sexta-feira, 25 de abril de 2014

Crônicas Desclassificadas: 129) "Pondérações" sobre a esquerda festiva... e a direita que não "pega mulher"

Certa vez escrevi sobre a diferença entre irônicos e cínicos (leia aqui), posicionando-me entre aqueles em detrimento destes. E ultimamente tive mais um belo exemplo de posicionamento: o infeliz artigo que o filósofo direitoso Luiz Felipe Pondé publicou recentemente em sua coluna semanal na Folha de S.Paulo, chamado, chistosamente, Por uma direita festiva (se tiver estômago, leia aqui. ... bem, se for ler, leia também a ótima réplica de Noemi Jaffeaqui), no qual ele resume ideais de esquerda como simples subterfúgios pra "pegar mulher". E o pior foi que o texto foi escrito com um deslavado sentimento de inveja dos "esquerdistas pegadores", pois nele Pondé confessa a extrema dificuldade com a qual os "intelectuais de direita" vêm se deparando pra justamente levar um lero com a mulherada, visto que o belo sexo ainda se deslumbra com fotos do Che e papos sobre a fome na África.

Confesso que, apesar da pena que senti, não me furtei a umas boas risadas. Acho que é por isso que insisto em ler Pondé, Reinaldo Azevedo &; cia.: pra rir. Afinal, eles são mais engraçados que, por exemplo, os boas-praças Antonio Prata e Gregorio Duvivier. Mas, admito, é um riso triste que me escapa, pois eles se levam a sério e expõem suas vísceras ante os leitores, as vísceras do vazio e da arrogância de quem, não crendo em ninguém, não crê nem em si próprio, apenas busca argumentos pra sua imobilidade, sua falta de amor ao próximo, justificando a inércia como atitude superior. Daí, voltando ao primeiro parágrafo, eu ter associado Pondé aos cínicos. Pois estes são, sobretudo, egoístas. 

Não fossem, não seriam capazes de se expor ao ridículo com esse papinho descabido e vexatório de "pegar mulher". Papinho que os mostra como infelizes masturbadores e, pior, denigre o sexo feminino, o que, por si só, já demonstra uma de suas maiores dificuldades no trato com a delicadeza – dificuldades estas que têm menos a ver com o fato de serem de direita e mais com o de serem trogloditas travestidos de intelectuais. O que eles não sabem é que nem todo camarada que se posiciona à esquerda é um pegador, mas isso não tem muita importância na cabeça de um, pois "pegar mulher", ou melhor, relacionar-se com uma mulher (ou com um homem) deve ser uma consequência, não uma finalidade.

No mais, a relação afetiva entre duas pessoas se dá também por causa de afinidades de gosto, seja musical, literário, político etc. Com o que Pondé revela que seus "chegados" não estão lá muito satisfeitos com as relações que mantêm com as mulheres que pensam como eles. Caso contrário, não estariam muito preocupados com os esquerdistas e suas conquistas amorosas. Afinal, o cínico, por pensar só em seu umbigo, acaba se tornando também um invejoso. Tem inveja da mulher do outro, da crença do outro, dos ideais do outro, e, na impotência... ops, na incapacidade de ter tudo isso, debocha, reduz, limita e... se esconde e se aquece sob o cobertor de sua covardia, pois é muito mais fácil criticar e ridicularizar quem tenta fazer algo pela melhora do mundo do que arregaçar as mangas e fazê-lo.

Realmente tenho que agradecer a Pondé. Fazia tempo que eu vinha querendo escrever algo sobre esse momento de "ebulição direitista", e seu artigo me deu ânimos pra enfim vir aqui teclar acerca de. A verdade é que ando preocupado. A descrença no PT tem causado em alguns certa "alergia" a tudo o que for relacionado com ideais de esquerda. E eu, como bom "canhoto", não tô preocupado com o PT, considero-me de esquerda mais apesar dele do que por causa dele. Sei que o poder corrompe, Orwell já deu belos exemplos disso. Contudo, creio que a descrença é ainda pior, pois, quando nos assumimos descrentes, lavamos nossas mãos e, pôncio-pilatosamente, deixamos o circo pegar fogo, preocupamo-nos apenas em blindar nosso automóvel e pôr cercas elétricas ao redor de nossa residência (e de nossa existência).

