domingo, 2 de dezembro de 2012

Os Manos e as Minas: 10) O meu amigo... Roberto Carlos!

Eu, em meu aniversário de cinco
anos (sem óculos, pra sair bem na 
foto), com alguns presentes: um 
terninho feito por minha mãe, 
uma Caloi e um disco de RC 
(a boneca era de minha tia, 
deixemos claro!).
Corriam os primeiros anos da década de 1970 quando chegamos a São Paulo, não em pau de arara, mas de ônibus (após quase três dias de desconforto). Meus pais, uma tia adolescente (irmã de minha mãe) e eu, então um pingo de gente. Um tio viera na frente e fomos morar com ele. Adeus, Ceará! Íamos viver na cidade grande, Sumpaulo, mo fi! Pouco tempo depois a família descobriria os prazeres dos "aparelhos ligados na tomada", novidade pra nós: a dupla fogão e geladeira, que nos passaria a ser indispensável (até hoje), o ferro elétrico, e a supérflua, mas encantadora, radiola, que seria durante muitos anos (até que nos sobrasse pra TV em preto e branco) nossa menina dos olhos. 

Pra mim era uma maleta mágica, dura, avermelhada, que, quando se abria, revelava em sua parte superior interna uma caixa de som (mono, claro) e na inferior um braço metálico com uma agulha na ponta ao lado de uma bandeja redonda, sobre a qual, com toda a delicadeza, minha tia colocava pra rodar um disco de vinil que, ao simples contato com aquela agulha, começava a emitir sons... mais que sons: música! E dentro daquela caixa de som pessoas começavam a cantar, pra espanto meu, que não entendia como cabiam ali dentro.

Algum tempo depois já havíamos adquirido uma discografia considerável, com destaque pra santíssima trindade: Paulo Sérgio, por quem minha mãe suspirava; Luiz Gonzaga, que deixava meu pai banzo, a sonhar de olhos abertos com uma terra natal maravilhosa como jamais havia sido; e... tchan tchan tchan tchan! Ele, o Rei, o inimitável Robeeeeerto Caaaaarlos! ... por parte de minha tia. Aliás, devido à idade, minha tia foi minha primeira referência musical, pois naqueles anos meu gosto passaria ser o dela. Posso dizer que vivi todo o fervor da Jovem Guarda com uma década de atraso, pois foi em São paulo que ela, a tia Fátima, ou melhor, Fazinha (como eu a chamava), tivera condições de adquirir os discos que causaram furor na década anterior. Ah, meu tio, não me lembro do que ouvia...

Claro que tive que pagar alguns micos, pois Fazinha durante anos não deixou que minha mãe me cortasse os cabelos, pra que eu virasse uma espécie de versão mirim de RC. Mas tinha seu lado bom: como meu aniversário caía em dezembro (cai ainda, óbvio), mesma época em que o Rei religiosamente lançava seus LPs, a partir de certa idade passei a ser presenteado com eles anualmente. Quando comecei a trabalhar, desincumbi meus familiares de tal presente e continuei a aquisição da discografia eu mesmo, hábito que mantive até meados dos 1990, quando RC perdeu a mão pra coisa.

Mas, calma lá! Voltemos! Hoje, quando percebo minha inexplicável e teimosa timidez, ainda não entendo como aquele moleque que nas festas agarrava um cabo de vassoura e saía gritando pelos cômodos afora que era terrível conseguiu se transformar nisto que ora sou. Mas foi naquela época que aprendi a regar meu primeiro sonho: quando crescesse eu iria ser cantor (bati na trave, virei compositor)! Enquanto isso os anos passavam e eu ficava cada vez mais fanático por Roberto Carlos. Minha tia casou, teve filho, e eu tomei-lhe mesmo a dianteira na fixação pelo Rei. Pra mim não existia mais ninguém, era Deus no Céu e RC na Terra! 

Dezembro era pra mim um mês encantado, pois, além de Natal, festas, comida farta, havia sempre a espera pelo novo LP do Rei, cujas canções eu decorava de cabo a rabo da primeira à última faixa. Ah, e havia os especiais da Globo, que eu acompanhava como quem espera a chegada do menino Jesus. Não perdia um! Sentava-me no chão, a menos de um metro da tevê, e acho que nem piscava! Ah, nessa época meu pai já havia conseguido trazer pra nosso quarto/sala a Philco velha de guerra (em preto e branco), responsável por eu ser hoje um respeitável quatro-olho. Mas ela me fez sentir muitas emoções, bicho! Mora?

E eis que eu me vi adolescente, com pelos crescendo por todo o corpo (inclusive ali!); num piscar de olhos eu era já office-boy no Banco Itaú! Foi quando comecei a me viciar em cinema e a perambular pelo Centro à cata de LPs. O primeiro que tive o orgulho de pagar com meu dinheiro era uma raridade, um disco de Roberto Carlos cantando em inglês! Este eu não havia ganho de aniversário, pois fora lançado no meio do ano. Agora era meu! Meuzinho da silva! E comprado com meu dinheiro. E, embora eu não entendesse uma vírgula do que ele cantava, decorei todas as faixas! Porque então comprei uma revistinha com todas as letras do Rei cifradas pra violão (que nunca aprendi).

