segunda-feira, 28 de março de 2011

Crônicas Desclassificadas: 12) O mar mais silencioso daquele verão

Fulano de tal saiu de casa animado pra ver um filme japonês que estava passando numa dessas mostras que sempre há em São Paulo. No metrô se deu conta de que estava atrasado, o que nele era um comportamento normal, dado o seu grau de relaxamento.

Ao descer no metrô São Bento reparou que a saída mais próxima estava fechada, por ser fim de semana. Teve que caminhar durante preciosos minutos até chegar à rua. Olhou o relógio e só então a ficha caiu. Faltavam cinco minutos pro início da sessão. E o pior: como era uma sessão gratuita, havia o risco de os ingressos estarem esgotados. Uma gota solitária de suor brilhou em sua fronte. Foi aí que pôs à prova seu condicionamento físico, que foi reprovado após um longo minuto de carreira descompassada. Àquela brilhante gota se juntaram outras e em uma fração de segundos já se encontrava com a camisa encharcada.

Foi aí que a barriga começou a dar pontadas, como se houvesse um feto ali, ou uma solitária. As gotas se multiplicaram e, naquele instante, quem o visse seria capaz de jurar que o rapaz havia tomado um banho vestido, ou que uma nuvem de chuva o acompanhava, como no desenho.

Chegou enfim ao cinema, esvaindo-se. Batata! Os ingressos estavam esgotados havia ao menos uma hora. Sem condições físicas ou psíquicas prum duelo verbal, perguntou onde era o banheiro e, como num passe de mágica, apenas abaixou as calças e todas aquelas dores que o incomodavam havia um segundo o abandonaram num jorro revitalizante.

A acústica do recinto o fez perceber que o filme começara. Olhou-se no espelho e, com ódio de si mesmo, vingou-se no papel-toalha, causando um desfalque politicamente incorreto. O que via era um sujeito com calças e jeans surrados, um par de meias furadas (isso ele não via, mas já sabia) e uma camiseta sem marca, cor de burro-quando-foge.

Deu passos inseguros, sentindo-se um pingo sem “i”, e, ao ganhar a rua, resolveu voltar a pé, mais por pena de si mesmo do que pra aproveitar aquele sol generoso que resolvera presentear aquele domingo silencioso de verão, sem mar.

São Paulo, 21/02/2005.

***

Ligeiramente (não tão ligeiramente assim) inspirado em fatos reais.

2 comentários:

  1. Aí que está. SE esse rapaz fosse o meu irmão, mesmo chegando atrasado, milagrosamente ele ficaria com um ingresso que alguém esqueceu de colocar; o filme ainda não teria começado por um problema qualquer no projetor, que seria solucionado assim que o rapaz entrasse na sala (mesmo se o atraso fosse de uma hora). Por fim, o único assento disponível seria ao lado da gostosa que é altamente fã das mesmas coisas que ele.

    Pior que é sério, a situação aí é hipotética, mas estamos falando de um cara que conseguiu atrasar um avião da British Airways e ainda por cima ser jogado na primeira classe, com uma passagem da econômica.

    Beijocas!!!!

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  2. Caramba, Lulu! Certamente seu irmão teria outras histórias pra contar que não esta!

    Beijos do
    Léo.

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