... mas nada disso impedirá que, cedo ou tarde, o outro entre. Acho mesmo muito difícil, pra não dizer impossível, viver assim. A falta de um motivo pelo qual valha a pena viver transforma as pessoas em frustradas, mal-humoradas, mesquinhas... Prefiro meter a boca, criticar, apontar erros e acertos e expor minhas dúvidas e indagações a definhar passivamente, por falta de crença em algo. Essa falta de crença tem levado o mundo ao caos. Ok, Fidel perdeu (será?), mas os capitalistas não venceram. Ao contrário: vejam, por exemplo, como é deprimente ver a França envolta em conservadorismo, criminalizando até clientes de prostitutas, estas que são consideradas as mais antigas profissionais do mundo. É triste ver os camaradas que gritaram "liberté, egalité, fraternité" virando hipócritas neoconservadores. O grandes escritores franceses do século XIX devem estar corando em suas tumbas.

Mas não percamos o foco. Estou lendo a biografia El Che Guevara, de Hugo Gambini, e queria compartilhar com vocês um fragmento dela, justamente o que retrata parte do pensamento do (então) jovem Fidel. Vamos a ele (tradução minha): "O povo cubano quer algo mais que simples troca de poder. Cuba deseja ardentemente uma mudança radical em todos os campos da vida pública e social. Ao povo devemos dar algo mais que liberdade e democracia em termos abstratos. Devemos proporcionar-lhe uma vida decente. [...] Não há maior tragédia que a do homem capacitado e com desejos de trabalhar que passa fome junto com sua família por falta de trabalho. O Estado tem a inapelável obrigação de lhe proporcionar isso ou lhe dar o sustento até que ele o possa encontrar (viu, Eliza?)." Mudou Fidel? Estou me lixando. Continuo crendo nisso. Talvez eu seja um ingênuo, mas estou na companhia de Lennon: eu sou um sonhador. Por isso sou a favor do "assistencialismo". Afinal, se não dizemos nada quando nossos impostos fazem a felicidade de tantos ricos, por que chiar quando levam um mínimo a quem até ontem não tinha o que comer?

Pra terminar, lembrei que recentemente li Reinaldinho Azevedo escrevendo a respeito do livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, de... Karl Marx(!), no qual este escreveu sobre algo que já virou chavão: a tragédia se repetir como farsa. Enfim, não vou entrar em detalhes pra não alongar a prosa, basta dizer que Azevedo juntava num artigo alhos e bugalhos pra, cinicamente, proclamar a "morte" de Dilma, citando até (pasmem!) Fernando Pessoa. Ou seja, toda a "erudição" do moço resulta num tiro no pé, pois, de acordo com o evangelho segundo Pondé, eles podem citar Pessoa, Shakespeare, Machado, enfim, Jesus Cristo! ... no caso, até mesmo Karl Marx, mas nem assim vão conseguir "pegar mulher". Afinal, já dizia Vinicius (em parceria com Carlos Lyra): "Você é muito mais que eu sou/ Está bem mais rico do que eu estou/ Mas o que eu sei você não sabe/ [...] Você pode ser ladrão quando quiser/ Mas não rouba o coração de uma mulher/ Você não tem alegria, nunca fez uma canção/ Por isso a minha poesia, ah, ah, você não rouba, não."


***

6 comentários:

  1. Independentemente da posição do Pondé, juro que fico com vergonha alheia quando ele faz suas intervenções na rádio Bandeirantes... Dá pra perceber o constrangimento dos apresentadores, tanto do "Jornal Gente", quanto do "Jornal em três tempos". Triste!
    Filósofo "de buteco" e olhe lá.

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    1. Hahaha! Tá explicado então o artigo dele, Moreirinha.

      Abração,
      Léo.

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  2. Gostei muito da crônica ,Leo.
    Concordo com você!

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  3. Nossa... Um dos textos mais ricos, profundos, lúcidos e inteligentes que li nos últimos tempos. Principalmente porque partilho integralmente dessas opiniões, sentimentos e visão de mundo. O que me deixa ao mesmo tempo orgulhoso do amigo e parceiro e resignadamente invejoso do Escritor... Evoéééé, Léo!!!

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    1. Caramba, Cava! Vou fazer um quadro desse comentário.

      Valeuzaço, Cava!

      Beijão,
      Léo.

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