Existem pessoas que empurram. Sim, parece brincadeira, mas existem. Pessoas que usam mãos, antebraços, cotovelos, ombros... pra empurrar terceiros (e, se for o caso, quartos). Pessoas que empurram sem saber por quê. Pessoas que empurram sem pensar. Pra passar (e não passar por cima). Pessoas que empurram sem saber a quem empurram. E não querem nem saber! Querem mais é empurrar. Tais pessoas não têm culpa. Coitadas, nasceram apenas pra empurrar. Empurrar é sua sina. E seu destino. Algumas empurram antes que alguém as empurre (algumas, depois). Seguem o décimo primeiro mandamento: “empurrai ao próximo como a si mesmo.”
Lembram crianças brincando. Embora algumas delas já sejam velhas e usem suas bengalas no mesmo intuito de empurrar. Nos transportes coletivos, essas pessoas que empurram parecem formigas (embora formigas não empurrem outras formigas). Empurram pra entrar primeiro, empurram pra sair primeiro... O engraçado é que param na escada rolante bloqueando a passagem. E, quando seu poder aquisitivo melhora e adquirem seu próprio automóvel, saem enfurecidas avenidas afora e, na impossibilidade de empurrar o metal do próximo, buzinam e fazem cantar o acelerador pra intimidar os veículos à frente; pra assustar os pedestres desavisados que creem que é sua a faixa que os representa; e (pasmem!) chegam a acelerar (como cães rosnantes) frente aos próprios semáforos, quando estes caem na besteira de mostrar-lhes o vermelho.
Ah, as pessoas que empurram... Essa categoria digna de estudo pode ser encontrada em todas as classes sociais. Empurram nos shoppings, empurram nas feiras, empurram nas filas... Por falar em filas, estas dão quase um capítulo à parte. As pessoas que empurram ficam verdadeiramente enlouquecidas nas filas! Empurram com a barriga; empurram com tudo o que tiverem à mão, mochilas, bolsas, pastas, sacolas, bebês, carrinhos de bebês e os mais inusitados objetos; pisam em nossos calcanhares... As pessoas que empurram, nas filas, querem nos ver pelas costas.
E nos aeroportos? Empurram, empurram, empurram pra entrar primeiro no avião (e pra primeiro sair dele), empurram pra colocar sua bagagem no lugar da nossa, e, quando sua bagagem não cabe, empurram-na pra que caiba, mesmo que com isso a portinhola do compartimento não feche. Sentam-se sempre do lado da janela não pra ver a paisagem, mas pra nos empurrar quando vão ao banheiro e pra nos empurrar pra sair primeiro que nós quando o avião pousa.
(Agora mesmo ouço um vizinho gritar “Vai, Corintiááááá!”. Este, pelo menos, empurra seu time - ou tenta.)
Às vezes me pego a pensar no que leva uma pessoa, por vezes pai (ou mãe) de família, por vezes trabalhadora, honesta, gentil até, a sair por aí empurrando desconhecidos. O pior é que as pessoas que empurram geram filhos que empurram e que gerarão, por sua vez, filhos que empurrarão.
Nosso país vive um bom momento (ou serão os outros países que vivem um mau momento?), e eu fico me perguntando: será que vamos formar profissionais que empurrarão pra subir na vida? E nosso país, formando tais profissionais, será que empurrará, por sua vez, os demais países pra subir ao Primeiro Mundo?
Não me perguntaram, mas vou dar minha opinião: acho mesmo que devíamos dar passagem às pessoas que empurram. Afinal, são inofensivas. Só sabem empurrar. E só o fazem porque são empurradas pelas de trás, que são empurradas pelas de trás, e assim sucessivamente, numa desarmônica dança sem música (e sem par) que bem poderia ser denominada empurra-empurra. Se não vissem ninguém à frente não saberiam o que fazer, pois só lhes ensinaram a empurrar (e a ser empurradas). E as pessoas que empurram, definitivamente, não têm talento pra mais nada que não seja empurrar. É esta sua função na sociedade. Como os burros de carga servem pra levar carga.
