Minha admiração por Sabina não se deu à primeira audição. Eu já possuía seu CD Enemigos Íntimos (em parceria com Fito Páez), do qual até gostava, mas que não me chamara a atenção de um modo especial. Contudo, como alguns professores recorrentemente falavam dele de forma enfática, como se se tratasse de uma espécie de Chico Buarque espanhol, resolvi lhe dar uma segunda chance.
Aconteceu que eu havia me tornado sócio da biblioteca do Instituto Cervantes, que conta com um belo acervo de livros, DVDs e CDs em espanhol, e, certo dia, procurando não sabia exatamente o quê, deparei-me com uns sete ou oito CDs de Sabina. Resolvi, pois, sorvê-los em doses homeopáticas, e escolhi aleatoriamente um deles pra levar pra casa a título de empréstimo.
Chamava-se El Hombre del Traje Gris. Quando cheguei em casa e o pus pra tocar, finalmente a mágica se deu. Tive que voltar à primeira canção diversas vezes. Arrebatou-me! Tratava-se de uma fábula moderna, ou melhor, de uma apropriação da história de Adão e Eva, transportada aos dias atuais.
Eva Tomando el Sol era seu nome. Apesar da sonoridade um tanto datada dos arranjos (o CD é de 1988), a canção me caiu em cima como um tijolo. O CD como um todo me pareceu, em princípio, irregular, pior mesmo que Enemigos Íntimos (o que me fez achar que Sabina estava mais pra Caetano que pra Chico), mas Eva... ganhou espaço cativo em meu coração. Na impossibilidade de adquirir o CD, antes de devolvê-lo, pirateei-o, aliás, corrijo-me, fiz-me uma cópia pra uso doméstico.
Com o tempo, outras canções do disco foram me conquistando, mas nenhuma superou o efeito da primeira, pra qual acabei fazendo uma versão em português. Foi um trabalho difícil, a letra extensa e algumas referências locais tornaram a busca por versos que lhe fossem fiéis bem complexa. Mas acho que consegui chegar a um resultado bastante interessante.
Foi nessa altura da partida que entrou em campo, descansado, Roney Giah. Pois foi a ele que convidei pra defendê-la neste meu projetinho. Nesse meio tempo eu já vinha desenvolvendo um texto sobre ele pro Ninguém me Conhece, que foi publicado há poucos dias. A coincidência foi que Roney me ligou um dia antes de seu aniversário, e consequentemente da publicação de seu texto, pra me avisar que a canção já estava "na mão" e que ele me mandaria em um ou dois dias.
Não preciso dizer (mas digo) que, como tudo o que passa pelo violão (e pela voz) de Roney, o resultado saiu personalíssimo. Houve apenas dois lapsos em sua gravação, que lhe relatei, mas aos quais não pedi conserto. Contudo, prestativo como sempre, Roney fez uma mágica emenda (aliás, duas), que ficou melhor que o soneto. Tirem suas próprias conclusões:
EVA TOMANDO SOL
Pancho Varona - Joaquín Sabina/versão: Léo Nogueira
Era uma vez uma velha serpente
Que trouxe uma maçã e disse: "prova"
Eu me chamava Adão, e, certamente, era você a Eva
Morávamos num prédio sob embargo
Dois miseráveis de outra região
Era no Largo do Arouche um paraíso sobre o chão
No lixo achamos três cadeiras brancas
Um colchão roto e uma mesa manca
Enquanto Eva estava nas frituras, eu borrava partituras
Sabíamos passar bem sem a janta
Ficar nus com a roupa no varal
Fumando dessa planta
Da ciência do bem e do mal
O céu sorri quando Eva se bronzeia
Naquelas tardes, no terraço, ao sol
Ninguém viu mais linda sereia em seu estado natural
E, de repente, em cada janela,
Tinha um marido perdendo estribeiras
Sem se importar se passasse na tela Corinthians x Palmeiras
Um dia, a víbora do prédio em frente
Ao ver seu homem como nunca o viu
Ficou doente e telefonou pra Defesa Civil
Sem documentos, nem mesmo um registro,
Galhos de arruda, ou tio vereador
Não teve nem um cristo que viesse em nosso favor
Eva tomando sol
Pecado original
Beijos, arroz, feijão
Quer mais o quê, Adão?
Um deus-juiz que fez de si mau uso
Nos declarou, fora de seu juízo:
Não há mais vagas para dois intrusos nesse paraíso
Sobre o colchão, estávamos sem roupa
Jogando o nosso jogo favorito
Ao ver entrar a tropa
Eva não pôde sufocar um grito
Escada abaixo lhe gritava “desce!”
Um uniformizado querubim
Sem se importar que ela estivesse prestes a dar à luz Caim
Hoje, na feira-livre, Eva vende
Maçãs da árvore do ex-patrão
Num shopping toco nosso happy end
Todos me chamam Adão
A original:
EVA TOMANDO EL SOL
Pancho Varona - Joaquín Sabina
Todo empezó cuando aquella serpiente
Me trajo una manzana y dijo: “prueba”
Yo me llamaba Adán, seguramente
Tú te llamabas Eva
Vivíamos de squatters en un piso
Abandonado de moratalaz,
Si no has estado allí no has visto
El paraíso terrenal
Cogimos un colchón de una basura,
Dos sillas y una mesa con tres patas,
Mientras yo emborronaba partituras
Tú freías las patatas
Plantamos cañamones de ketama
Y un tiesto nos creció ante el ventanal
Con una rama de árbol de la ciencia
Del bien y del mal
A Eva le gustaba estar morena
Y se tumbaba cada tarde al sol,
Nadie vió nunca una sirena
Tan desnuda en un balcón
Pronto en cada ventana hubo un marido
A la hora en que montaba
El show mi chica,
Aunque la tele diera en diferido
El Real Madrid-Benfica
Un día la víbora del entresuelo
En trance a su consorte sorprendió,
Formó un revuelo y telefoneó
Al cero noventa y dos
Y como no teníamos apellidos,
Ni hojas de parra, ni un tío concejal,
Ni más dios que cupido
No sirvió de nada protestar
Eva tomando el sol
Bendito descontrol,
Besos, cebolla y pan…
¿qué más quieres Adán?
Un juez que se creía dios dispuso
Que precintara un guardia nuestro piso
No quedan plazas para dos intrusos
En el paraíso
Estábamos sobre el colchón desnudos
Jugando a nuestro juego favorito,
Al ver entrar la pasma
Eva no pudo sofocar un grito
A golpes la bajó por la escalera
Un ángel disfrazado de alguacil
Sin importarle un pijo que estuviera
Encinta de Caín
Hoy Eva vende en un supermercado
Manzanas del pecado original
Yo canto en la calle preciados
Todos me llaman Adán
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Não consigo parar de ver o seu blog, essas versões estão sensacionais!
ResponderExcluirParabéns!!!
Já pensou em enviar ao próprio sabina ou Pancho???
Olá, Amabile!
ExcluirFico feliz em saber que está gostando do passeio por meu espacinho sabineiro. Então, querida, tive um contato com Pancho (que é, inclusive, meu amigo no fb) e entreguei a ele um CD com essas versões, que ele fez chegar à casa de Sabina. Por ora, é tudo o que sei. Sabina, infelizmente, não tem entre suas prioridades o mercado brasileiro. O que é uma pena, tanto pra ele quanto pra nós. Por aqui, vou fazendo minha parte.
Abração,
Léo.