... mas percebi estupefato que meus amigos de classe ouviam outras coisas! Umas bandas que cantavam em inglês e que tinham nomes esquisitos. Eram uns tais de Dire Straits, Simple Minds, U2, A-Ha, Simply Red, Depeche Mode, Information Society, The Cure, Tears For Fears, Pet Shop Boys, Duran Duran, INXS, Culture Club, REM, Guns N' Roses... Cheeeegaaaaaa!!! Meu, o que era aquilo? De que planeta tinha vindo tudo isso? Aliás, corrijo-me: de que planeta tinha vindo eu, que não conhecia nada daquilo? E, como a regra era ser popular (não mudou nada até hoje), tive que fazer um curso intensivo do que a galera ouvia, e, em seis meses, já tava por dentro de tudo! E, quando chegava dezembro, lá ia eu entrar numa loja de discos, olhando pro lado com cara de foragido, pedir o novo do Roberto... pra presente, por favor!

Ah, claro, o que me ajudou a decifrar as bandas acima foi o rock nacional, que pelo menos era cantado em português (mas sobre este escreverei futuramente). E eis que chegou a época de fazer nova viagem no tempo, agora perseguindo bandas mais antigas, como Pink Floyd, Led Zeppelin e, claro, Beatles e Rolling Stones, ah, e uns tais Bobs, Dylan e Marley (Elvis Presley eu já conhecia, em parte por causa da Sessão da Tarde). Só que no meio deles pintou Raul Seixas, e foi aí que eu comecei a pirar o cabeção. E foi quando comecei a achar o Robertão um quadrado ultrapassado. Pouco tempo depois descobri Zé Ramalho, que era pra mim uma piração num grau mais elevado, dado o psicodelismo das letras. Em seguida, quando eu estava prestes a me tornar um bicho-grilo temporão, deparei-me com um tal de Francisco Buarque de Hollanda, este sim um camarada muito do roquenrol (leia texto sobre essa descoberta aqui)!!!


... e o Robertão foi pro espaço, como o astronauta que ele queria ser...



***

Sábado passado, depois de anos de ausência, passei um aniversário na casa de meus pais, e as lembranças jorraram, como no sucesso de Márcio Greyck na voz do Robertão. E fiquei matutando com meus botões sobre a importância de Roberto Carlos num país como o nosso. Pô, o mundo tem seus Sinatras, Gardéis, McCartneys, Iglesias, Pavarottis, Aznavoures e tantos outros (pra ficar só nos cuecas); nós temos Roberto Carlos, um cara que atravessou mais de cinco décadas como sucesso absoluto e que nos presenteou canções inesquecíveis que já fazem parte de nós de forma indelével; um cara que foi sucesso em espanhol, italiano, francês, inglês e sabe lá mais em quantas línguas, quantos países... É pouco?

Daí pensei que temos que ter carinho com nossos grandes artistas, diria mais, orgulho mesmo, pois eles são patrimônio nosso, estejam gagás ou não, estejam mortos ou na ativa, pois eles fazem parte da memória afetiva de um povo, e isso tem que ser passado pras gerações futuras, pra que elas não comprem gato por lebre. E aqui não me refiro só a Roberto Carlos, que pra muitos nem é considerado um dos grandes, falo de todos, e olha que essa história já vem de antes de Noel Rosa! Apenas me deu vontade de acertar as contas com meu passado e dar o devido peso à importância que esse a quem chamam Rei teve em minha formação. Acho que eu não entenderia tanto o que é ser brasileiro, mais, o que é ser POVO brasileiro, se não tivesse crescido com RC. Aliás, acho que ele foi o Moisés que me abriu esse grande mar que até hoje sigo atravessando.

Essas recordações me matam...


... não é, ?



***

Minha preferida do Rei, O Divã (Roberto Carlos - Erasmo Carlos):



E um presente a vocês (um especial com Roberto na Argentina):


***

6 comentários:

  1. Magnânimo! acho que Robertão tem uma parte dele em cada um de nós..e sabe o mais bacana? E que sempre são em histórias de amor!!! Eu amooooooooooooooooo tudo o que ele escreve....Roberto é o som vivo e pulsante de que o amor, mesmo que brega, escrachado, escancarado, nada prático, passional ainda continua na moda...todo mundo renega, mas ele continua vivo no íntimo de cada ser humano. Hoje, as pessoas parodiam e dizem: Esse mala sou eu!!!! Mas, porque? porque pode parecer piegas, mas...qual amor e entrega não é piegas? Robertão é o máximoooooooooooooooooooooooo

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    1. Daisoca, minha inevitável!

      Concordo com você. Acho que todos nós já o renegamos, mas, no final das contas, ele está acima de tudo isso, pois sua obra vai mais longe do que onde as críticas podem chegar.

      Beijossss,
      Léo.

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  2. Esse cara que ouve música brega é vc!





    Carlos D'Orazio

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    1. D'Orazio:

      Io sono brasiliano, se tu sei uno straniero, cosa posso fare?

      Un gran abraccio da Brasile,
      Léo.

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  3. Bah! O Rei! Acredita que houve época em que tive implicancia com ele? culpa de minha irmã mais velha.. Ela era vidrada nesse cara... e colava posteres dele em toda a parede do quarto ... Eu pequena, ficava vendo vultos e fantasmas se formarem na parede no lusco fusco do quarto... Por conta das tais figuras. Perdia o sono. Ela ouvia tanto. Dai pra implicar resolvi ser seguidora das bandas de rock que meu irmão venerava noo gravadorzinho dele. Muito estranho uma criança ferrada num pink floid né ahaha Com o tempo fui resgatando meu Rei.. O rei nosso! Tem que respeitar né! E tem cada musica de arrepiar. Adorei o texto! :)

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    1. Oi, Anja! Irmã a gente não respeita, né? Ainda bem que no meu caso foi tia. Mas odo mundo tem uma fase de implicar com o Roberto (só que pra alguns a fase nunca passa. hahaha!), mas no fim o que resta é a obra, e obra ele tem pra caramba.

      Valeu!

      Beijão,
      Léo.

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