Não sei bem por quê (talvez o saiba), lembrei-me de um filme a que assisti há muitos anos chamado Terra da Discórdia*. Uma cena em especial me levou às lágrimas. Um fazendeiro, enlouquecido por não ter conseguido incutir em seu filho o amor pela terra, toca seu gado rumo ao precipício. Eu via aquela cena com os olhos esbugalhados (e marejados), sem compreender por que nenhum boi, mesmo vendo os da frente caírem, escapava de lado. Hoje compreendo que não se pode mudar a natureza de um animal. Talvez esse filme sirva como parábola pra uma sociedade feita de pessoas que empurram. Em outro patamar, não seria Deus este enlouquecido fazendeiro e as pessoas que empurram, o gado rumo ao precipício?
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*Terra da Discórdia (The Field - 1990). Diretor, Jim Sheridan; com Richard Harris.
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Léo,
ResponderExcluirQue maravilha de texto e tema!!
Me remeteu ao maior empurrão que já levei por ai.
Tinha ido assistir ao concerto de Arthur Moreira Lima e no final uma amiga e eu fomos comprar um Cd para ele autografar,veio, pasme,a secretária de cultura da cidade,mirou minha amiga e eu, e com uma mão em cada uma de nós,deu o empurrão duplo mais bem empurrado que já vi.O Pianista vendo a cena veio em nosso socorro e não só autografou nossos Cds,como nós convidou para jantar com ele.Ela sem querer nos empurrou para um jantar encantador.
Beijos
Lu
Parabéns, Léo! E obrigado pela dica do filme...
ResponderExcluirVou procurar.
Beijão!
Cava
Caro Léo:
ResponderExcluirCom um título desses, é impossível não ler. Muito bom, muito divertido. Legal a história da Lucinda Prado que ganhou um jantar com Arthur Moreira Lima a partir de um empurrão. Também tenho episódio engraçado, sem o glamour de um pianista. Estava na fila para comprar ingresso para o futebol. Veio um cambista imenso de grande e forte e empurrou todo mundo e entrou na frente. Não tive dúvidas: dei-lhe um chute na barriga da perna que ele deve ter visto estrelas. O sujeito ficou louco, virou-se para trás e queria bater em todo mundo. Bater em todo mundo, menos em mim, já que não passaria pela cabeça de ninguém que um cara do meu tamanho tivesse tal atrevimento.
Continue nos dando bons textos.
Abraços
Paulinho das Frases
http://colunistas.ig.com.br/bocanotrombone/
Lucinda, querida! Que beleza de história! O que demonstra que há empurrões que pretendem nos lançar "de encontro a", mas acabam nos lançando "ao encontro de".
ResponderExcluirCava, sumidão! Bom te saber por perto!
Paulinho, veja se seu comentário está como você queria. Adorei seu relato também. Bem típico dos baixinhos folgados. Hahaha!!!
Beijos e abraços do
Léo.
Como estamos de passagem,nesta vida, deixemos o próximo continuar empurrando e a nós caberá ensinar a exercitar a tolerância.
ResponderExcluirMeu caro leitor anônimo:
ResponderExcluirComo disse um colega certa vez, "somos todos miseravelmente humanos", com nossos preconceitos, nossas virtudes, enfim, nossa humanidade. Contudo, se vivermos tendo em mente nos tornarmos pessoas melhores, nossa vida já terá valido a pena. Em relação à "tolerância", minha humanidade costuma ser intolerante com a opinião pseudo-tolerante de pessoas que se escondem sob o véu do anonimato pra declarar as suas.
Volte sempre, de preferência, sem máscaras.
Um humano abraço do
Léo.
Tenho pouco problema com gente que empurra. Meus problemas são gente que se planta bem na passagem - e ainda olha esquisito quando eu peço licença para passar; e gente que anda sem olhar para a frente, vem direto pra cima de mim, tenho que ficar desviando...
ResponderExcluirOi, anônimo 2! Lembre-se de que, como sou letrista (poeta?), escrevo como se estivesse compondo uma letra. Nesse caso, uso uma situação real pra expor metaforicamente minhas... reclamações. Ou seja, não leve ao pé da letra, pense dois ou três graus acima.
ResponderExcluirAbraço do
Léo.