sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Joaquín Sabina en Portugués: 8) Zebeto Corrêa e a versão de "A mis cuarenta y diez"

Recentemente escrevi uma crônica que deu o que falar, Música Não É Futebol, que tratava, do ponto de vista musical, da rejeição midiática a toda uma geração de artistas que andam por volta dos 40 anos. Falando nisso, este 2011 é justamente o ano em que completo quatro décadas de vida! Puxa, nem mesmo eu acredito! Ainda me vejo como um moleque (e não poucas vezes ajo como um). O interessante é que, quando converso com amigos de minha geração, vejo neles esse mesmo sentimento de juventude tardia, temporã, duradoura, ou sei lá o quê; diria mesmo certa sensação de angústia de quem se sente guiando numa estrada que não sabe onde vai dar...

No fundo no fundo, acho que apostamos num sonho que a juventude nos prometeu, mas não nos deixou alcançar. E em troca desse sonho acabamos fechando os olhos a outros sonhos e a outras realidades... Opa, opa! Sai pra lá, baixo astral! Na realidade, essas quase quatro décadas me ensinaram muita coisa e me sinto uma pessoa muito melhor e mais preparada do que quando tinha 20 anos. Claro que, com a lentidão que me é peculiar, demorei muito mais do que o que devia pra obter tal aprendizado. Mas ainda me restam (queira Deus) muitas décadas pra pôr em prática o que a experiência me regalou.

Mas o assunto aqui é Sabina, e não à toa um de seus temas que mais me tocam é A Mis Cuarenta y Diez, bela e dylaniana canção que ele compôs quando completou 50 anos, aliás, 40 e 10 (que faz parte do clássico CD 19 Días y 500 Noches). E, vejam vocês, dos 50 pra cá Sabina compôs o melhor de sua obra! Muitos artistas consagrados com essa idade passam a administrar um repertório burocrático, previsível, repleto de "mais do mesmo", ou seja, dão a seu público o que ele quer ouvir. Em Sabina, ao contrário, vemos sempre o desejo de se superar, as dores expostas em versos tão líricos quanto pungentes, a ousadia tendo vez a cada novo trabalho.

Tendo essa ousadia em mente, busquei em português pra versão de A Mis Cuarenta y Diez versos que não fizessem feio frente aos originais, o que resultou num trabalho dos mais difíceis. Principalmente porque nesta canção há muitas citações/situações intraduzíveis. Mas não são justamente esses desafios que fazem nosso trabalho tão especial e divertido?

Em 2009, pensando em Zé Ramalho, que então completava 60 anos, acrescentei dez anos ao título da versão e enviei-a por e-mail a seus produtores, que, claro, não responderam. Contudo, pensando também em 
Sabina, que a essa altura do campeonato já acumulara outra década de vida, mantive os "cinquenta e dez". Por fim, convidei o talentoso cantautor Zebeto Corrêa, parceiro querido de Minas Gerais (de quem tratarei mais detalhademente em texto futuro), pra que fizesse um registro da versão. Apesar de ele ter, na realidade... 40 e 10. Mas ele, gentilmente como sempre, aceitou o desafio, e o resultado é este que ora vocês ouvem. Espero que curtam.


CINQUENTA E DEZ
Antonio Oliver Joaquín Sabina/versão: Léo Nogueira

Com meus cinquenta e dez
Cinquenta e nove dizem que aparento
Mas, se chegou a vez
De deparar-me com o delicado momento
De passar a pensar
Em recolher-me, e, sentado à uma mesa,
Me resignar a ditar testamento,
Perdão pela tristeza

E pra que meus dependentes, constrangidos a um futuro furado,
Não sofram o que sofri, vou decidido
A não lhes deixar legado
Só meus poemas de amor
Um corte no coração e um mar de dúvidas
Co’a condição de que não os liquidem no atacado, minhas viúvas

E, quando minhas filhas sintam na alma
Saudades de minhas pilhérias
E um brusco calafrio mostre a bastilha
Onde passo as minhas férias,
Serei um mau exemplo a se trancar
Do lado esquerdo do peito
Junto com os beijos que não soube dar
E os meus diversos defeitos

Porém, sem pressa, que a missas
De réquiem não sou lá muito chegado
E o terno de madeira que estrearei
Nem foi ainda plantado
E o frei que vai me dar a extrema-unção
Ainda é menos que um filho
E que, pra ser comercial, esta canção carece
De um bom estribilho

