muito do texto como ponto de partida, mas discordo de vários pontos.

    Começando pelo exagero com que você traça o perfil dos supostos vetores de transmissão do que você chama de vírus, acho que o retrato que você pinta é extremo, mais apropriado para quadros de psicopatia. Esses não têm cura mesmo. Pelo menos é o que diz a ciência atual. Quem sabe um dia se encontra uma cura.

    Para os outros casos, imensa maioria dos casos, eu sou muito otimista: tem cura, tem tratamento, tem antídoto e tem até vacina. Tudo isso é difícil de encontrar porque, concordo com você, a doença não é reconhecida. Falta informação. Mas os remédios existem tanto quanto a doença, e eu acho que funcionam. Você mesmo, ao descrever a doença, já se mostra parcialmente vacinado: só será contagiado se quiser. E eu ouso apostar que você nunca vai querer, porque a vacina faz isso mesmo, fecha o coração da pessoa para a enfermidade.

    As pessoas que você descreve como impérvias, de coração duro, bem, é difícil avaliar sem examinar no consultório, mas acho que praticamente todas apenas têm mágoas, traumas, ressentimentos, medos, e por isso se fecham.

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  8. Salve, Lindberg! Salve Tony!

    Grato pela visita e pelas palavras de incentivo!

    Olá, Luc! Grande presença a sua entre os leitores deste (não tão) humilde espaço, sempre atento a meus deslizes e pronto a dar sua contribuição neste sentido.

    Bem, amigo, com relação a seu comentário, quase científico de tão exato, apenas digo em meu favor que pintei esse texto com as tintas carregadas da poesia, ainda que em prosa (ou por isso mesmo). Meu relato não possui a arrogância de ser irrefutável, mas sim a leveza de uma crônica cujo exagero (que você tão bem notou) traz em si mesmo a autoironia, que dá o teor com que deve ser lido e interpretado. Escrito até mesmo com certa dose de (medo, e) preconceito pra com os "doentes" relatados, visto eu, na condição de vítima de um soldado desse exército, ter escrito no calor do momento. Mas não fosse assim, o texto perderia em parte seu valor, o do depoimento de um apaixonado.

    Grande abraço do
    Léo.

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  9. Fala aê Léo!!!! Cara vc tem toda razão! O desamor é uma doença e uma praga e eu digo mais, isso tá cada vez mais comum e tá degenerando o mundo e alma das pessoas! Temos q tomar cuidado pq é contagioso. Abração!

    Denis Martino

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  10. Salve, Denis! Bom te ler na área!

    É, rapá, foi um texto de aviso, mas nós, que compomos, se não estamos de todo imunes, ao menos sabemos que somos mais resistentes a esse vírus.

    Abração do
    Léo.

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  11. Léo,

    Nada melhor contra o desamor que a beleza de uma canção. Nunca nos deixe sem a sua vacina, doutor!

    Beijo.

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  12. Hehe! Valeu, Júlia! Sigo produzindo minha vacina, embora Chico Buarque não concorde.

    Beijos do
    Léo.

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