Desde que saio com a pálida dama
Ando mais morto que vivo
Porém, dormir o sono eterno em sua cama
Me parece excessivo
E tudo o que nunca me cansei de buscar
Em lábios, mares sem portos,
Dizem que há beijos vindos de ultramar
Que ressuscitam os mortos

Se de visita, vierem à minha cova
Quando for meu aniversário,
E eu não estiver, favor ninguém se comova
Até que volte o otário
Pois quem irá se importar
Se um pobre morto mantém ainda seus vícios?
No dia do juízo final, quem sabe Deus venha advogar em meu benefício


Abaixo, a letra original:

A MIS CUARENTA Y DIEZ
Antonio Oliver Joaquín Sabina


A mis cuarenta y diez,
Cuarenta y nueve dicen que aparento,
Más antes que después,
He de enfrentarme al delicado momento
De empezar a pensar
En recogerme, de sentar la cabeza,
De resignarme a dictar testamento
(Perdón por la tristeza)

Para que mis allegados, condenados
A un ingrato futuro,
No sufran lo que he sufrido, he decidido
No dejarles ni un duro,
Sólo derechos de amor,
Un siete en el corazón y un mar de dudas,
A condición de que no
Los malvendan, en el rastro, mis viudas

Y, cuando, a mi Rocío,
Le escueza el alma y pase la varicela,
Y, un rojo escalofrío,
Marque la edad del pavo de mi Carmela,
Tendrán un mal ejemplo, un hulla hop
Y un D’Artacán que les ladre,
Por cada beso que les regateó
El fanfarrón de su padre

Pero sin prisas, que a las misas
De réquiem nunca fui aficionado,
Que el traje de madera que estrenaré
No está siquiera plantado,
Que el cura que ha de darme la extremaunción
No es todavía monaguillo,
Que, para ser comercial, a esta canción
Le falta un buen estribillo

Desde que salgo con la pálida dama
Ando más muerto que vivo,
Pero dormir el sueño eterno en su cama
Me parece excesivo,
Y, eso que nunca he renunciado a buscar,
En unos labios abiertos,
Dicen que hay besos de esos que, te los dan,
Y resucitan a un muerto

Y si a mi tumba os acercáis de visita,
El día de mi cumpleaños,
Y no os atiendo, esperádme, en la salita,
Hasta que vuelva del baño.
¿A quién le puede importar,
Después de muerto, que uno tenga sus vicios?
El día del juicio final
Puede que Dios sea mi abogado de oficio

***




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5 comentários:

  1. Olá Léo. Vim correndo pra ler sua postagem. Nossa essa coisa de tempo e idade sempre me incomodaram. Quando eu fiz 30 entrei em crise...rs Mas é como você disse depois a gente avalia e vê que com certeza estamos melhor do que antes, principalmente na forma de encarar a vida! A música ficou ótima, adorei a letra!!! Parabéns pra vocês e até a próxima!!!

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  2. Tempo... Tempo tem idade? Convivo bem com ele, pena que minhas mãos já não tenham tanta agilidade, mas meus olhos, minha mente, provocadas, reagem como a juventude. Sabe Léo, reflexões são necessárias para nos sentirmos melhor e como diria o simplista Raul Seixas, "prefira ser essa metamorfose ambulante" que serás bem mais feliz. Precisamos em algum momento, de mudarmos nossas opiniões e darmos razão a um outro que a tenha, pois não somos absolutos em nada. Escuto músicas do tempo da minha vó e as encaro como sendo novinhas em folha...
    Ouvir o que outras pessoas tem a dizer nos fortalece e saio daqui fortalecida pela letra, pelo texto e pela melodia. Saudações a todos.

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  3. Ana Paula, Marta:

    Sim, reflexões são sempre necessárias ao longo de nossas vidas. E sempre, após refletirmos a respeito de qualquer problema, saímos fortalecidos. Eu hoje acredito estar, em todos os sentidos, na melhor fase de minha vida. E, se continuar nesse ritmo, aos 50 estarei tinindo! Ou melhor, aos 40 e 10!

    Dois beijos,
    Léo.

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  4. Os 40 foram uma pedrada na minha cabeça

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  5. E essa pedra vem vindo em minha direção! Hehe!

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